Artigo do Prof. Stephen Carles Kanitz, publicado nos anos 1990 em revista nacional de grande circulação e disponível em seu blog, analisou a corrupção em nosso País e foi encerrado com a frase “Portanto, o Brasil não é um país corrupto. É apenas um país pouco auditado”. Este artigo analisou a corrupção, seu tema central, tratou da importância e comparou a quantidade de auditores per capita, em países como Dinamarca, Holanda e Brasil.
Não analisarei este artigo. Mas é fato notório que a existência e manutenção (nem sempre) em boa ordem dos processos de registro e controle contábil é requisito para o auditor independente aplicar procedimentos de auditoria e emitir uma opinião sobre as demonstrações contábeis. A atividade de auditoria independente, privativa de contadores, é obrigatória nas empresas de capital aberto com ações em Bolsa de Valores, nas de atividades reguladas e em empresas e grupos econômicos de certo porte econômico e representatividade.
Porém, nem sempre é o que ocorre nas micro, pequenas e médias empresas, cuja importância e representatividade em termos econômicos, de geração de empregos, de renda e outros fatores relevantes pode ser aquilatada nas pesquisas divulgadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e, a partir de junho de 2022, pelo Sindicato Nacional das Micro e Pequenas Empresas – SIMPI Nacional, em conjunto com o Datafolha. Essas empresas, por conta de algumas razões aqui analisadas, nem sempre têm e/ou mantêm processos de registro e controle contábil em boa ordem. Esta condição, que pode ser mais bem estudada para identificar e entender melhor as razões de sua ocorrência, traz malefícios e prejuízos às empresas nessas condições, aos seus stakeholders e à sociedade em geral.
Em função do exposto, este artigo pretende identificar analisar o que se produziu e o que se tem disponível no Brasil, a partir dos anos 2000, para que as micro, pequenas e médias empresas tenham e mantenham seus processos de registro e controle contábil, alguns malefícios e prejuízos desta esta ausência parcial ou total e, os benefícios de sua adoção.
Há material legal, técnico e acadêmico produzido no Brasil sobre Contabilidade para micro, pequenas e médias empresas. Uma análise longitudinal não exaustiva sobre o tema a partir do marco temporal definido, o início dos anos 2000, pode contribuir para reduzir esta lacuna ainda sentida em nosso País, mitigando os riscos a fragilidade na manutenção e/ou ausência de bons processos de registro e controle contábil nessas empresas impõe à sociedade.
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O que se tem a partir dos anos 2000
A exigência de as empresas terem e manterem processos de registro e controle contábil no Brasil está definida em lei. O capítulo IV do Código Civil (Lei n. 10.406, 2002) define as condições para que empresários e sociedades empresárias implementem e mantenham processos de registro e controle contábil. Seu artigo 1179 define a obrigatoriedade da adoção de sistemas contábeis por empresários e sociedades empresárias, com base na escrituração uniforme de seus livros e suporte em documentação, levantando ao menos uma vez ao ano o balanço patrimonial e a demonstração do resultado do exercício. O parágrafo 2º do art. 1179 dispensou o pequeno empresário citado no artigo 970 dessas exigências. Esta condição gerou uma dúvida, sanada pela Lei Complementar n. 123 (2006), como se vê a seguir.
No campo prático, o Conselho Federal de Contabilidade – CFC – e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, editaram em conjunto o “Manual de Procedimentos Contábeis para Micro e Pequenas Empresas”, cuja 5ª edição, de 2002, é a última disponível. Não foram localizados trabalhos ou outras fontes confiáveis relatando os efeitos práticos do uso deste “Manual”. Além deste “Manual”, há livros específicos publicados no Brasil, cujos títulos sugerem conteúdo voltado à Contabilidade para pequenas organizações.
