Já se tornou um clichê o encerramento do ano com surpresas na legislação tributária e a publicação de inúmeras edições extra do Diário Oficial. Porém, o PLP 32/2021 parece ter sido esquecido pelo Congresso Nacional, e foi convertido na Lei Complementar 190 apenas nesse dia 5 de janeiro. Essa demora resulta em nova polêmica tributária, mais especificamente sobre o prazo para início da cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS nas operações interestaduais com mercadorias e serviços destinados a consumidor final não contribuinte.
Para contextualizar o leitor, o tema abordado na Lei Complementar 190 está relacionado à redação original do artigo 155 da Constituição Federal, que previa o recolhimento do ICMS integralmente à unidade federada de origem nas operações e prestações interestaduais que destinassem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do imposto.
Com o crescente comércio eletrônico, muitos Estados, principalmente das regiões Norte e Nordeste, sentindo-se prejudicados por essa regra constitucional, firmaram o protocolo ICMS 21/2011, que determinava o recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual definida na Resolução do Senado no 22/89 em favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem.
Esse protocolo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 14/09/2014 nas ADIs 4.628 e 4.713. Porém, a ousadia dos seus signatários ensejou a edição da Emenda Constitucional nº 87/2015, de forma que, a partir de 2019, o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual passou a ser destinado integralmente a Unidade Federada de destino. Portanto, a regra antes declarada inconstitucional deixou de sê-la e os Estados de destino de bens e serviços adquiridos por consumidor final não contribuinte do ICMS passaram a exigir a diferença de alíquotas do imposto com fundamento na nova redação do art. 155, § 2o, VII, “b”, da Constituição Federal, combinado com o Convênio ICMS 93/2015.
A polêmica acerca do tema continuou, uma vez que esse convênio não constitui o veículo normativo adequado para estabelecer fato gerador, base de cálculo e contribuinte para fins de cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS. Cabe à lei complementar fazê-lo nos termos do artigo 146 da Constituição Federal. A necessidade de lei complementar foi reconhecida pelo STF em fevereiro de 2021, no julgamento do RE 1.287.019 e da ADI 5.469. Na ocasião, a Corte decidiu modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de cláusulas do convênio, que passaram a ser produzidos neste ano de 2022. Tal medida permitiu que, até então, os Estados exigissem a diferença de alíquotas até que o Congresso editasse a Lei Complementar 190, necessária para conferir legitimidade à cobrança.
Antecipando-se à edição dessa lei complementar, o Estado de São Paulo editou a Lei 17.470, de 13 de dezembro de 2021, estabelecendo o fato gerador, base de cálculo e contribuinte para fins de cobrança da diferença de alíquotas de ICMS já a partir de 2022. A questão é que a eficácia dessa lei estadual depende da produção de efeitos da Lei Complementar 190/2022, que lhe confere fundamento de validade, e ambas estão sujeitas ao princípio da anterioridade, previsto no art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal.
De acordo com essa norma constitucional, é vedado às Unidades da Federação exigir o ICMS no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou e antes de noventa dias da data dessa alteração. Portanto, para que a cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS fosse admitida já em 2022, a Lei Complementar 190 deveria ter sido publicada ainda no exercício de 2021, o que não aconteceu.
É fato que a lei estadual foi publicada em 2021, mas a Lei Complementar 190, indispensável para que aquela produza efeitos, somente foi editada em 2022. Este cenário certamente gerará discussões sobre o termo inicial da cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS nas operações interestaduais com destino a consumidor final não contribuinte do imposto: edição da Lei estadual 17.470/2021 ou da Lei Complementar 190/2022?
Por Carolina Romanini Miguel é sócia da área tributária do Cescon Barrieu Advogados
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Fonte: Jornal Contábil
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