Agências de Publicidade: Tributação da Nota de Repasse em São Paulo
Introdução
As agências de propaganda e de publicidade de São Paulo adentraram 2018 com considerável desincentivo fiscal por parte da municipalidade.
De fato, em 21 de dezembro de 2017 o Prefeito João Dória assinou decreto revogando importante artigo do Regulamento do ISS paulistano que trazia regras para definição da base de cálculo dos serviços prestados pelas agências, o que pode representar grande encarecimento tributário em cada operação, além de desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos dos projetos já em curso quando da publicação do indigitado decreto.
Como Previa a Legislação?
Até ter sido revogado, o art. 47 do Anexo Único do Regulamento do ISS de São Paulo/SP (Decreto n° 53.151/12), o ISS apenas gravava os ingressos das agências de publicidade que representassem comissões, bonificações, honorários de criação, honorários de redação, honorários de veiculação e o preço da produção em geral. Deste último (do preço da produção em geral) o revogado artigo permitia que fossem subtraídos da base de cálculo do imposto os valores dos serviços executados por terceiros.
Com efeito, não era outra coisa o que dizia o mencionado artigo:
Art. 47. Constitui receita bruta das agências de publicidade:
I – o valor das comissões, inclusive das bonificações a qualquer título, auferidas em razão da divulgação de propaganda;
II – o valor dos honorários, “fees”, criação, redação e veiculação;
III – o preço da produção em geral.
Parágrafo único. Quando o serviço a que se refere o inciso III deste artigo for executado por terceiros que emitam notas fiscais, faturas ou recibos em nome do cliente e aos cuidados da agência, o preço do serviço desta será a diferença entre o valor de sua fatura ao cliente e o valor dos documentos do(s) executor(es) à agência. (grifamos).
Há décadas essa tem sido a regra. Por exemplo, se um cliente encomendasse de uma determinada agência de publicidade, por R$ 10.000,00, uma campanha que envolvesse desde a criação até sua veiculação em certo jornal, antes de pagar o ISS a agência subtrairia de sua base de cálculo o valor cobrado pelo veículo em função de necessária veiculação. Nessa linha, assumindo que o jornal cobrasse R$ 8.000,00 por tal serviço, o ISS seria calculado então sobre R$ 2.000,00, ou seja, sobre a diferença da subtração de um pelo outro.
Assim, aplicando-se sobre tal diferença a alíquota de 5% (que é a cobrada hoje pelo município de São Paulo para esse tipo de serviço), a referida agência teria um valor de R$ 100,00 a pagar de ISS sobre essa campanha.
Para que essa apuração se desse dessa maneira, a legislação exigia que o terceiro envolvido emitisse sua nota fiscal em nome do cliente da agência publicitária, ou seja, do efetivo anunciante, indicando no documento que ele seguirá aos cuidados da agência, esta que promove seu pagamento.
Voltando ao nosso exemplo, o jornal emitiria então em nome do anunciante uma nota fiscal de R$ 8.000,00, informando no corpo da nota que ela (nota fiscal) seguiria para a agência responsável pela campanha. E é a existência dessa nota fiscal, atendendo a essa formalidade, que permitia à agência que ela calculasse seu ISS sobre R$ 2.000,00 e não sobre R$ 10.000,00.
Nada mais justo, pois embora a agência atue em seu próprio nome, ela o faz por conta e ordem de seus clientes, que são os anunciantes. Sua remuneração é, portanto, o produto desse agenciamento, e não a totalidade dos valores que circula – sob mera gestão da agência – para a realização de cada campanha publicitária.
Tudo isso era regulado pelo revogado artigo 47 do Anexo Único do Decreto n° 53.151/12.
Quais foram as mudanças?
Tal como mencionado, do dia 22 de dezembro de 2017 o município de São Paulo publicou o Decreto nº 58.045/17 revogando o artigo 47 do Anexo Único do Decreto n° 53.151/12, que delimitava a base de cálculo do ISS para as agências de publicidade e propaganda.
Dado que o mencionado artigo foi revogado e com ele suprimida a definição do que representa a receita bruta das agências de publicidade, possível assumir que a base de cálculo do ISS passa a ser regida pela regra geral, ou seja, a que consta no artigo 17 do Decreto 53.151/12, que diz o seguinte:
Art. 17. A base de cálculo do Imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição. (grifos nossos)
Dessa maneira, se novamente voltássemos ao nosso exemplo, segundo essa regra o ISS deveria ser cobrado sobre a monta de R$ 10.000,00, passando de R$ 100,00 para vultosos R$ 500,00. Nesse caso específico, que serve bem para representar a realidade das campanhas publicitárias executadas pelas agências, isso representaria a elevação de 400% na tributação do negócio, passando sua alíquota efetiva a ser de 25%, no lugar dos regulares 5%.
A alteração foi legal e constitucional?