A Lei de Recuperação e Falências (Lei n. 11.101, 2005) possui interfaces jurídico-contábeis que revelam a importância e a utilidade dos processos de registro e controle contábil para o deferimento e processamento dos processos de recuperação judicial e de falência, já estudados pela academia contábil brasileira. Essas interfaces foram objeto de pesquisa contábil, disponível aos interessados (Peleias, Moro, Weffort, & Ornelas, 2016).
A Lei Complementar n. 123 (2006) trouxe, em seu artigo 68, uma definição para pequeno empresário caracterizado como microempresa, em termos de receita bruta anual. Seu artigo 27 criou a “contabilidade simplificada”, distinta da contabilidade convencional aplicável às demais empresas. Esta lei definiu que microempresas e as optantes pelo Simples Nacional podem adotar essa contabilidade simplificada, ao invés do livro caixa.
A Lei n. 11.638 (2007) causou nova revolução na contabilidade nacional. Esta revolução levou à criação do CPC – Comitê de Pronunciamentos Contábeis, órgão incumbido de redigir, atualizar e promulgar pronunciamentos aplicáveis à prática contábil brasileira. Destaca-se para nosso objetivo o pronunciamento “CPC PME (R1) – Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas com Glossário de Termos”, em sua 14ª revisão (Pronunciamento Técnico PME – R1, 2011). A importância e utilidade deste pronunciamento pode ser aquilatada no conteúdo de recente palestra proferida em meio digital. (Martins, 2022).
A Resolução CGSN n. 28 (2008), regulamentou o art. 27 da Lei Complementar n. 123 (2006), ao definir que as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para registro e controle de suas operações, atendendo as disposições do Código Civil e das Normas Brasileiras de Contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade. Esta Resolução foi revogada pela CGSN n. 156 (2020), mantido o comando que trata da contabilidade simplificada trazido pela Resolução CGSN n. 140 (2018), adiante analisada.
Em antecipação ao Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN, o Conselho Federal de Contabilidade – CFC editou em 14 de dezembro de 2007, a Resolução CFC n. 1.115 (2007), aprovando a NBC T 19.13 – Escrituração Contábil Simplificada para Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Esta Resolução e os documentos a ela referidos foram revogados pela Resolução CFC n. 1.330 (2011), que aprovou ITG 2000 – Escrituração Contábil. Esta interpretação definiu critérios e procedimentos aplicáveis às entidades para a escrituração contábil de seus fatos patrimoniais, por qualquer processo, a guarda e manutenção da documentação e de arquivos contábeis e a responsabilidade do contabilista. Determinou a adoção da interpretação por todas as entidades, independente da natureza e do porte, na elaboração da escrituração contábil, observando as exigências da legislação e de outras normas aplicáveis, se houver.
Em 05 de março de 2012, o Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo – CRCSP, remeteu aos contabilistas registrados em sua base territorial, o Ofício FIS-ADM/02413-2012, alertando-os de que todo empresário ou sociedade empresária está obrigado a acatar o Código Civil, adotando um sistema de contabilidade. Alertou para o cumprimento do art. 1180 do Código Civil e que a escrituração contábil é uma exigência legal, que não pode ser confundida com a escrituração fiscal, citando extensa legislação e normas contábeis aplicáveis. Aponta a obrigatoriedade da adoção do contrato de prestação de serviços e das sanções aplicáveis ao não cumprimento do que lá consta. Este ofício esclarecedor merece ser lido. Adiante voltaremos aos contratos de prestação de serviços.
A seção VII do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, 2015) traz os artigos 417, 418 e 419, que definem as condições sob as quais os livros comerciais provam a favor ou contra seus autores e as condições de indivisibilidade que esses artefatos contábeis possuem como prova em juízo. Esses artigos do Código de Processo Civil mantiveram os comandos da versão anterior, a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 e suas alterações.
A Resolução CGSN n. 140 (2018) manteve, em seu artigo Art. 71, as determinações contidas na Resolução CGSN n. 28 (2008), ao disciplinar que as microempresas ou empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles de suas operações realizadas, respeitando as disposições previstas no Código Civil e nas Normas Brasileiras de Contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade.
