Será que a contribuição previdenciária do militar inativo ou os descontos realizados para o militar inativo são realizado em concordância com a lei? Nesse artigo exploramos o tema sob o aspecto dos descontos realizados.
Desde 2019, com algumas mudanças da lei federal de arrecadação, os militares têm passado por algumas surpresas no holerite, mesmo que vinculados às corporações estaduais.
Na prática isso tem gerado desgaste salarial e retenção indevida de contribuição pública.
Resolvemos então te ajudar a esclarecer esses descontos, porque ao contrário dos trabalhadores vinculados ao INSS, os militares inativos estão vinculados ao sistema de proteção militar dos Estados.
Atualmente, cada Estado tem uma sistemática própria, por isso são vinte e sete regulamentações diferentes que podem ser aplicadas no caso do militar inativo.
Esclarecendo também que o foco das próximas linhas está nos policiais e nos bombeiros militares e não nos membros das forças armadas, que seguem um regime nacional específico de que trataremos em outra oportunidade.
Por isso já antecipamos que não cabem aqui as situações envolvendo integrantes de exército, marinha ou aeronáutica, mas vamos começar por partes.
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O militar inativo continua pagando Previdência?
A resposta é positiva, apesar de que o nome que se dá a essas contribuições pode não ser o mesmo em relação aos servidores civis, por uma questão de definição na carreira militar.
Simplificando, os policiais e bombeiros militares estão sujeitos às normas estaduais de organização e estruturação, porque em último caso são servidores estaduais e pagos pelo serviço público dos Estados.
Dependendo da carreira, e é o que ocorre com os militares estaduais, a contribuição é geralmente realizada apenas sobre a diferença entre a remuneração do militar e o teto do INSS.
Em compensação, a porcentagem de desconto é via de regra maior do que a aplicada a nível federal.
Por isso, se o teto do INSS em 2022 é de R$ 7.087,22, o valor do desconto teria por base algo entre 10 e 14% apenas do que passasse disso para o militar inativo estadual.
Essa é uma previsão originária do artigo 40 da Constituição Federal, que trata de regime de servidores públicos e que foi aproveitada também para os militares:
“Art. 40, § 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos”.
O problema é que o percentual indicado é definido pelas leis complementares estaduais, somando descontos de previdência e também de assistência médica.
Mas em 2019 com o início da lei federal de número 13.954, os institutos previdenciários dos Estados passaram a aplicar novos descontos seguindo a prática federal, mesmo contrariando a legislação dos próprios Estados pagadores.
A maior desvantagem disso é que agora as porcentagens são aplicadas sobre o total da remuneração do militar inativo e não mais sobre a diferença entre remuneração e teto do INSS.
Por isso, mesmo que a porcentagem de desconto seja menor hoje, o resultado dos descontos tem gerado grande impacto financeiro.
A discussão foi levada ao Supremo Tribunal Federal pelo tema de número 1.077 no ano passado, onde ficou reconhecida a padronização das decisões nesse tema por todo o país.
Basicamente, ficou entendido pela decisão do Supremo de que fixar valores específicos de desconto e base para a contribuição seria papel dos Estados de cada corporação militar e não do Governo Federal, o que autoriza a correção dos descontos desde a edição da lei de 2019.
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Exemplo prático
Suponha você que Marciano, policial militar inativo do Estado de São Paulo, venha sofrendo descontos mensais maiores desde a publicação da lei federal 13.954/19 que altera o regime.
No entanto, a Lei Complementar paulista número 1.013 de 2007, que até então estabelecia o comando geral, está sendo contrariada pelo desconto prático com base na nova lei federal.
Antes, a contribuição paulista era de 11% sobre a remuneração parcial de Marciano, ou seja, só pelo que sobrasse da diferença de valor com o teto previdenciário.
Só para facilitar nosso exemplo, imagine que ele recebesse R$12.000 reais e que o teto do INSS fosse de R$7.000 reais.
Neste exemplo, o valor da contribuição é de R$550,00 reais mensais pela lei paulista, ou 11% sobre R$5.000 reais. Hoje, seguindo a lei federal, o desconto seria de 10,5% sobre R$12.000 reais e não mais sobre R$5.000 reais, o que eleva a contribuição mensal de Marciano para R$ 1.260,00.
A diferença é enorme, porque ele está desembolsando R$710,00 reais a mais por mês, mesmo recolhendo a um percentual menor.
