Se você notou que o cafezinho no Brasil ganhou alternativas como o “pó para preparo de bebida à base de café” ou que, lá nos Estados Unidos, os restaurantes andam aplicando sobretaxas em pratos com ovos, saiba que não é mera coincidência. Esses são apenas pequenos reflexos de um fenômeno global bem maior e mais preocupante: do azeite de oliva ao suco de laranja, passando pelo cacau, os preços de diversos alimentos dispararam em todo o mundo nos últimos dois anos, e o alívio parece não estar no horizonte próximo.
A verdade é que, de forma geral, os alimentos atingiram níveis recordes de preço após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. Embora tenha havido uma leve queda desde então, os valores ainda se mantêm nos patamares mais altos das últimas seis décadas. E o alerta dos especialistas é claro: os fatores por trás dessa tendência vieram para ficar.
“A era da comida barata acabou”, crava Rob Vos, pesquisador do Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares (IFPRI). “O mundo precisa se adaptar a esta nova realidade.”
[ Ponto Crítico: Não se trata apenas de um aumento passageiro. Estamos, possivelmente, diante de uma nova normalidade nos custos da alimentação, com implicações profundas para famílias, economias e a segurança alimentar global.]
O Termômetro Global: Preços nas Alturas e um Histórico Preocupante
Para entender a dimensão do problema, basta olhar os dados. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) monitora os preços globais através do seu Índice de Preços dos Alimentos, que acompanha cinco categorias principais: óleos vegetais, cereais, carne, açúcar e laticínios, além de um índice geral combinado.
Picos e Vales de um Cenário Instável
Esse índice mostra os preços em valores reais, ou seja, já descontando a inflação geral. Os números atingiram um pico assustador em março de 2022. Embora tenham recuado um pouco em 2023, voltaram a subir lentamente no ano passado.
O especialista em demografia e economia José Eustáquio Diniz, ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, vai além: ele afirma que, em termos reais, esta década já registrou os preços médios dos alimentos mais altos dos últimos 100 anos. Para ele, essa tendência representa um risco “sério” para a segurança alimentar em todo o planeta.
Não é a primeira vez que o mundo passa por isso. A última vez que os preços dos alimentos atingiram níveis recordes foi em 1974 e 1975, logo após a crise do petróleo de 1973. Naquela época, os custos dispararam em diversos setores, incluindo a produção e o transporte de alimentos – um eco preocupante do que vemos hoje.
Por Trás da Escalada: Entendendo as Múltiplas Causas da Crise
Diversos fatores, como uma tempestade perfeita, confluíram para nos trazer a este cenário de alimentos mais caros.
A Guerra na Ucrânia e Seus Reflexos Imediatos
O conflito iniciado em 2022 desestabilizou profundamente os mercados globais de alimentos. Isso aconteceu, em grande parte, porque Rússia e Ucrânia são gigantes na exportação de trigo e óleo de girassol. Além disso, a Ucrânia é um dos principais fornecedores mundiais de milho.
Com o bloqueio russo aos portos ucranianos no início de 2022, os preços desses produtos dispararam. Um acordo posterior e novas rotas de embarque permitiram que a Ucrânia retomasse parte de suas exportações, o que aliviou um pouco a pressão. A economista da FAO, Monika Tothova, pondera que o impacto, ao final, não foi tão catastrófico quanto alguns temiam inicialmente.
Fertilizantes: O Custo Crítico que Pressiona a Produção
Contudo, o conflito na Ucrânia acendeu outro alerta vermelho para os agricultores: o preço dos fertilizantes. O gás natural é um componente essencial na produção desses insumos vitais para a agricultura moderna. O preço do gás, que já estava alto, explodiu em 2022 devido à guerra, elevando drasticamente o custo dos fertilizantes e, por tabela, o custo de produção dos alimentos.
Fatores Duradouros: O Fim de uma Era de Abundância?
Mas não podemos culpar apenas a guerra. Existem forças mais profundas e duradouras em jogo. “A era dos baixos preços dos alimentos foi resultado de um impulso considerável para a produtividade agrícola, desde os anos 1970”, explica Rob Vos, do IFPRI. Esse período foi marcado pela chamada “Revolução Verde”, uma mudança global para variedades de plantas de alto rendimento e técnicas agrícolas intensivas.
No entanto, esse boom de produtividade, segundo Vos, agora desacelerou. E, com a demanda por alimentos crescendo continuamente, os preços médios inevitavelmente subiram.
A Demanda Crescente por Mais (e Diferentes) Alimentos
Esse aumento da demanda é particularmente forte nos países em desenvolvimento. Nesses locais, as populações estão crescendo e os hábitos alimentares estão mudando. “As pessoas estão consumindo mais carne, laticínios, frutas, legumes e verduras”, aponta José Eustáquio Diniz. “Mas a produtividade nestes setores não acompanhou a demanda, o que tornou a comida mais cara.”
[ Para Refletir: Com a demanda global por alimentos mais nutritivos e diversificados crescendo, como garantir que a produção acompanhe esse ritmo de forma sustentável e acessível?]