Não se pode deixar de fora a Educação Financeira, que a cada dia ganha corpo e importância no processo de formação e educação continuada do cidadão brasileiro. Há ações estratégicas governamentais para tornar e manter a Educação Financeira como uma política de Estado, de caráter permanente, envolvendo instituições, públicas e privadas, de âmbito federal, estadual e municipal (Banco Central do Brasil – BCB, n.d.). Estas ações alcançam o ensino do nível básico ao superior da educação formal e, em especial, algumas escolas de negócios. Noções de receitas, despesas, resultado e patrimônio podem e devem ser transmitidas aos estudantes em geral, desde o nível inicial, ao longo da educação formal e continuada da população. Reconhecer e debater a Educação Financeira passa pelo reconhecimento de sua conexão com a Educação Contábil.
A desejada e necessária conexão entre a Educação Contábil e a Financeira pode trazer contribuições substanciais com iniciativas como a do Conselho Federal de Contabilidade, ao realizar a chamada de trabalhos para uma edição especial da Revista Brasileira de Contabilidade. Esta chamada destaca que o uso (presume-se que conjunto) da Educação Contábil, das Finanças Comportamentais, Pessoais e da Educação Fiscal da população compartilhando experiências e boas práticas ajuda a reduzir o endividamento, a inadimplência e na aplicação de políticas públicas para ajudar os brasileiros e servir de modelo para outros países.
Esta chamada convida (sem se limitar) à submissão de trabalhos, preferencialmente por análise empírica, de dez temas: 1. Educação Financeira e Alfabetização Financeira; 2. Educação Financeira e Finanças Pessoais; 3. Educação Financeira e Consumo Consciente; 4. Educação Financeira e Mercado Financeiro; 5. Educação Financeira e as Organizações; 6. Educação Financeira e a Lei do Superendividado; 7. Educação Financeira e os Impactos da Pandemia; 8. Educação Financeira e Finanças Comportamentais; 9. Educação Financeira, Educação Fiscal e Cooperativismo; 10. Políticas Públicas em Educação Financeira.
A iniciativa é louvável; porém, fica a indagação: por que esta chamada ocorre só agora e não antes? Uma explicação pode residir na assertiva do Prof. Sérgio de Iudícibus, de que a Contabilidade, como ciência social, responde às demandas que a Sociedade lhe impõe:
Em termos de entendimento da evolução histórica da disciplina, é importante reconhecer que raramente e “estado da arte” se adianta muito em relação ao grau de desenvolvimento econômico, institucional e social das sociedades analisadas, em cada época. O grau de desenvolvimento das teorias contábeis e suas práticas está diretamente associado, na maioria das vezes, ao grau de desenvolvimento comercial, social e institucional das sociedades, cidades ou nações (Iudícibus, 2021, p. 14)
Do ponto de vista da pesquisa contábil, houve uma evolução desde o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, marco temporal da passagem do modelo da pesquisa contábil brasileira de caráter normativo para a pesquisa predominantemente positiva. A partir daí, foram implementados mais Programas de Pós-graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em Ciências Contábeis pelo Brasil. Na esteira deste processo de mudança, fundou-se, em 30 de janeiro de 2006 a ANPCONT – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis. Considerado o objetivo estratégico da ANPCONT à época de sua fundação, de alcançar ao menos 20 programas de Doutorado em Ciências Contábeis a partir de sua fundação (Frezatti, 2007), temos hoje em nosso País, segundo a ANPCONT, 24 Mestrados Acadêmicos, 16 Doutorados Acadêmicos, cinco Mestrados Profissionais e três Doutorados Profissionais (Recuperado em https://www.anpcont.org.br/programas-associados/). A somatória dos Doutorados Acadêmicos e Profissionais chega a 19 Programas. Ao que parece e, salvo melhor juízo, estamos a um Doutorado de alcança o objetivo estratégico citado.
