A pandemia da Covid-19 ressignificou nossas vidas nos últimos meses. Há quase dois anos, fomos apresentados a uma doença misteriosa e fatal, com transmissibilidade alta, sem medicamentos com eficácia comprovada e no aguardo pela criação de vacinas.
As únicas formas de combate eram o isolamento social e protocolos sanitários rígidos, fazendo com que as pessoas ficassem em casa, mesmo que precisassem trabalhar.
Um dos primeiros desafios encontrados pelas empresas era como atender às normas trabalhistas (as já vigentes e as decorrentes do cenário emergencial) em um momento de medo e insegurança, com seus funcionários em casa. O home office (aqui compreendido como todas as modalidades de trabalho remoto) foi não só a saída mais segura, como a única forma vislumbrada para aqueles serviços não essenciais.
Passado esse primeiro momento e com o avançar da vacinação no Brasil — e no mundo — resta agora pensar no futuro. O que o home office e a pandemia podem mudar no direito trabalhista?
Afinal, é preciso relembrar que uma das principais medidas emergenciais do Governo Federal foi o estabelecimento da situação de calamidade pública e edições de normas para lidar com o momento.
Isso significou algumas tomadas de atitude paliativas e em caráter de urgência, como a flexibilização de regras para o teletrabalho, ainda que seja um regime já previsto na CLT desde a reforma trabalhista de 2017.
Tudo indica que trabalhar fora do estabelecimento não é uma medida só passageira. Ela será uma realidade nas empresas, mesmo após a pandemia.
O cenário do teletrabalho hoje
Além dos arts. 75-A até E da CLT, já acrescentados pela Reforma Trabalhista de 2017, o teletrabalho teve regras alteradas provisoriamente com a edição de Medidas Provisórias (MP) ao longo da pandemia.
As MPs determinavam as medidas trabalhistas que podiam ser adotadas pelos empregadores para a preservação do emprego e a sustentabilidade do mercado ao longo da pandemia de Covid-19.
Algumas dessas medidas falavam sobre:
- adoção do teletrabalho;
- banco de horas;
- concessão de férias coletivas;
- antecipação de férias individuais;
- aproveitamento e a antecipação de feriados;
- suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
- diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Vale lembrar o caráter transitório e emergencial dessas medidas, uma vez que, tendo como fundamento o instituto da MP, elas possuíam vigência de 60 dias, prorrogados pelo mesmo período e, ainda, submetidas ao crivo realizado pelo Congresso Nacional.
É claro que essas medidas, ainda que lancem luz ao futuro, não dão garantia sobre como será o regime trabalhista de amanhã. Ainda é preciso pensar sobre os desafios.
Alguns desafios do home office no pós-pandemia
Pensar no futuro é, primeiramente, imaginar o que o passado e o presente nos têm apresentado de lições. Afirmar que o trabalho remoto permanecerá na vida das empresas não basta.
Para isso, no entanto, é necessário superar os desafios que a legislação tem encontrado para a adoção permanente do home office e demais formas de trabalho fora do estabelecimento.
Um dos primeiros pontos abordados nas discussões sobre o assunto está na desburocratização das normas. É um fato no ambiente do direito que a realidade é mais dinâmica do que legislação. E, nesse tema, estamos percebendo isso com mais ênfase desde março de 2020.
Para tentar minimizá-lo, o Governo Federal criou o Decreto 10.854/21, que buscou unificar, considerando a grande lista de revogação de atos antigos, e dar clareza a regras relativas à lei trabalhista.
Exemplo de medida já aplicada atualmente é a Portaria 671/21, do Ministério do Trabalho e Previdência — MTP, que substituirá, além de diversas portarias, duas que previam normas sobre registro de jornada, a 373 e a 1.510.
Ela aborda múltiplos pontos em 401 artigos e alguns anexos para tratar da regulamentação de disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção e fiscalização, às políticas públicas e às relações de trabalho em geral.
Além da burocracia, outro ponto desafiador diz respeito à saúde do colaborador. Mais do que a prevenção da contaminação pela Covid-19, para além do isolamento social, o que se discute é como a lei pode compreender a preservação física e mental do funcionário que pratica o trabalho remoto em um cenário de relevante impacto psicológico.
