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Em época de eleições polarizadas, espalhar boatos (as famosas fake news) se tornou uma estratégia comum para confundir e influenciar os resultados. É só abrirmos as redes sociais e lá está aquele áudio, texto, foto, vídeo customizado para provar nossa ojeriza por determinado candidato ou alimentar nossa preferência por outro.
Essa guerra de informações não é novidade. Em 2016, mentiras criadas e espalhadas por motivação política e econômica influenciaram —em que medida ainda é um debate— a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas. Essas matérias inventadas chamam a nossa atenção por serem sensacionalistas (exemplo: Clinton vendeu armas ao Estado Islâmico ou Pablo Vittar vai ter um programa infantil na TV Globo), mas também por dialogarem com nosso desejo (muitas vezes oculto) de que determinada mentira seja verdade.
Temos que admitir: identificar uma notícia falsa nem sempre é fácil, e mais difícil ainda é vencer a tentação de compartilhar uma história só porque queremos que ela seja verdade. Por isso, antes de sair por aí espalhando mentiras (e em caso de dúvidas, claro), estes são seis sintomas que deveriam pelo menos nos fazer suspeitar do conteúdo.
1. A notícia é boa demais para ser verdade.
Imagine aquela cantora querida em todo o Brasil vindo a público para afirmar que determinado candidato conservador é na verdade gay. Foi isso que aconteceu recentemente com uma fake news envolvendo Rita Lee e Jair Bolsonaro (PSL). Um tuíte da cantora foi compartilhado nas redes e viralizou entre apoiadores e críticos do candidato:
Bolsonaro e eu tivemos um caso. Ele ñ era mto chegado na coisa, se é q me entendem. Terminamos pq Bolsinho tava d olho num colega d classe
— Rita Lee (@LitaRee_real) 17 de maio de 2011
Rita Lee realmente escreveu esse tuíte, mas, como revelou o BuzzFeed, o texto faz parte de uma série de fanfics (narrativa ficcional, escrita e divulgada por fãs)publicados pela cantora entre entre 2010 e 2013. Muitas vezes, as notícias falsas têm origem em piadas, como é o caso da frase de Fidel, também falsa, em que dizia que Cuba reataria com os Estados Unidos quando este país tivesse um presidente negro, e o Papa fosse latino-americano. E, não, Castro tampouco disse que só morreria depois de assistir à destruição dos Estados Unidos.
A intenção de veículos como Sensacionalista e The Onion (assim como da Rita Lee) não é, nem de longe, enganar ninguém, e sim parodiar a atualidade (e seu tratamento jornalístico). Mas se não conhecermos o site, ou, pior, se for difundido em outro veículo sem perceber que se trata de conteúdo humorístico, corremos o risco de nos confundir.
Em geral, é preciso desconfiar de histórias que encaixam de uma forma tão perfeita que parecem pré-fabricadas. Em geral, são mesmo.
2. Não há fontes mencionadas
Outro boato amplamente divulgado recentemente é o de que 16 milhões de dólares em dinheiro e joias apreendidos pela Polícia Federal com o vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mang, depois que ele e sua comitiva pousaram em São Paulo, teria como destino a campanha de Fernando Haddad, do PT, ou a Adelio Bisco, o homem que atacou Bolsonaro. O Projeto Comprova, uma coalizão de 24 veículos de mídia com o objetivo de combater a desinformação no período eleitoral, foi atrás da informação e afirmou que “não há indícios” para confirmar o boato.
Não é à toa que a maior parte das notícias falsas não menciona nenhuma fonte, o que dificulta seu rastreamento. Por exemplo, um dos boatos mais compartilhados durante as eleições norte-americanas dava conta de que o papa Francisco apoiava Donald Trump. O texto falava de “meios de comunicação”, citava um comunicado sem links e, em algumas versões, chegava inclusive a incorporar declarações de “fontes próximas ao Papa”, mas sem dar nomes.
Também é preciso desconfiar se a fonte é alguma variante do clássico “um amigo de um amigo”. Ou seja, se são citados dados vagos, como “todo mundo conhece alguém que…” ou “já vi muitos casos de gente que…”. No mínimo, é muito possível que o autor esteja extrapolando a partir de casos episódicos, ignorando qualquer outra informação que contrarie sua versão.
Às vezes, atribui-se a declaração a um veículo para lhe dar credibilidade, como ocorreu com a também falsa declaração de Trump de que “os republicanos são os eleitores mais estúpidos”. Pelo menos nesses casos, pode-se recorrer à fonte citada para confirmar ou não a informação.
Se o possível boato for uma foto, pode-se procurar a imagem no Google Images– usando inclusive filtros por data, para evitar o ruído gerado no buscador nos dias em que esse material é notícia. Às vezes, trata-se de fotos publicadas previamente e que nada têm a ver com a suposta notícia. Essa busca também pode ajudar a identificar montagens.
No caso de notícias sobre virais, como vídeos, fotos e outros, é importante que o veículo tenha conversado com o autor da publicação original. Às vezes, trata-se de conteúdo humorístico ou de montagens que podem ser levadas a sério quando tomadas fora de contexto.