Considerados os atuais parâmetros de mensuração e avalição da produtividade definidos pela CAPES para os Programas Stricto Sensu, o que se tem na base Spell, criada e mantida pela ANPAD, são oito artigos produzidos no âmbito desses Programas, com as palavras “contabilidade”, “micro”, “pequena” e “empresa” em seu título, publicados em revistas das áreas de Administração, Contabilidade e Economia, que mais comumente recebem essas submissões. Feita a pesquisa com as mesmas palavras-chave, nos resumos, o número cai para dois artigos.
Aqui cabe indagar: Contabilidade para micro, pequenas e médias empresas é tema do mainstream? Ou poderia ser tema de pesquisas oportunistas, cujo IBOPE estaria em alta, em algum momento e/ou por alguma razão a ser mais bem definida e analisada? Ou este tema poderia ou mesmo deveria ser permanentemente relevante (como é Educação Financeira) para merecer maior atenção e incentivo à sua pesquisa? Um parâmetro para definir a relevância do tema para pesquisa pode ser a importância e o peso das micro, pequenas e médias empresas no cenário econômico-político-social nacional, já apontada na introdução deste artigo. Já se disse que um objetivo da pesquisa é a observação da realidade, para identificar analisar e propor solução para os problemas relativos a esta realidade.
A legislação fiscal é um capítulo à parte. O Brasil possui três regimes tributários para o Imposto de Renda e Contribuição Social: lucro real (fora do tema objeto deste artigo), lucro presumido e Simples, estes de nosso interesse. A legislação tributária aplicável dispensa a escrituração contábil apenas fins fiscais, desde que as empresas e seus proprietários mantenham em boa guarda, enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescrevam eventuais obrigações que lhes são pertinentes o livro caixa, o livro registro de inventários e documentos e papéis que lhes deem suporte (IOB – n. 24, 2008).
O que se tem em muitos casos é um “senso comum” de que empresas de micro, pequeno e médio portes estariam dispensadas de terem e manterem processos de registro e controle contábil, sem se atentar (ou quem sabe, ser mais bem esclarecido), de que a dispensa aplica-se, apenas e tão somente, para fins fiscais. Este “senso comum” reflete-se na prestação de serviços por uma parcela das empresas de serviços contábeis.
Há situações nas quais essa parcela dos prestadores de serviços não alerta com a ênfase requerida ou deixa de oferecer os serviços de escrituração contábil aos seus clientes. Há tomadores/contratantes de serviços contábeis que relegam a segundo plano ou não exigem a prestação dos serviços de escrituração contábil. Há situações nas quais os contratos de prestação de serviços contábeis não preveem de forma clara, ou até não preveem a prestação dos serviços de escrituração contábil. As razões para essas ocorrências envolvendo prestadores e tomadores de serviços contábeis podem ser mais bem identificadas e analisadas por boa e útil pesquisa contábil, uma real oportunidade de investigação para pesquisadores contábeis entrantes e atuantes, cujos resultados podem trazer relevantes contribuições à Sociedade Brasileira.
Delineado este cenário, passa-se a seguir à identificação e análise de alguns efeitos das fragilidades e/ou ausência dos processos de registro e controle contábil para as empresas de micro, pequeno e médio porte.