O Impacto Inegável das Mudanças Climáticas na Mesa do Brasileiro (e do Mundo)
Outro vilão poderoso nesta história é, sem dúvida, a mudança climática. Seus efeitos já são sentidos de forma contundente na agricultura global.
Um estudo conjunto do Banco Central Europeu e do Instituto de Potsdam para Pesquisas sobre os Impactos Climáticos, divulgado no ano passado, é alarmante: o aumento das temperaturas poderá elevar a inflação dos alimentos em até 3,2 pontos percentuais por ano até 2035.
As mudanças climáticas, de fato, já retardaram o crescimento da produtividade agrícola nos últimos 60 anos, conforme um relatório de 2022 do Banco Mundial. A organização alerta para um possível “ponto crítico”, no qual os impactos climáticos poderiam anular todo o progresso futuro no aumento da produtividade, um cenário que seria “devastador”.
“A maior parte da produção agrícola depende do clima. Por isso, é um negócio altamente incerto”, resume Monika Tothova, da FAO. Ela explica que certos produtos, como o azeite de oliva, o café e o cacau, são especialmente vulneráveis. Isso ocorre porque dependem de árvores perenes e sua produção está concentrada em poucas regiões do globo.
Produtos no Olho do Furacão: Exemplos que Sentimos no Bolso
Vários alimentos que amamos viram seus preços explodirem recentemente, e as causas são variadas e complexas.
O Amargo Preço do Azeite de Oliva
O preço do azeite de oliva, por exemplo, disparou em 2023 e 2024. Ondas de calor extremo atingiram o sul da Europa por dois anos consecutivos, causando secas severas na Espanha e em outras importantes regiões de cultivo de oliveiras. Cientistas do grupo World Weather Attribution (WWA), do Imperial College de Londres, são categóricos: as temperaturas escaldantes que vimos teriam sido “virtualmente impossíveis” sem as mudanças climáticas induzidas pelas atividades humanas.
Café: O Sabor da Crise Climática
A colheita de café também foi duramente atingida por eventos climáticos extremos. Em fevereiro deste ano de 2025, os preços do café arábica em grãos atingiram recordes de alta nos mercados internacionais. Um dos principais fatores foi a seca prolongada que afetou o Brasil por dois anos. Pesquisadores do WWA afirmam que as mudanças climáticas foram a causa principal das condições excepcionalmente secas de 2023.
Ovos: Uma Crise Sanitária com Preço Salgado
Nos Estados Unidos, uma epidemia de gripe aviária levou ao abate de dezenas de milhões de galinhas. O resultado? O preço de uma dúzia de ovos mais que triplicou no país desde 2021, atingindo o nível recorde de US$ 6,23 (cerca de R$ 35, na cotação da época) em março de 2025, segundo o Escritório de Estatísticas Trabalhistas dos EUA. O então presidente americano, Donald Trump, culpou as políticas de seu sucessor, Joe Biden, pela disparada. Por outro lado, grupos ativistas e alguns legisladores do Partido Democrata levantaram suspeitas de que os produtores de ovos poderiam estar mantendo os preços artificialmente altos. A gripe aviária também pressionou os preços dos ovos em outros países, como África do Sul, Austrália e Japão, mas os impactos variam localmente.
Suco de Laranja: Doença e Clima Amargando a Fruta
O suco de laranja também não escapou. Seus preços atingiram níveis recordes nos mercados de commodities em setembro de 2024. A colheita no Brasil e nos Estados Unidos foi severamente prejudicada por uma doença conhecida como greening (ou HLB), transmitida por uma praga sugadora de seiva. Essa doença deixa a fruta amarga e, lentamente, mata as laranjeiras. Secas no Brasil e furacões na Flórida também contribuíram para o problema. Atualmente, os preços deram uma leve recuada, mas o setor segue em alerta.
[ Fique Ligado! Eventos climáticos extremos e doenças em plantações e criações não são mais exceção, mas uma constante que pressiona os preços dos alimentos. A adaptação da agricultura é urgente.]
Comércio Global Conturbado e a Imprevisibilidade para os Agricultores
Além dos fatores de produção e clima, os transtornos no comércio global também jogam lenha na fogueira dos preços. As recentes tarifas de importação impostas por governos, como as da administração Trump a produtos com destino aos Estados Unidos, podem atingir diretamente os custos dos alimentos.
Um dos maiores problemas para os agricultores é a imprevisibilidade. “Se irromper uma guerra comercial e forem impostas tarifas, eles podem perder mercados de exportação fundamentais, o que os forçará a ajustar a produção no meio da estação”, explica Monika Tothova, da FAO.
Efeitos cascata também são comuns. Quando a China impôs tarifas retaliatórias à soja americana, por exemplo, os importadores chineses buscaram outros fornecedores, como o Brasil. No entanto, segundo um relatório recente do Banco Mundial, essas fontes alternativas não conseguiram atender a toda a demanda, o que causou um aumento nos preços do grão importado.
