Recentemente, temos notado um aumento no número de Estados brasileiros que estão acionando criminalmente empresários que declaram o ICMS, mas acabam por não recolhe-lo. Isto significa que, mesmo que a empresa declare o ICMS, seus sócios poderão responder a inquéritos policiais e ações penais pelo crime tipificado no 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 que prevê ser crime contra a ordem tributária quem deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
Essa situação iniciou-se no Estado de Santa Catarina e esta tomando força em outros Estados pelo Brasil. No caso em questão, o valor devido ao Estado de SC a título de ICMS foi devidamente declarado, porém não houve o pagamento no prazo legal, o que motivou o processo criminal contra a pessoa física do sócio e, assim, sua condenação. Na prática, o Fisco defende que as empresas repassam o valor do tributo no preço do produto ao consumidor final, mas não o recolhem à receita fazendária.
Seguindo esta tendência, Estado da Bahia já se manifestou no mesmo sentido. O Fisco baiano comunicou que estão ajuizando ações criminais contra os empresários que não recolhem aos cofres públicos o valor declarado de ICMS.
Como podemos perceber, esse movimento das Fazendas Estaduais em conjunto com o Ministério Público pode se tornar uma grande tendência nacional, sendo uma forma do Fisco aumentar a arrecadação e receber os valores inadimplentes.
Feitas as devidas considerações, entendemos que não assiste razão ao Fisco. Em 27 de dezembro de 1990, o presidente Fernando Collor sancionou a Lei 8.137, que reformulou as disposições acerca dos crimes tributários (até então tratados na Lei de 4.729/65, que definia o crime de sonegação fiscal). Dando um tratamento mais amplo à matéria, a referida lei distinguiu com mais detalhes tipos penais pertinentes aos delitos de natureza fiscal, os quais passaram a ser legislativamente denominados “crimes contra a ordem tributária”, criando ainda figuras que não existiam nas normas penais até então em vigor.
Uma das novas figuras penais introduzidas pela nova legislação foi a do crime de omissão de recolhimento de tributo descontado ou cobrado de terceiros, consoante expresso no inciso II do artigo 2º da Lei 8.137/90, com a seguinte redação: “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (…) Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”
A partir de uma leitura apressada do dispositivo legal, inúmeras denuncias estão sendo oferecidas, pretendendo enquadrar como praticantes do crime previsto no referido inciso II do artigo 2º, os contribuintes que deixam de recolher o ICMS – Imposto de Circulação de Mercadorias, devido por operações próprias, ainda que a empresa tenha efetuado os devidos registros contábeis e apresentando regularmente as declarações pertinentes para a fiscalização (Guia de Informação e Apuração, Declaração de Movimento Econômico, etc).
E o que é pior: tais denúncias têm sido recebidas, processadas e, em alguns casos, resultam em condenação penal em desfavor do administrador da empresa, contrapondo os argumentos defensivos quanto à necessidade de se provar a existência de fraude na escrita fiscal e/ou dolo na conduta do empresário, bem como não se aceitando provas da existência de justa causa para o não recolhimento, como por exemplo, sérias dificuldades financeiras da empresa etc., o que por si só caracteriza uma excludente de culpabilidade por se tratar de inexigibilidade de conduta diversa.
Já de início ressalta-se que os empresários, em grande maioria, não são sonegadores fiscais, assim caracterizado por aquele indivíduo que busca suprimir ou reduzir tributos simulando, falseando ou ocultando operações, fraudando livros, notas fiscais ou documentos.
Constata-se que as ações penais que estão sendo deflagradas e as condenações proferidas, com suposto fundamento no artigo 2º, II, da Lei 8.137/90, partem da suposição que a omissão no recolhimento de ICMS, mesmo que devidamente escriturado e declarado, configuraria o crime tipificado no dispositivo, tratando-se a conduta delituosa como crime de mera conduta, o que não procede. Como já ressaltamos, deveria existir o dolo, e este não está presente na maioria dos casos.
Havendo o sujeito passivo da obrigação tributária cumprido todas as obrigações acessórias concernentes a fiscalizações e arrecadação do tributo, e deixando, no entanto, de realizar a obrigação principal por hipossuficiência financeira, não está configurado o delito. Trata-se de um devedor e não sonegador. Assim, para que se configure o crime, deve existir a plena demonstração da má-fé do agente, mediante fraude ou outro instrumento ardil, deixando de recolher o imposto devido ao Estado a título de ICMS, na condição de substituto tributário.
É fundamental distinguir sonegação e inadimplência fiscal. Na primeira existe vontade deliberada de suprimir ou de reduzir tributo ou contribuição social, mediante artifício fraudulento. Já na outra, ocorre mero atraso ou descumprimento da obrigação de recolher tributo que já foi declarado regularmente pelo contribuinte, configurando tão somente ilícito administrativo, passível de execução fiscal e inscrição na dívida ativa. Se ausente a fraude e o dolo específico de suprimir ou de reduzir tributo, com a formalização da comunicação das operações ao Fisco, não há que se falar de sonegação fiscal. Somente em inadimplência, que não configura infração penal.
Quase sempre a inadimplência tributária decorre de estado de necessidade, bem como não surge da vontade livre e consciente de sonegar, o que bastaria para afastar qualquer criminalização na conduta. Ou seja, a conduta omissiva em discussão (não recolhimento de ICMS, devido por operações próprias, devidamente escriturado e declarado ao Fisco) não se reveste de qualquer tipicidade penal.
O uso desvirtuado do direito penal para cobrança de dívidas fiscais fica mais evidenciado diante da constatação de que o Estado Legislador oferece aos contribuintes a suspensão do processo penal, com extinção da punibilidade no caso de pagamento integral. Ou seja, o processo crime fica suspenso no caso de parcelamento dos valores cobrados e, ao final, ocorre a extinção da punibilidade com o consequente arquivamento da ação.
Esta briga está em pauta de julgamento no STJ e atualmente temos a questão empatada, sendo que o Ministro Reynaldo Fonseca pediu vista do processo e não há previsão de quando o julgamento será retomado.
Tendo em vista este cenário, os empresários devem ficar atentos aos recolhimentos tributários, em especial com relação ao ICMS, pois conforme comentado, a necessidade em arrecadar por parte do Fisco para cobrir um déficit fiscal torna questões meramente tributárias em questões criminais que podem afetar diretamente a pessoa física dos sócios e administradores das empresas.
Desta forma é crucial que as empresas possam contar com uma assessoria jurídica que haja com uma sinergia entre o departamento tributário e o penal muito afinada, a fim de proporcionar aos empresários segurança no momento de tomar decisões e que, no caso de já existir um problema, garanta a melhor solução.
A equipe da área Penal Empresarial do Duarte e Tonetti Advogados se coloca à disposição para dirimir eventuais dúvidas e prestar mais esclarecimentos sobre o assunto.
Rafael Do Lago Salvador Santos – sócio responsável pela área Penal Empresarial no Duarte e Tonetti Advogados.
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Fonte: jc