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Algumas consequências de (não) se ter e manter processos de registro e controle contábil
A Contabilidade é a Ciência do Controle e um instrumento útil à gestão eficaz das organizações. Esta condição fática ocorre nas empresas com ações negociadas na B3, nas reguladas e nas de maior porte que possuem contabilidade societária e, em função de seu modelo de gestão e práticas de governança corporativa, possuem contabilidade gerencial, cujo ponto de partida é a contabilidade societária. Se este fato é notório para esta classe de empresas, por dedução lógica e sem incorrer em sofismas, a Contabilidade pode ser um instrumento eficaz e útil ao controle e à gestão de todas as empresas. É mais uma oportunidade de pesquisa, para identificar e analisar como e em que medida os processos de registro e controle contábil têm contribuído para a evolução e o crescimento de empresas ou grupos de empresa durante sua existência. A existência dos processos de registro e controle contábil, por si só, não garantem sobrevivência, a continuidade e o crescimento das empresas. Mas é certo que sua existência oferece condições muito melhores para tanto.
Pessoas naturais e jurídicas nem sempre resolvem suas questões de forma amigável e pacífica. Não raro, recorrem ao Poder Judiciário e, com mais frequência a partir dos anos 1990, aos procedimentos arbitrais. No Judiciário ou na Arbitragem, os litígios podem envolver direitos e obrigações patrimoniais disponíveis, para os quais se requer a prova pericial contábil. O Judiciário possui artigos específicos do Código de Processo Civil já citados dizendo que os livros contábeis provam contra ou a favor dos que os mantêm. Não localizamos este comando específico na Lei de Arbitragem vigente (Lei n. 13.129, 2015) porém, nossa atuação neste campo profissional, completada com o resultado de recente e inédita pesquisa por nós orientada (Secco, 2019), aponta a importância, a utilidade e a necessidade de bons processos de registro e controle contábil na produção das provas técnicas que possam conferir certeza técnica e trazer a verdade fática para subsidiar o processo decisório dos Tribunais Arbitrais. Do contrário, processos de registro e controle contábil deficiente ou inexistentes, ainda que a documentação possa existir, trazem complicadores ou mesmo podem inviabilizar a produção da necessária prova técnica contábil, seja no Judiciário ou nas Arbitragens. O instituto da Arbitragem está cada dia mais acessível a todas as empresas, com Câmaras dedicadas a abrigar procedimentos arbitrais para as de menor porte.
O ambiente de negócios é dinâmico. Prova desse dinamismo são os processos de negociação de empresas, as M&A´s (Mergers and Acquisitions). Esses processos requerem trabalhos de auditoria de escopo, extensão e revisão limitada, as due diligences. Quando se negociam empresas de maior porte e/ou reguladas, a existência dos (nem sempre) bons processos de registro e controle contábil oferece condições para realizar as due diligences. Estamos em um momento econômico-político-social em que muitas startup´s despertam o interesse de investidores. Aqui mora o perigo, quando os processos de registro e controle contábil das startup´s e empresas de menor porte são deficientes ou inexistem. Esse perigo joga contra os potenciais vendedores. A realização das due diligences com limitações não é impeditivo para a negociação de uma startup ou empresa de menor porte; porém, o conhecimento da condição patrimonial-econômica-financeira da startup / empresa de menor porte em negociação traz maior segurança e conforto às partes envolvidas. Esta condição vale para startup´s /empresas de menor porte intensivas de capital (“empresas do século XX”) e para aquelas cujo investimento em capital não é tão extensivo; porém, detentoras de processos, sistemas e outros artefatos de interesse dos investidores (“empresas do século XXI”).
Falemos do crédito. Uma justificativa para que empresas de capital aberto, reguladas e de maior porte mantenham bons processos de registro e controle contábil é o melhor conhecimento, pelos provedores de recursos, da condição patrimonial, econômica e financeira dessas empresas ao longo do processo de análise e concessão de crédito. A solvabilidade, a condição de lucratividade, de rentabilidade e a capacidade de geração de caixa são informações relevantes para os provedores de recursos, pois conferem conforto, menor risco e, ao final e ao cabo, uma taxa menor e melhor para remunerar o capital a ser emprestado, mitigando o risco inerente a essas negociações.
