s discussões envolvendo o possibilidade de responsabilização pessoal dos sócios da pessoa jurídica em sede de execução fiscal ganharam novo capítulo com o julgamento do Recurso Especial nº 1.604.672/ES pela 1ª Turma do STJ. O tema, que é objeto de ao menos 4 (quatro) acórdãos submetidos à sistemática dos recursos repetitivos no Tribunal, parece ainda dividir opiniões entre os Ministros da Corte.
Por 3 votos a 2, a 1ª Turma entendeu que, uma vez indicado o nome do sócio na Certidão de Dívida Ativa, sua responsabilidade seria presumida, independentemente de constar no título executivo a sua qualificação como sócio-gerente ou administrador e, portanto, corresponsável da dívida.
Nos termos do voto vencedor do Ministro Gurgel de Faria, entendeu-se que, mesmo ausente essa qualificação, caberia ao sócio o ônus de provar, em sede de Embargos à Execução Fiscal, a inocorrência das hipóteses previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional – prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
Há, nessas conclusões, duas questões que merecem detalhamento.
A primeira delas diz respeito à fundamental distinção conceitual entre os institutos do redirecionamento, de um lado, e da responsabilização pessoal, de outro.
Ao se falar em redirecionamento da execução fiscal, quer-se discutir, meramente, a legitimidade do sócio para responder pelas dívidas da pessoa jurídica, isto é, se ele pode ou não figurar no polo passivo da Execução Fiscal. Essa legitimidade passiva, no entanto, não confirma a existência de responsabilidade tributária, mas apenas estabelece uma presunção relativa (artigo 204 do CTN). A responsabilidade, por sua vez, será decidida pelas vias cognitivas próprias, essencialmente a dos embargos à execução fiscal, nos quais será oportunizada a dilação probatória e assegurada a ampla defesa.[1]
Ao se discutir, portanto, a inclusão dos nomes dos sócios da pessoa jurídica no polo passivo da execução fiscal (seja por meio de redirecionamento, seja por meio do ajuizamento direto da execução contra eles), não há que se falar, propriamente, em responsabilidade do sócio, mas, antes, em legitimidade passiva do sócio para ulterior aferição de responsabilidade.
Ao enquadrar-se a discussão no espectro da legitimidade, surge o segundo aspecto a ser examinado: a necessária condição de sócio-gerente ou administrador, ou seja, de que sócio indicado na CDA tenha, efetivamente, poderes de gestão da pessoa jurídica. É certo que, na ausência desses poderes, o sócio jamais poderia figurar no polo passivo, pois a ele jamais poderia ser imputada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
Daí a importância de que a qualificação do sócio como corresponsável (sócio-gerente ou administrador) venha expressamente indicada na CDA para que se autorize o redirecionamento ou o próprio prosseguimento da execução fiscal contra ele.
Esse racional é extraído do histórico de precedentes que ensejaram a pacificação dos temas pela 1ª Seção, tanto em sede de recursos repetitivos quanto de próprios enunciados sumulares.
Mencione-se, a título exemplificativo, os termos do Recursos Especiais repetitivos nºs 1.110.925/SP(Min. Teori Zavascki) e 1.104.900/ES (Min. Denise Arruda). Ao examinar-se a questão de fundo quanto à viabilidade de discutir-se a legitimidade do sócio em sede de exceção de pré-executividade, restou consignado que a inclusão do nome do sócio-gerente na CDA seria suficiente para autorizar a sua inclusão no polo passivo, dada a presunção de legitimidade do título, passível de ser desconstituída em sede de embargos do devedor. Em ambos os casos, a condição de “sócio-gerente” figurava como pressuposto para o reconhecimento da legitimidade passiva.
Também o enunciado da Súmula 435/STJ, que cuida do redirecionamento da execução fiscal em caso de dissolução irregular da pessoa jurídica, refere-se a “sócio-gerente”. O mesmo se dá, ainda,no entendimento firmado no Recursos Especiais repetitivos nº 1.371.128/RS (que estende a súmula 435/STJ a débitos não-tributários) e 1.372.243/SE (que trata da possibilidade de alteração do polo passivo da CDA para inclusão dos sócios-gerentes em casos de falência da pessoa jurídica anteriormente ao ajuizamento do feito executivo).
Em todos esses julgados e, especialmente, em todos os demais que os antecederam e que serviram de suporte para o entendimento neles pacificado, a condição de “sócio-gerente”, ou seja, de sócio dotado de poderes de gestão, figurou como requisito indispensável para a inclusão de seu nome no pólo passivo da execução fiscal.