Não há dúvida de que uma enorme insegurança jurídica foi instaurada com a revogação do artigo 47 do Anexo Único do Decreto n° 53.151/12, só para dizer o mínimo. Contudo, muitos argumentos podem ser desenvolvidos para se questionar uma eventual elevação do ISS em função dessa revogação.
Primeiramente se deve levar em conta que essa majoração de tributação, se devida, apenas pode ser aplicada após transcorridos 90 dias da publicação da norma que ensejou o encarecimento. Dessa maneira, tendo sido publicada no dia 22 de dezembro último[1], tal majoração apenas pode ser exigível após dia 25 de março de 2018, regra com a qual o próprio decreto de revogação concorda.
Outra coisa é a forma jurídica escolhida. Com efeito, somente a lei pode promover o aumento de tributos. De fato, salvo em algumas exceções constitucionais (as quais não alcançam o ISS), o Poder Executivo não pode majorar tributos. Expedir decreto com tal jaez equivale a interferir na competência exclusiva do Poder Legislativo, eivando a norma de vício de competência e tornando-a inválida, portanto, desde sua publicação.
Também pode se dizer que, conforme demonstrado acima, tal mudança elevaria a alíquota do ISS para patamares muito superiores ao delimitado pela Lei Complementar n° 116/03, que define uma alíquota máxima de 5% para o aludido imposto.
Há ainda, bibliografia consagrada – dentre inúmeras outras – que prega que não devam ser exigidos impostos das agências de publicidade e de propaganda quando elas figuram como meras intermediadoras dos serviços de veiculação, como de fato figuram, essencialmente:
“A Lei n° 4.680/65 trata do exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda. O agenciador de propaganda é o que, vinculado a veículo de divulgação, a ele encaminha propaganda por conta de terceiros (art. 2°). São Veículos de divulgação quaisquer meios de comunicação visual ou auditiva capazes de transmitir mensagem de propaganda ao público, desde que reconhecidos pelas entidades e órgãos de classe, assim consideradas as associações civis locais e regionais de propaganda, bem como os sindicatos de publicitários (art. 4°). Quando a agência de publicidade encaminha propaganda por conta de terceiros aos veículos de comunicação, é apenas intermediária, recebendo comissão. Sobre a comissão de agenciamento incide o ISS. (MARTINS, Sergio Pinto. Manual do imposto sobre serviços. 6 ed. atual., ver. e ampl. – São Paulo : Atlas, 2004).”
Nessa linha, o ISS deveria gravar apenas a efetiva remuneração das agências, produto de sua atuação a serviço de seu cliente, ou seja, sobre as comissões, as bonificações, os honorários de criação, os honorários de redação e os honorários de veiculação. Se o município exigir mais do que isso, pretendendo tributar também os valores que são apenas repassados pelas agências aos terceiros contratados (veículos de comunicação, empresas de artes gráficas, redatores, etc.), avançará ele em esfera afastada da tributação do ISS, pois gravará valores que não representam serviços efetivamente prestados pelas agências.
Todavia, muito embora existam esses argumentos à disposição dos empresários do ramo da publicidade e propaganda (e outros tantos possam ser eventualmente desenvolvidos), há que se alertar que o panorama jurídico mudou, e que talvez seja prudente o ingresso de uma medida judicial – como um mandado de segurança preventivo, por exemplo – para resguardar seus interesses.
É que nada garante que a fiscalização municipal de São Paulo, frente à revogação do artigo 47 do Anexo Único do Decreto n° 53.151/12, não passe a promover autuações fiscais contra as empresas publicitárias. E, no que é pior, é de se presumir que tal comportamento seja acompanhado por outras prefeituras no resto do país, como é comum acontecer.
Conclusão
Essa sutil alteração na legislação tributária tem a inclinação de provocar enormes mudanças de rumo nos novos negócios que serão firmados entre agências, seus clientes e terceiros envolvidos.
Algumas empresas passam a estudar toda uma nova estrutura de cobrança dos valores, sem repasses, de maneira a fugir da possível nova tributação.
Outras tantas se manterão atuando como sempre, emitindo as notas de repasse e excluindo os valores repassados da base de cálculo do ISS. Para estes, a aposta será a de que o revogado artigo apenas se tratava de uma “norma esclarecedora”, orientadora do modus operandi, sem força para ditar qual é a efetiva base de cálculo do imposto.
Outros, por fim, se socorrerão junto ao Poder Judiciário, procurando obter provimentos que lhes dê a segurança necessária para que continuem promovendo seus negócios sem esse indesejável acréscimo nos seus gastos tributários.
Vale acrescentar, por fim, que a ABAP (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) e o SINAPRO-SP (Sindicato das Agências de Propaganda do Estado de São Paulo) encaminharam à prefeitura de São Paulo um ofício requerendo que a revogação do artigo 47 seja revista, justamente sob o fundamento principal de que apenas os rendimentos das agências devam ser alvo de tributação pelo ISS, e não os valores pagos a terceiros.
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Fonte: jc