3. O resto do site tampouco parece confiável
Se a notícia continua parecendo suspeita, outras três coisas podem ser comprovadas muito facilmente sem sair do site que a publicou:
- O veículo. Obviamente, os veículos de comunicação convencionais também publicam notícias falsas, mas por engano e ocasionalmente, não de forma sistemática e porque seja parte do seu modelo de negócio, como ocorre em outros casos. Agora, é verdade também que, quando um veículo respeitado comete um erro desse tipo, as consequências são piores, porque em geral se confia mais nessa publicação.
- Se não conhecemos o veículo, frequentemente basta dar uma olhada na capa para saber se o resto das suas notícias parecem confiáveis, ou se estamos diante de uma publicação satírica ou fanaticamente partidária. Segundo uma reportagem do Buzzfeed, essa última categoria difunde entre 19,1% e 37,7% de notícias falsas, enquanto nos veículos tradicionais analisados o percentual não chegava a 1%.
- A URL. Muitas notícias falsas sobre as eleições foram divulgadas por meio de sites que imitavam os endereços de veículos de comunicação, mas que não eram autênticos, como bbc.co em vez de bbc.com. É importante lembrar que na internet é possível encontrar até mesmos sites geradores de notícias falsas usando o nome de empresas de comunicação. Além disso, nas redes sociais, as contas podem ser identificadas: se aparece o selo azul ao lado do nome no Twitter e no Facebook, pelo menos sabemos que se trata da página oficial da publicação.
4. Não foi publicada em outros veículos
Se uma informação que soa relevante só apareceu no WhatsApp e nenhum outro veículo de comunicação, é provável que seja falsa. Obviamente, pode se tratar de uma informação exclusiva, mas, mesmo nesses casos, é provável que outros veículos a repercutam em breve. Por outro lado, não se pode descartar que o boato se reproduza sem que ninguém tenha tomado o cuidado de tentar confirmar sua veracidade.
No caso de informação política, uma boa ideia pode ser buscá-la também em veículos que tenham uma outra linha editorial. A pesquisa A Cara da Democracia no Brasil, divulgada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, mostra que a maioria dos brasileiros não desconfia que recebe notícia falsa. Das 2.500 pessoas entrevistadas sobre se tem recebido notícias sobre política, que desconfiam que sejam falsas, 68,3% disse que não.
Mas a distorção não é necessariamente apenas da parte do veículo: muitas vezes, nós acreditamos naquilo em que queremos acreditar. É muito fácil questionar os boatos que contradigam as nossas ideias, mas não vemos nenhum inconveniente em dar como certos aqueles que as reforçam.
5. Lembra alguma coisa
Muitas dessas notícias seguem um esquema que já foi utilizado em outras ocasiões. Lembra da história da Rita Lee e do Bolsonaro? Ela se parece muito com uma história desmentida pelo Boatos.org de que o ator Alexandre Frota havia sido namorado do deputado (também conservador) Marco Feliciano, em 2016. Na verdade se tratou de uma piada de Frota com o deputado, que foi compartilhada como se fosse verdade.
Outro candidato que figura na lista do “já ouvi esta história antes” é Ciro Gomes. O presidenciável foi casado com a atriz Patrícia Pillar e frequentemente surgem boatos afirmando que ele a agrediu. Pillar gravou um vídeo desmentindo: “Eu nunca sofri nenhum tipo de violência da parte de ninguém”. E em um segundo vídeo afirmou que vai votar em Ciro.
Na verdade, as dúvidas sobre a relação de Patrícia e Ciro vem desde 2002. quando o então candidato à Presidência pelo PPS e disse que função de sua mulher na campanha era “dormir com ele”. Ciro vem pedindo desculpas desde então pela frase que considera “o maior erro” de sua vida.
6. Sites de checagem de fatos desmentiram antes
Este conselho aparece no final, mas bem poderia ser a primeira coisa a fazer. No Brasil, há vários sites que checam boatos e mentiras em forma de notícia. Durante as eleições, o principal é o já citado Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 24 veículos para checar o que anda circulando nas redes sociais ou no WhatsApp. Mas há outras iniciativas como a Agência Lupa (Revista Piauí), o Aos Fatos e o Truco (Agência Pública), Boatos.org, E-farsas e Fato ou Fake(Organizações Globo).
Nos EUA, o Snopes é a principal ferramenta na hora de confirmar ou desmentir um boato, pelo menos em língua inglesa. Para mencionar alguns exemplos recentes, a origem do Black Friday não está na venda de escravos e Donald Trump não ganhou no voto popular, apesar do que disseram algumas notícias falsas. Há também alguns casos clássicos, como o das galinhas de quatro coxas da Kentucky Fried Chicken. O site também contém um banco de dados com os veículos que divulgam notícias falsas.
Logicamente, uma notícia pode ser autêntica e também engraçada. Ou pode seguir um esquema que lembre o de outras grandes histórias. Ou pode ser publicada em um veículo do qual não sabemos nada. Por vezes acontece de a realidade acabar imitando as lendas urbanas. Muitas boas atraem a atenção justamente por esses motivos. Mas quando vários desses indicadores aparecem juntos, convém no mínimo desconfiar.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/20/politica/1537467412_871279.html
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Fonte: jc