Nesse sentido, o debate também aborda sobre o que é de responsabilidade do contratante e qual é a do contratado nessas horas. Afinal, a garantia de boas condições de trabalho é assegurada em escritórios, linhas de produção… mas o assunto fica complexo quando o ambiente de trabalho é a casa do funcionário.
Hoje, o art. 75-E da CLT diz que a empresa deve ser ostensiva na instrução quanto a prevenção de acidentes. Bem como prevê, em parágrafo único, que o empregado deve seguir as instruções fornecidas pelo empregador.
Somado a isso, há as normas reguladoras de saúde e segurança, inclusive quando o trabalho ocorre de maneira remota.
Contudo, turvo é o cenário da saúde mental. O assunto sempre foi um tabu e hoje não é diferente. Projetos de conscientização e prevenção de doenças, como bournout, já existem, mas parte muito de iniciativa das empresas do que da legislação.
Nesse sentido, vale mencionar que o Projeto de Lei 3.588/20 tramita no Planalto e é uma importante iniciativa a respeito da saúde mental no ambiente de trabalho.
O que já temos de legado?
Ainda que seja necessário discutir esses desafios, existem aspectos que já podem ser considerados como legado.
Um deles é com relação ao controle da jornada de trabalho. Além do projeto de novo marco trabalhista, a recém-criada Portaria MTP 671/21 define e aprimora alguns aspectos, por exemplo, como que os registros de ponto podem ser feitos.
Para isso, ela caracteriza três tipos de registro eletrônico de ponto, os REPs:
- Registro Eletrônico de Ponto Convencional (REP-C): esse registro são os relógios de ponto que eram regidos pela Portaria do MTE 1.510 de 2009. É o que fica no local de trabalho registrando a saída e a entrada do trabalhador;
- Registro Eletrônico de Ponto Alternativo (REP-A): são os programas de computador que têm sua utilização destinada ao registro da jornada de trabalho permitindo o comprovante eletrônico ou impresso, seja no local de atividade ou de forma remota;
- Relógio Eletrônico de Ponto em Programa (REP-P): são softwares registrados no INPI. Ele é executado em servidor dedicado usado exclusivamente para o registro de jornada de trabalho e com capacidade de emitir documentos referentes à relação de trabalho.
Obviamente, a portaria não diz apenas isso sobre o controle de ponto. São mais 400 artigos e diversos anexos que, entre outros aspectos, regulamentam a legislação trabalhista.
Em vista disso, tais inovações infralegais já começam a fazer parte de um legado para um futuro que precisará repensar seus modelos de legislação e atender a novas exigências de mercado.
Sobretudo aquele que conseguiu se adequar ao isolamento social e à distância física entre as empresas e os seus colaboradores.
O que é possível enxergar para o futuro?
Ainda que seja impossível cravar o que é reservado aos modelos de legislação trabalhista, não dá para negar que a desburocratização e as novas tecnologias definirão outras regras para a relação no trabalho.
Muito disso será possível apenas com diálogo e forte debate do impacto para empresas e empregados sobre esses novos modelos remotos de trabalho.
Algo, no entanto, já bem solidificado é a construção de novas maneiras de controlar a jornada de trabalho.
Soluções de controle de ponto digital, como o Tangerino, que já atendia uma demanda que carecia de controle de jornada remoto, agora se aperfeiçoaram no que diz respeito às necessidades de desburocratizar rotinas e aperfeiçoar a gestão da jornada.
É notável ainda a capacidade de entender os novos tempos como um grande gerador de oportunidades. Exemplo é a tecnologia que permite o reconhecimento facial em funcionários com uso de máscara de proteção ou o registro de ponto sem qualquer contato com o dispositivo.
Assim, tentando fazer uma “previsão de futuro”, o novo cenário de trabalho remoto deverá alcançar maior relevância nas considerações de alteração legislativa, tendo como fator de grande importância a saúde do trabalhador, física e, principalmente, mental.
Por fim, acrescente em tal previsão a criação de regulamentação mais assertiva e estruturada para o uso de tecnologias utilizadas na relação trabalhista, as quais terão prioridades aquelas que possuam versatilidade e adaptabilidade às inovações sociais.
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Por Leandro Cazeiro – Diretor jurídico no Tangerino
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Fonte: Jornal Contábil
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