Rob Vos, do IFPRI, pondera que ainda não está claro se as tarifas americanas terão o efeito de forçar os preços globais dos alimentos para cima ou se irão gerar uma redução global do crescimento econômico, o que, paradoxalmente, poderia diminuir os preços. Mas ele faz um alerta importante: mesmo que haja uma redução nos mercados globais, a inflação dos alimentos pode permanecer alta em muitos países de baixa e média renda. Isso porque a queda das exportações desses países poderia enfraquecer suas moedas, tornando a importação de alimentos ainda mais cara. “Não se sabe ao certo como as coisas irão evoluir precisamente”, admite Vos. “Mas, de forma geral, há poucas boas notícias no horizonte.”
Da Cotação Global à Mesa do Consumidor: Uma Distância Dolorosa
Apesar de os preços dos alimentos terem registrado alguma redução no mercado global desde o pico de 2022, isso não se traduziu automaticamente em alívio para o bolso dos consumidores em toda parte.
O economista Dawit Mekonnen, do Grupo de Perspectivas do Banco Mundial, afirma que, em muitos países, os preços dos alimentos ainda são significativamente mais altos do que eram há quatro anos. Essa situação, segundo ele, “prejudicou gravemente o acesso aos alimentos”.
A consequência mais trágica é o aumento da desnutrição em todo o mundo. Após atingir seu nível mais baixo em 2017 (7,1% da população mundial), a desnutrição voltou a subir para 9,1%, de acordo com os números da FAO. A organização estima que mais de um terço da população mundial não pode pagar por uma alimentação saudável, incluindo cerca de dois terços da população da África.
O Futuro da Alimentação: Entre a Esperança e a Volatilidade
Alguns economistas preveem que os preços dos alimentos podem cair um pouco nos próximos 12 meses. No entanto, a maioria dos especialistas espera mais volatilidade pela frente.
“As forças que causam aumentos de preço – maiores custos de produção, problemas na cadeia de abastecimento, mudanças climáticas e políticas comerciais – não estão desaparecendo”, alerta Rob Vos.
A adaptação a essa “nova realidade” de alimentos mais caros e um cenário de maior incerteza exigirá esforços conjuntos de governos, produtores, pesquisadores e da sociedade como um todo para garantir a segurança alimentar e o acesso a uma nutrição adequada para todos.
[ Sua Opinião/Experiência Conta: Como o aumento dos preços dos alimentos tem impactado seu dia a dia e suas escolhas no supermercado (simulado)?]
Quiz Rápido: Teste Seu Conhecimento Sobre a Crise dos Alimentos!
- Qual evento geopolítico foi um dos principais gatilhos para o disparo recorde dos preços globais dos alimentos em 2022? a) A crise do petróleo de 1973. b) A imposição de tarifas pela China à soja americana. c) A invasão da Ucrânia pela Rússia. d) A epidemia de gripe aviária nos Estados Unidos.
- De acordo com especialistas citados no texto, qual fator de longo prazo contribuiu para o fim da “era da comida barata”? a) O aumento repentino da produção de fertilizantes. b) A desaceleração do crescimento da produtividade agrícola global. c) A diminuição do consumo de carne e laticínios em países em desenvolvimento. d) A estabilidade climática prolongada nas principais regiões produtoras.
- Qual dos seguintes produtos teve seu preço afetado por condições climáticas extremas, como secas e ondas de calor no sul da Europa? a) Ovos b) Azeite de Oliva c) Trigo d) Milho
Respostas Corretas: 1-c, 2-b, 3-b
Resumo dos Pontos Centrais: Navegando na Era da Comida Cara
- Preços nas Alturas: Os alimentos atingiram picos históricos globalmente após 2022 e, apesar de alguma queda, permanecem em níveis elevados, marcando possivelmente o fim da “era da comida barata”.
- Múltiplas Causas: O aumento é resultado de uma combinação de fatores, incluindo o conflito na Ucrânia, altos custos de fertilizantes, desaceleração da produtividade agrícola, demanda crescente e, crucialmente, os impactos cada vez mais severos das mudanças climáticas.
- Produtos Afetados: Azeite de oliva, café, ovos e suco de laranja são exemplos de alimentos que sofreram aumentos expressivos devido a problemas climáticos, doenças e questões sanitárias.
- Comércio e Imprevisibilidade: Tensões comerciais e políticas de tarifas adicionam uma camada de incerteza e podem impactar os preços globalmente e localmente.
- Impacto Humano: A alta dos preços dificulta o acesso a uma alimentação saudável para uma parcela significativa da população mundial, contribuindo para o aumento da desnutrição.
- Futuro Incerto: Embora possa haver alguma queda pontual, a maioria dos especialistas prevê volatilidade contínua nos preços dos alimentos, exigindo adaptação e soluções de longo prazo.
Enfrentar essa nova realidade exige mais do que apenas procurar as melhores ofertas no supermercado. Demanda uma compreensão profunda das forças em jogo e um debate sério sobre como podemos construir sistemas alimentares mais resilientes, sustentáveis e justos para todos.
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