Uma consequência da manutenção de processos de registro e controle contábil e das obrigações principais e acessórias é a possibilidade de o Estado (União, Estados propriamente ditos e Municípios), enquanto ente organizado, fiscalizar as empresas. Essas fiscalizações ocorrem em grande parte nesses dois processos de registro e controle. Aqui não há ilusão: o Estado interpreta e interpretará a legislação tributária à luz do seu melhor entendimento, considerada a arrecadação tributária, combinado com o cumprimento de metas de arrecadação. Bons processos de registro e controle contábil e de cumprimento de obrigações principais e acessórias não evitam que que as fiscalizações resultem em autuações, seguidas de defesas administrativas e/ou processos judiciais, para anulação de autos de infração e/ou certidões de dívida ativa. Mas é fato que esses bons processos de registro e controle são artefatos robustos e essenciais às empresas, na defesa de seus interesses nesses processos. Aqui reside outra oportunidade de pesquisa, para identificar, analisar e reportar se e em que medida a manutenção desses processos de registro e controle contribuem para a mitigação e/ou eliminação do risco inerente a esses processos administrativos e judiciais.
A Contabilidade tem várias definições, uma delas é ser a Ciência da Prestação de Contas. Elaborar, divulgar e publicar demonstrações contábeis é uma forma de disclosure. Esta prática, que encontra um cenário propício com a central de balanços do SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), pode eliminar / mitigar divergências entre acionistas, quotistas e proprietários conjuntos das empresas objeto deste artigo. Um “pacote” de demonstrações contábeis (balanço patrimonial, demonstração do resultado do exercício, fluxo de caixa, margem de contribuição, custos fixos, por exemplo) pode eliminar / mitigar conflitos societários, que não raro desaguam em ações de exigir contas, cujo número cresce de forma significativa desde a edição do Código de Processo Civil de 2015. Uma análise preliminar desses processos revela a carência / ausência de bons processos de registro e controle contábil, levando à nomeação de Peritos Contábeis. Estes nem sempre conseguem apresentar resultados técnicos que confiram certeza técnica ao processo decisório dos Juízes julgadores dessas causas, exatamente pela carência e/ou ausência desses processos.
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Considerações finais
O Brasil é um País pródigo em produzir soluções para os processos de registro e controle contábil de suas empresas, incluídas as micro, pequenas e médias. A classe contábil brasileira tem atualmente acesso ao melhor conhecimento disponível, bem como à ação educacional, fiscalizatória e reguladora dos órgãos de classe da profissão. A sociedade brasileira vem sendo exposta, incitada e, muitas vezes, conduzida a participar de processos de Educação Financeira, que por consequência natural desaguam no processo de ensino-aprendizagem, desde o ciclo básico até o mais longo marco da educação continuada.
Provedores e contratantes de serviços contábeis podem e devem dedicar-se a oferecer e a exigir mais e melhores serviços contábeis, considerando o que é oferecido e contratado e os contratos de prestação de serviços, que são documentos vivos, podem e devem ser continuamente melhorados. A pesquisa contábil brasileira vem evoluindo desde o final dos anos 1990; porém, como se viu até aqui, pouca pesquisa tem sido dedicada a entender a realidade contábil das micro, pequenas e médias empresas. Consequentemente, o conhecimento, a análise e a devolutiva de soluções aos problemas identificados tem sido na mesma quantidade e intensidade. Há campo e espaço para mais pesquisa contábil útil e de qualidade, que nunca cairá de moda, por conta da importância e relevância econômica-política-social as micro, pequenas e médias empresas.
Nosso País possui as condições para que todas as empresas implementem e mantenham bons processos de registro e controle contábil. Para que a frase do Prof. Stephen Charles Kanitz perca sua razão de ser, o Brasil precisa ser mais bem contabilizado, para aí sim, deixar de ser um País mal auditado. Ficam as dicas.
Referências
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Fonte: Revista do Instituto de Finanças da FECAP
Por Ivam Ricardo Peleias
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Fonte: Jornal Contábil
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