Você pode mesmo estar se perguntando se uma lei federal, e ainda por cima editada muito tempo depois, não teria mais força política no sentido de prevalecer sobre a lei estadual.
No entanto nesse caso não existe uma questão de grau de importância, mas de gestão.
Cada ente federativo é responsável por determinados assuntos e quem direciona a responsabilidade é a própria Constituição Federal.
O que o Supremo Tribunal Federal fez foi justamente reafirmar a atribuição de responsabilidade, entregando aos Estados esse papel constitucional de legislar sobre assuntos mais próximos da sua realidade, esse foi o caso dos militares estaduais.
O resultado é que a lei 13.954/19 não invalida as legislações estaduais que até então vinham sendo aplicadas.
O que fazer se os meus descontos são maiores do que o previsto no meu Estado?
Como vimos, existe violação constitucional já apreciada pelo Supremo.
Se os descontos previdenciários mudaram para pior sua rotina financeira dos últimos dois anos, esse é um grande indicativo de que a lei federal está usurpando da competência do Estado para determinar os descontos previdenciários.
Nesse caso, você pode entrar com uma ação judicial para recuperar os descontos indevidos e também para interromper novas cobranças.
Para isso é muito importante que você organize sua documentação pessoal e busque os conselhos de um advogado para iniciar o pedido judicial.
A ação é proposta contra o próprio instituto pagador, no caso de Marciano, por exemplo, será o órgão previdenciário paulista.
Apesar de a nova lei piorada ser federal, o maior beneficiário dela são os próprios Estados que fazem essa “coleta” tributária.
Por isso a União seria incompetente para a devolução de valores ou para receber novas imposições ou restrições de cobranças, já que ela não coloca em prática os termos da lei que ela passou no Congresso.
Qual a diferença entre membro das forças armadas e militares estaduais?
A diferença é bastante sensível, na medida em que a previsão dos descontos da lei 13.954/19 foi pensada na origem para a pensão militar de ex-combatentes de guerra, exército, marinha e aeronáutica.
O artigo 4º, por exemplo, altera a lei de número 3.765/60, principal lei dos membros das forças armadas e de seus dependentes.
Existem diferenças na carreira militar e a organização dela não é distribuída por um único regime. Só para comparação, você pode pensar nas variações entre juízes estaduais, federais e trabalhistas.
Muito além de uma questão legislativa de que a União não pode avançar nas questões estaduais, a lei 13.954/19 não está voltada para todos os públicos, cuidando apenas de introduzir normas gerais pelo artigo 25 no que se refere às carreiras militares estaduais.
A própria lei 3.765/60 alterada pela lei de 2019, esclarece quem está obrigado à pensão militar de que ela trata:
“Art. 1º São contribuintes obrigatórios da pensão militar, mediante desconto mensal em folha de pagamento, os militares das Forças Armadas e os seus pensionistas.
Parágrafo único. O desconto mensal da pensão militar de que trata o caput deste artigo será aplicado, a partir de 1º de janeiro de 2020, para:
I – o aspirante da Marinha, o cadete do Exército e da Aeronáutica e o aluno das escolas, centros ou núcleos de formação de oficiais e de praças e das escolas preparatórias e congêneres; e
II – cabos, soldados, marinheiros e taifeiros, com menos de dois anos de efetivo serviço.
III – pensionistas”.
Perceba que as alterações de alíquota sobre o pagamento mensal não incluem os policiais ou bombeiros militares.
Esses dois últimos estão sujeitos ao decreto-lei 667/69 que só trata de dois percentuais no texto inteiro depois das alterações federais:
- 17% como regra de pedágio para a aposentadoria no artigo 24-G;
- 50% como regra de ingresso para os temporários no artigo 24-I.
Nenhuma das duas porcentagens tem relação com o pagamento de contribuição previdenciária ou pensão no âmbito de policiais e bombeiros militares.
Enquanto isso, a lei federal previu a tratativa do pessoal das forças armadas, que são instituições nacionais cujo objetivo principal é a segurança e a defesa do país.
A liderança dos militares estaduais é dos governadores, mas a das forças armadas é da Presidência da República.
Na Constituição Federal, os militares estaduais foram separados dos integrantes da força nacional, observe os artigos 42 e 142 da Constituição:
“Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Já no artigo 24 da lei 13.954/19, o segundo e último que traz escala de alíquotas na redação, as novas porcentagens de desconto são apenas para ex-combatentes de guerra e pensionistas contemplados pelas leis indicadas.
