Após cinco anos da promulgação da Emenda Constitucional 72, que entrou em vigor no dia 3 de abril de 2013, a medida, popularmente conhecida como PEC das domésticas, não propiciou mudanças significativas às trabalhadoras brasileiras desse setor, na opinião de especialistas. A falta de fiscalização dos direitos dessas profissionais é apontada como um dos principais motivos para que a lei não saísse do papel.
De acordo com Eliete Ferreira da Silva, coordenadora geral do Sindicato das/os Trabalhadoras/es Domésticas/os de Campinas e Região, segunda associação da categoria criada no país, os empregadores domésticos vêm encontrando formas de driblar a lei. “Mesmo que as trabalhadoras tenham jornada de 8 horas semanal, muitos empregadores não fazem o registro em carteira. E mesmo com registro, eles sonegam determinados direitos, como pagar só uma parcela do 13º, dispensar sem justa causa”, denunciou.
A rapper, professora de história e ex-empregada doméstica Joyce Fernandes, a Preta Rara é criadora da página “Eu empregada doméstica” no Facebook. Ela conta que recebe diariamente relatos de mulheres que tiveram seus direitos violados, ou de anúncios que ofertam empregos precarizados a elas.
“Lógico, trouxe uma garantia para elas, mas eu continuo recebendo anúncios de mulheres que trabalham oito horas por dia e ganham 30 reais. Ou que trabalharam de segunda a sexta, mais de 8 horas por dia, e no final do mês recebem 400, 300 reais. Então pouca coisa mudou”, afirmou.
Segundo Juliane Furno, doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp, um dos principais motivos por trás da dificuldade de fiscalizar as garantias trazidas pela PEC 72 é a grande informalidade do trabalho doméstico. Isso porque, as medidas trazidas pela lei — o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro acidente de trabalho, e a regulamentação das horas extras — contemplam apenas as trabalhadoras que têm carteira assinada.
“Acontece que a quantidade de trabalhadoras afetadas pela PEC é em torno de 31% da categoria só, que corresponde à porcentagem formalizada. Isso porque a PEC não vem com medidas fiscalizadoras. A carteira de trabalho para domésticas já é uma obrigação desde 1982, por exemplo, mas o fato de ser ilegal não faz com que haja formalização”, disse.
Furno acrescenta que, quando a PEC foi votada, suas defensoras imaginavam que ela impactaria na formalização da profissão. Mas não foi o que aconteceu. Em agosto de 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou a Instrução Normativa nº 110, que cria procedimentos de fiscalização do cumprimento das normas relativas à proteção do trabalho doméstico. A medida estabelece uma multa mínima de R$805,06 para o empregador que não assinar a carteira de trabalho do empregado doméstico. No entanto, a medida funciona apenas por meio de denúncias, e de acordo com Juliane Furno, não pode ser considerada uma fiscalização.
“É mais fácil alguém denunciar que existe trabalho escravo do que saber se a doméstica que trabalha em determinado lugar têm carteira assinada ou não”, afirmou. Procurado pela reportagem, o MTE não respondeu se existe algum tipo de documentação dessa medida até a publicação da reportagem.
Reforma Trabalhista
Com as mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) trazida pela Reforma que entrou em vigor em novembro de 2017, as especialistas avaliam que a precarização do trabalho doméstico aumentará.
“A precarização do trabalho doméstico já existe, mas com essa reforma trabalhista a tendência é piorar. Os relatos deixam isso muito evidente, e eu tenho recebido muitas mensagens com uma preocupação generalizada sobre como tudo vai ficar e como dar continuidade aos direitos”, afirmou Joyce Fernandes.
Para Juliane Furno, um dos pontos da nova lei que mais prejudicará as domésticas é a flexibilização da jornada de trabalho, que agora poderá chegar ao limite de 12 horas por dia, no regime 12X36, no qual deve-se folgar nas 36 horas seguintes.
“A jornada de trabalho foi o último direito a ser regulamentado pela PEC de 2013. É um direito muito significativo, porque a jornada não ser limitada era o principal motivo que fazia o trabalho doméstico ainda ter características análogas à escravidão, porque as trabalhadoras ficavam permanentemente à disposição do trabalhador. A Reforma tira esse mecanismo. É um bloqueamento muito precoce de um direito recém-adquirido”, afirmou.
Crise
Um dos principais debates sobre a PEC das Domésticas na época em que ela estava sendo votada é o de que sua aprovação levaria ao aumento do desemprego entre domésticas, pois os empregadores não estariam dispostos a gastar mais com os novos direitos. De acordo com Juliane Furno, no entanto, o emprego doméstico foi o único que teve saldo positivo de contratação nos últimos anos. Porém, ela destaca que este dado não é diretamente relacionado à aprovação da PEC, mas sim à crise econômica.
“Temos uma hipótese que em momento de crise econômica, os trabalhadores perdem emprego e as mulheres procuram se inserir da última forma que tem praticamente oferta ilimitada, que é o trabalho doméstico. Então, como muito mais mulheres passam a ofertar, o salário tende a cair muito. Hoje há um exército de reserva, um número de pessoas que se submetem a fazer esse trabalho por um valor menor”, afirmou.
O Brasil é o país com o maior número de trabalhadoras domésticas, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). São cerca de 7 milhões de pessoas no setor. Em 2015, 5,7 das 6,2 de trabalhadoras domésticas eram mulheres, e 3,7 milhões eram negras e pardas. Em 2017, o trabalho doméstico respondeu por 6,8% dos empregos no país, e 14,6% dos empregos formais das mulheres. Via Brasil de Fato
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Fonte: jc