A Medida Provisória 910/2019, que trata da regularização fundiária de ocupações em terras da União, perdeu a validade no dia 19 de maio do ano passado.
Após a caducidade da MP, o Congresso Nacional deveria ter editado decreto legislativo, com o objetivo de disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes.
Entretanto, isso não ocorreu. Assim, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência permanecerão por ela regidas.
Na prática, com a perda da validade da MP e enquanto não for votado o Projeto de Lei nº 2.633/2020, que a substituiu, foram restabelecidos os termos da legislação anterior, especialmente da Lei nº 11.952/2009, que instituiu o programa denominado “Terra Legal”, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017.
Mariani Chater, advogada e sócia do escritório Chater Advogados, de Brasília, explica que, justamente em razão da perda da vigência da MP 910, fez-se necessária a edição de um novo ato normativo, o Decreto nº 10.592/2020, publicado no Diário Oficial da União no dia 28 de dezembro, que revogou os Decretos nº 9.309/2018 e 10.165/2019, que regulamentavam a Lei nº 11.952/2009.
“O decreto tem por objetivo disciplinar os procedimentos e requisitos que deverão ser observados quando da formulação e instrução dos pedidos de regularização fundiária”, esclarece a advogada, lembrando que dentre as alterações trazidas pela norma, merecem destaque a previsão da utilização de técnicas de sensoriamento remoto para análise dos pedidos de regularização fundiária de áreas de até quatro módulos fiscais pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e a obrigatoriedade de apresentação do comprovante de inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR.
Outro aspecto extremamente importante é que o novo decreto prevê o cruzamento das informações declaradas pelo ocupante que pretende a regularização com outras bases de dados do governo federal, a fim de identificar por exemplo, se há embargos e infrações ambientais junto ao IBAMA ou se há registros junto ao Cadastro de Empregadores, no sentido de que o requerente tenha submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo, requisitos para o deferimento do pedido.
Mariani explica que uma medida provisória é um ato normativo de competência exclusiva do Presidente da República, de efeitos imediatos, mas que depende de aprovação da Câmara e do Senado para que seja definitivamente convertida em lei. Possui, portanto, caráter precário. Portanto, se não aprovada no prazo constitucional, perde a vigência.
No caso da MP 910/2019, a Câmara dos Deputados deixou a MP caducar, propondo que a questão envolvendo a regularização fundiária de ocupações em terras da União fosse objeto de projeto de lei.
Isso porque, diante da polêmica que permeia a discussão e da ausência de acordo entre os parlamentares quanto aos termos da MP, restou claro que o assunto exige o amadurecimento de ideias e debate mais amplo, o que é viabilizado pelo rito de tramitação do projeto de lei.
Assim, em substituição à MP, atualmente tramita naquela Casa, o Projeto de Lei nº 2.633/2020, que altera dispositivos da Lei nº 11.952/2009, que trata da regularização de ocupações em áreas da União localizadas na Amazônia Legal, da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações) e da Lei nº 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos.
Programa Titula Brasil
Recentemente, mais especificamente no dia 2 de dezembro de 2020, foi pulicada a Portaria Conjunta nº 1, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ela instituiu o denominado “Programa Titula Brasil” que, nos seus exatos termos, tem por objetivo aumentar a capacidade operacional dos procedimentos de titulação e regularização fundiária das áreas rurais sob domínio da União ou do INCRA, mediante a parceria voluntária com municípios.
Para tanto, segundo Mariani Chater, a portaria prevê a criação de um Núcleo Municipal de Regularização Fundiária – NMRF, que será integrado por recursos humanos disponibilizados pelo município e cujos serviços serão coordenados pelo INCRA.
“A medida vem recebendo severas críticas no sentido de que o governo estaria terceirizando aos municípios o processo de regularização fundiária de terras da União. De outro lado, para os que a defendem, a parceria proposta viabilizará maior celeridade na análise e processamento dos pedidos de regularização, especialmente ante a insuficiência de pessoal e de recursos do INCRA para fazer frente à demanda hoje existente”, relata a advogada.
Segundo ela, é sabido que a regularização fundiária é uma das prioridades do atual governo. É exatamente nesse contexto que foi editada a MP 910/2020 e proposto o Projeto de Lei nº 2.633/2020, bem como a Portaria Conjunta nº 1/2020, com o claro objetivo de agilizar e desburocratizar a titulação de áreas da União ocupadas.
“De um lado, o governo vê a regularização de tais ocupações como uma das soluções para o combate ao desmatamento, na medida em que, uma vez tituladas, os seus ocupantes serão identificados e mais facilmente responsabilizados por eventual infração ambiental.
Nesta linha, a exigência do CAR igualmente facilitaria o monitoramento e fiscalização dos proprietários, na medida em que o cadastro integra as informações ambientais das propriedades e posses rurais”, conta Mariani.
Além disso, a titulação de ocupações até então irregulares permite que esses trabalhadores rurais tenham acesso a linhas de crédito e outras políticas públicas essenciais à promoção da atividade agrícola e ao aquecimento da economia.
Por sua vez, os contrários a tal empreita acreditam que a regularização de ocupações de áreas públicas, mediante processos mais simplificados e com critérios mais dilatados, como propõe o governo, estimularia ocupações irregulares, a grilagem de terras públicas e o próprio desmatamento. Especificamente quanto à referida Portaria Conjunta, parlamentares do Partido dos Trabalhadores ajuizaram ação civil pública questionando-a.
“Fato é que a discussão sobre o tema é bastante polarizada e guiada por posições ideológicas e partidárias que, muitas vezes, impedem uma análise objetiva da questão fundiária no Brasil, que historicamente enfrenta a complexidade de se harmonizar as relações de posse, propriedade e uso da terra com a preservação do meio ambiente”, contextualiza a sócia da Chater Advogados.
Especialmente na Amazônia, onde estão concentradas as terras públicas federais não destinadas, ou seja, que aguardam destinação para um uso específico, como unidade de conservação, quilombola ou terra indígena, a regularização das ocupações já consolidadas há muitos anos, mediante critérios rigorosos parece, no entendimento da advogada, ser uma necessidade.
“No entanto, tal providência deve vir acompanhada da adequada estruturação e fortalecimento dos órgãos de fiscalização, a exemplo do INCRA e do IBAMA, que atualmente sofrem com a escassez de recursos humanos e materiais, essenciais ao exercício de suas funções”, defende.
A título de curiosidade, pelo Código Florestal, 80% (oitenta por cento) da área dos imóveis rurais localizados na Amazônia Legal devem ser mantidos a título de reserva legal; ou seja, em regra, somente 20% (vinte por cento) podem ser explorados. Tal limitação, ao ver de Mariani Chater, reforça a noção de que o grande gargalo à efetiva proteção ao meio ambiente está na fiscalização deficitária.
Do ponto de vista jurídico, para Mariani, a regularização fundiária não pode se dissociar dos estandartes constitucionais da função social da propriedade e da proteção ao meio ambiente, mediante o seu desenvolvimento sustentável, primando pelo equilíbrio entre os direitos individuais e os direitos de toda a coletividade.
Por Chater Advogado
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Fonte: Jornal Contábil
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