Separamos aqui a relação dessas pessoas incluídas:
- Feridos da Força Expedicionária brasileira da década de 40 (decreto-lei 8.795/46);
- Herdeiros dos combatentes da força expedicionária (decreto-lei 8.794/46);
- Ex-membros da força expedicionária com invalidez (lei 2.579/55);
- Pensionistas das forças armadas (Lei 3.765/60);
- Servidores do Poder Executivo Federal (lei 4.242/63);
- Ex-combatentes da 2ª guerra mundial (lei 5.315/67);
- Outras pensões especiais federais (lei 8.059/90, lei 7.424/85).
Então você deve estar se perguntando agora como é que esses descontos chegaram até você, militar inativo estadual.
A resposta começa pelo artigo 25 da lei federal, que trouxe determinações genéricas para os servidores militares, alterando o decreto 667/69 que fala diretamente com esse público.
Pela leitura existem algumas contradições na lei que indicam o famoso “jabuti” incluído no texto antes dele ser finalmente aprovado nas casas legislativas.
O “jabuti”, como é conhecido no popular, é geralmente uma inclusão discreta e de última hora na redação da lei, para falar de algo que não bate com o assunto principal, gerando surpresas de grande repercussão para a população.
Destaco os novos artigos 24-C e 24-E do decreto 667 para te ajudar a entender:
“Art. 24-E. O Sistema de Proteção Social dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios deve ser regulado por lei específica do ente federativo, que estabelecerá seu modelo de gestão e poderá prever outros direitos, como saúde e assistência, e sua forma de custeio.
Parágrafo único. Não se aplica ao Sistema de Proteção Social dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios a legislação dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos.”
“Art. 24-C. Incide contribuição sobre a totalidade da remuneração dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, com alíquota igual à aplicável às Forças Armadas, cuja receita é destinada ao custeio das pensões militares e da inatividade dos militares.
§ 1º Compete ao ente federativo a cobertura de eventuais insuficiências financeiras decorrentes do pagamento das pensões militares e da remuneração da inatividade, que não tem natureza contributiva.
§ 2º Somente a partir de 1º de janeiro de 2025 os entes federativos poderão alterar, por lei ordinária, as alíquotas da contribuição de que trata este artigo, nos termos e limites definidos em lei federal.”
Veja que por conta de um único artigo, que foge totalmente do contexto tanto das Forças armadas quanto das regras genéricas de carreira militar estadual, todo o complexo de contribuições foi alterado e tem sido utilizado por equiparação.
Nós entendemos que mesmo que a lei federal pudesse ir além das normas gerais para dar tratamento similar entre militares estaduais e federais, o que o Supremo já disse que não pode, devemos compreender que tudo o que a lei federal fez foi alterar o decreto 667/69.
Precisamos nos lembrar de que, em último caso, o decreto 667 foi fruto do AI-5 de 1969, um decreto excepcional imposto na época da ditadura militar com base na concentração de Poderes do Presidente da República.
O AI-5 não atende minimamente as atribuições estaduais que estão em vigência hoje e que nasceram com a redemocratização em 1988 diante da descentralização de competências.
Em última instância, por si só o decreto 667 já violaria a Constituição Federal e o próprio fundamento dado pelo Supremo Tribunal de que os Estados precisam regular as carreiras do militar estadual.
Finalmente, a nova cobrança dos descontos previdenciários seria equivocada tanto na forma, pela iniciativa federal em assunto estadual, como no conteúdo, por equiparar carreiras lideradas por normativas e autoridades completamente distintas sem qualquer fundamento constitucional atual.
Resumindo
Depois do que vimos hoje sobre descontos previdenciários do militar inativo, você pode conferir como andam os pagamentos de 2020 para cá checando os holerites do período.
Apesar de a redução da porcentagem de desconto ser bastante sedutora, o militar inativo precisa entender que na prática o desconto é maior por abranger a remuneração integral.
É muito importante buscar um advogado porque ele precisa estudar a legislação estadual e entender o que se passa com você de maneira individual.
Para isso, conte com a nossa equipe entrando em contato pelo chat do site saber a lei.
Por Rafael Faganello, Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV, Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP.
Original de Saber a Lei
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Fonte: Jornal Contábil
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