A Lei 12.651/2012 – também conhecida como “Novo Código Florestal” – define no inciso II do seu artigo 3º o conceito legal de “ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – APP”: “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Especialmente depois das alterações nele promovidas pelas Leis 14.285/2021 e 14.406/2022 se mostra importante sua leitura quando nos debruçamos sobre casos de regularização imobiliária de imóveis em áreas que possam estar abrangidas no referido conceito, pois sim – doutrina e jurisprudência pátria entendem, com a chancela da Corte Superior, que os imóveis situados em área de preservação permanente podem ser usucapidos, não estando imunes aos efeitos da prescrição aquisitiva (Usucapião).
A bem da verdade, como já frisamos em outros casos polêmicos de usucapião, quando os requisitos legais forem preenchidos a Usucapião exsurge – nasce – sendo suficiente a reunião de tais requisitos. A POSSE qualificada exercida pelo TEMPO necessário sobre COISA hábil e sujeita à usucapião conduzem ao reconhecimento do DIREITO. A necessidade da confirmação do preenchimento de tais requisitos se dá já que, para a necessária SEGURANÇA JURÍDICA, assim como exercício da disponibilidade, oponibilidade e publicização da nova titularidade imobiliária será necessário o REGISTRO no Cartório do Registro de Imóveis da aquisição realizada – aquisição essa, frise-se – originária já que não guarda nem exige qualquer vínculo transmissivo com o proprietário anterior.
Desde 2015 com a promulgação do Novo Código de Processo Civil surgiu a possibilidade do RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA USUCAPIÃO com assistência obrigatória de Advogado, diretamente nos Cartórios Extrajudiciais, sem a necessidade de longos e custosos Processos Judiciais. A base legal está no art. 216-A da Lei de Registros Públicos, com regulamentação conferida pelo CNJ através do Provimento CNJ 65/2017 assim como os demais atos normativos locais das Corregedorias das Justiças Estaduais. Aqui também é necessário manter-se atualizado (veja, por exemplo, que a recente Lei 14.382/2022 trouxe mais mudanças ao procedimento de Usucapião Extrajudicial).
Infelizmente o direito à moradia reconhecido pela Constituição Federal nem sempre tem sido adequadamente assegurado pelo Estado e as razões são bem variadas. Muitas vezes o que se vê inclusive pode ser um aparente conflito entre direitos tão caros quanto a moradia, a dignidade da pessoa humana e o meio ambiente – todavia, como reconhece a massiva jurisprudência dos tribunais, deve-se compreender que o enquadramento legal como “área de preservação permanente” (vide inc. II do arts. 3º e art. 4º e 6º da referida Lei 12.651/2012) ou ainda “área de proteção ambiental – APA” representam medidas administrativas que visam a preservação do meio ambiente e como tal devem ser vistas apenas como RESTRIÇÃO AO USO da propriedade, não configurando com isso empecilho para o seu reconhecimento pela via da usucapião.
Da mesma forma como se deve proceder nos demais casos de Usucapião, um estudo prévio do caso concreto, devidamente instruído com a documentação atualizada e relato completo do caso deve ser feito, ocasião em que o Advogado Especialista deverá vislumbrar as possíveis formas de regularização daquele imóvel, em nome do pretendente, de acordo com as peculiaridades do caso – como reconhece o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1669300/RS. J. em 14/08/2018) com projeção na jurisprudência pátria:
“TJPR. 16617144/PR. J. em: 18/10/2017. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. (…) ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO. PROTEÇÃO AMBIENTAL ENSEJA APENAS LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA À PROPRIEDADE. (…). SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (…). 3. Em que pese a área ser local de proteção ambiental entende-se ser plenamente possível a usucapião de áreas nessa situação, pois a proteção ambiental configura-se, apenas, limitação administrativa à propriedade, estabelecida em prol do interesse coletivo de preservação ecológica, e ainda porque a titularidade sobre imóvel, se pública ou privada, não guarda relação com a existência de área preservação permanente no local, nem afeta a pretensão de usucapir”.
“TJSP. 0046454-49.2011.8.26.0100. J. em: 21/01/2019. USUCAPIÃO – Sentença de procedência – Imóvel proveniente de loteamento irregular e supostamente inserido em ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – Irrelevância – Imóvel devidamente individualizado pela perícia realizada – Usucapião que é uma forma de aquisição originária de propriedade – Eventual restrição administrativa sobre o uso da propriedade, decorrente de proteção ambiental, que NÃO INTERFERE NA DECLARAÇÃO DA USUCAPIÃO e, consequentemente, na REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE do imóvel em favor do autor – Honorários advocatícios devidos, ainda que se cuide de ação necessária, em razão da oposição contundente do apelante ao pedido do autor – Condenação em 20% do valor da causa que se mostra exagerada – Causa de pequena complexidade – Redução para 10% – Recurso provido em parte”.
“TJRJ. 00051797020118190212. J. em: 23/02/2022. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. ÁREA EM PIRATININGA. PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA. Sentença de improcedência (…). De acordo com os dados obtidos junto ao INEA, o imóvel usucapiendo está inserido na unidade de conservação denominada Parque Estadual da Serra da Tiririca, pertencente ao grupo de Proteção Integral no âmbito estadual, conforme Lei 1.901/1991 e o Rio Arrozal é limítrofe à área requerida, distante 40 metros das construções residenciais. Inobstante as observações contidas em documento oficial do INEA e as inúmeras restrições previstas na legislação pertinente, o entendimento predominante nos tribunais, atualmente, é no sentido de que as ÁREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL consistem em limitação administrativa à propriedade, o que NÃO IMPEDE A USUCAPIÃO. (…). Majoritariamente entende-se que há compatibilidade legal entre o domínio privado e a delimitação da área de preservação ambiental, configurando-se, apenas, limitação administrativa à propriedade, estabelecida em prol do interesse coletivo de preservação ecológica. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes do TJRJ. (…) Questões ambientais implicam apenas em restrição de uso e não impedem a eventual aquisição do domínio, caso haja o cumprimento dos requisitos legais. Sentença anulada e retorno dos autos ao juízo originário, para a devida instrução. PROVIMENTO DO RECURSO”.
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Vê-se, portanto, que a análise apurada e cuidadosa de cada caso pode representar a diferença entre a regularização ou não da situação imobiliária em favor do ocupante, especialmente quanto a imóveis situados em supostas “áreas de preservação”.
Original de Julio Martins
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Fonte: Jornal Contábil
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