Autonomia do Banco Central do Brasil: Quais serão os próximos passos?

No último dia 24, o Presidente da República sancionou a lei que garante autonomia ao Banco Central do Brasil (BCB), estabelecendo um novo marco na trajetória do regulador do sistema financeiro. O momento provoca a reflexão de quais serão os próximos passos da Agenda BC# neste novo contexto institucional.

Não há dúvida de que 2020 foi um ano de intensa atividade para o BCB. Para além das diversas medidas referentes ao combate à pandemia da covid-19, foram promovidas uma série de iniciativas para incentivar a inovação, concorrência e modernização do mercado financeiro e de pagamentos.

O desenvolvimento da Agenda BC# foi marcado especialmente pela frente de Competitividade, que visa conferir aos mercados brasileiros maior eficiência, integração e abertura para novos modelos de negócios, de forma a beneficiar a indústria e o consumidor de seus serviços.

Dentre as principais mudanças vistas ao longo de 2020, podemos destacar:

  1. a estruturação do Open Banking, que visa promover a concorrência no mercado financeiro por meio do compartilhamento padronizado de dados entre as instituições reguladas com o consentimento dos interessados; 
  2. a implementação da infraestrutura de registro e negociação de recebíveis de arranjos de pagamento e duplicatas escriturais, destinada a conferir maior segurança às operações realizadas com esses recebíveis; 
  3. o Pix, que mostrou o afinco com que o BCB deseja promover o desenvolvimento de novos negócios no mercado; 
  4. a definição das regras do Sandbox Regulatório, o ambiente controlado destinado à experimentação de modelos de negócios inovadores; e
  5. o avanço da modernização do mercado de câmbio nacional, com a realização de consulta pública sobre propostas do BCB para reformar as regras do setor, bem como o andamento da tramitação do Projeto de Lei n° 5.387/2019 no Legislativo.

A enxurrada de medidas implementadas no ano passado causou grande impacto nas instituições reguladas, que se viram obrigadas a fazer transformações significativas em seus sistemas, produtos e processos, ao mesmo tempo em que lidavam com todos os desafios da pandemia e do trabalho remoto. Tudo isso, nos prazos e formas impostos pelo BCB.

Força total no novo ano

Diante de todas essas mudanças, elevaram-se as expectativas do mercado quanto ao que esperar de 2021 no cenário regulatório. E os dois primeiros meses deste ano já mostraram que o ritmo tende a se manter.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Em fevereiro, foi lançada a 1ª fase de implementação do Open Banking – que abrange o compartilhamento de informações sobre os canais de atendimento e características dos serviços e produtos oferecidos pelas instituições reguladas.

Após a concretização dessa fase, ainda virão mais três que aumentarão gradualmente o escopo do Open Banking e, por consequência, o seu impacto no mercado e dentro das instituições. Estima-se que até dezembro de 2021 o sistema esteja em pleno funcionamento.

Quanto ao início das operações do sistema de registro de recebíveis de cartão, este já foi adiado duas vezes desde outubro do ano passado em razão de alguns agentes mais consolidados do mercado não estarem plenamente adequados à nova dinâmica.

Não por acaso, o último adiamento foi seguido da notícia de que a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) havia firmado termo de compromisso com o BCB, pelo qual se obrigou a apresentar um plano de ação para estar adequada às novas necessidades de sistema, bem como a pagar R$ 30 milhões, o que mostra a seriedade da autarquia em relação ao seu cronograma.

Em outro campo importante de reformas, o PL de Câmbio foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 10 de fevereiro deste ano, e, atualmente, o projeto segue para o Senado Federal.

O que esperar de 2021, agora com autonomia?

Considerando a composição atual da diretoria do BCB e o posicionamento público de seus integrantes, para o resto do ano, podemos esperar do BCB, no mínimo, a continuidade desses projetos e dos demais iniciados no ano passado. O que por si só não é pouco. 

Veremos o início do Ciclo I do Sandbox Regulatório do BCB, cujos projetos serão selecionados até o dia 25 de junho, bem como o desenrolar dos ciclos organizados pela CVM e pela Susep.

Além disso, há previsões de novas funcionalidades do Pix a serem desenvolvidas neste ano, conforme cronograma divulgado na 12ª Reunião plenária do Fórum Pix.

Dentre essas, merecem destaque a inclusão da conta salário na lista de contas movimentáveis no arranjo, o Pix garantido (que possibilitará a compra parcelada), o Pix cobrança, o saque Pix e o Pix por aproximação.

Por fim, a normatização definitiva das propostas de reforma da regulamentação do mercado de câmbio apresentadas em consulta pública no final do ano passado parece ser questão de tempo.

Fora isso, a Agenda BC# ainda tem muitos projetos importantes que podem ser concretizados ou iniciados ainda neste ano.

Dentre eles, merecem destaque o sistema de registro de duplicatas escriturais, cuja respectiva convenção referente à autorregulação entre registradoras aguarda aprovação pelo BCB, o PLP de Resolução Bancária (Projeto de Lei Complementar 281/2019), que aguarda aprovação na Câmara dos Deputados e a elaboração da Lei das Infraestruturas de Mercado Financeiro, que ganhou importância na pauta após o Comitê de Pagamentos e Infraestruturas de Mercados e a Organização Internacional das Comissões de Valores sugerirem aprimoramentos ao nosso arcabouço jurídico para infraestruturas de mercado em seu último assessment de cumprimento dos PFMI pelo Brasil. 

Seja como for, o ano de 2021 promete ser tão movimentado para a regulação financeira quanto foi o de 2020. Para os consumidores, isso significará mais mudanças significativas diretas e indiretas nos produtos e serviços financeiros que contratam; para as instituições, novas oportunidades de aproveitar o espaço criado pelas novas estruturas regulatórias e ganhar mercado com produtos inovadores; e para os advogados (internos ou externos), bem, boa sorte a todos nós!

Autores:

Vicente Piccoli M. Braga, sócio do FAS Advogados na área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs 

Pedro Duarte Pinho, advogado do FAS Advogados na área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs

João Henrique Batista Pereira Leite, estagiário do FAS Advogados na área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs

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Fonte: Jornal Contábil
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