Por esse motivo, a indicação do sócio na CDA sem a qualificação como sócio-gerente ou administrador não seria suficiente, por si só, para ensejar imputar-lhe legitimidade passiva (seja por meio do redirecionamento ou do ajuizamento do feito executivo diretamente contra ele), mormente ao se considerar que o Fisco, na busca por assegurar ao máximo a satisfação do seu crédito, vem indiscriminadamente arrolando nomes de todos os sócios da empresa executada na respectiva CDA.
Nos autos do supracitado REsp 1.604.672/ES, esta foi a tese defendida com assertividade pela Ministra Regina Helena Costa, que, acompanhada pelo Ministro Napoleão Nunes, destacou ser encargo do Fisco a demonstração de que o sócio tem poderes de gestão para figurar como codevedor e ser, de fato, responsável pela dívida. No caso concreto, a Fazenda Estadual do Espírito Santo catalogou indistintamente os nomes dos sócios na CDA que instrui a execução fiscal, o que, no entender da Ministra, demonstraria a ausência de diligência que buscasse comprovar a presença de poderes de gestão.
Na ocasião, todavia, o posicionamento da Ministra restou vencido, muito embora esteja alinhado ao racional dos inúmeros precedentes da Corte, inclusive sumulados e firmados sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Sendo assim, é importante que seja compreendido que, neste momento processual, não se discute a responsabilização do sócio, mas apenas a sua legitimidade passiva, isto é, a possibilidade de que ele venha a ser responsabilizado pela obrigação tributária da pessoa jurídica. Torna-se imprescindível a sua qualificação como corresponsável (sócio-gerente) no título executivo. É certo que, inexistindo poderes de gestão, o sócio jamais poderia figurar no polo passivo.
Além disso, ao falar-se em “responsabilização presumida” do sócio constante da CDA, a 1ª Turma acaba por assemelhar os referidos conceitos, antecipando, para o momento em que se discute apenas a legitimidade do sócio para fins de redirecionamento da Execução Fiscal, a responsabilização pessoal que somente deverá ser apurada em sede de Embargos à Execução Fiscal, mediante a observância do contraditório e da ampla defesa.
Não se olvida que, para que o sócio-gerente seja indicado na CDA como corresponsável da dívida, é necessário identificar a presença de indícios da prática de atos com infração à lei, contrato social ou estatutos, conforme prescrito pelo artigo 135 do CTN. Esses indícios, todavia, não caracterizam a responsabilização, mas apenas configuram elementos ensejadores da legitimidade passiva do sócio-gerente para que sua eventual responsabilidade venha a ser apurada.
Nesse sentido, ao indicar indistintamente os nomes dos sócios da pessoa jurídica no título executivo sem a qualificação como “corresponsável” e, portanto, sem demonstrar o exercício de cargo de gerência e/ou administração, o Fisco acaba por demonstrar que não houve apuração adequada dos fatos no âmbito do processo administrativo prévio à inscrição em Dívida Ativa, o que denota inexistir, também, sequer apuração dos indícios da prática de atos com infração à lei, contrato social ou estatutos.
Ao prevalecer-se, portanto, o raciocínio constante do voto vencedor proferido no Recurso Especial nº 1.604.672/ES no sentido de prescindir da qualificação dos sócios indicados na CDA, estar-se-á inaugurando um cenário de ameaça ao próprio instituto da separação entre as figuras da pessoa jurídica e de seus sócios, tornando regra aquilo que deveria figurar como hipótese de exceção, restrita à efetiva caracterização dos estritos requisitos estabelecidos no Código Tributário Nacional.
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[1] Vale dizer que, com a edição do Novo Código de Processo Civil e a criação do instituto do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (artigo 133), entende-se que surgiu um novo mecanismo de defesa para o sócio-gerente. Partindo-se da premissa de que toda forma de redirecionamento configura espécie de desconsideração da personalidade jurídica, vislumbra-se a possibilidade de se requerer, no âmbito da própria execução, a instauração do procedimento previsto naquele artigo (que prevê a oportunização de contraditório), sem o qual o redirecionamento não seria possível.
André Torres dos Santos – Advogado associado de Pinheiro Neto Advogados
Nayanni Enelly Vieira Jorge – Advogada associado de Pinheiro Neto Advogados
Via Jota.Info
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Fonte: jc