A USUCAPIÃO é uma excelente forma de regularização imobiliária. Através dela pode ser possível obter o RGI (registro de imóveis) em nome daquele que exerce a posse sobre o bem. Como sempre falamos aqui, Usucapião é instituto que “surge” com o preenchimento dos requisitos legais: basta que o pretendente reúna os requisitos legais para que a prescrição aquisitiva aconteça. O grande ponto da questão – que infelizmente muitos ainda não atentaram – é que para que efetivamente a regularização por essa via aconteça se faz necessário que o reconhecimento desse direito seja promovido pela via JUDICIAL ou pela via EXTRAJUDICIAL – sendo essa última um importante caminho que mesmo exigindo a presença de ADVOGADO dispensa o PROCESSO JUDICIAL, nos termos do art. 216-A da Lei de Registros Públicos.
USUCAPIÃO é instituto que possui base constitucional (arts. 183 e 191 c/c inc. XXIII do art. 5º e III do art. 170) e é instrumento que, pautado na função social da propriedade, permitirá que aquele que exerça POSSE qualificada sobre imóvel hábil e suscetível à aquisição prescricional pelo TEMPO exigido por lei – juntamente com eventuais outros requisitos exigidos por Lei, de acordo com a modalidade e peculiaridades do caso concreto – possa ver reconhecido o seu DIREITO e com isso promova o registro daquele imóvel em seu nome junto ao Cartório do Registro Imobiliário correspondente – quando então a certidão imobiliária passará a lhe apontar como NOVO PROPRIETÁRIO em evidente prejuízo do proprietário anterior.
Durante o complexo procedimento da Usucapião – seja ele na via judicial, seja ele pela via extrajudicial – muitos entraves podem sobrevir aos interessados, dentre eles os gravames que vierem a constar da matrícula imobiliária; um desses gravames pode ser a INDISPONIBILIDADE que proíbe a disposição do bem. A respeito das indisponibilidades ensinam com maestria os ilustres professores KÜMPEL e FERRARI (Tratado Notarial e Registral. 2020):
“A indisponibilidade de bens é uma determinação legal ou judicial que pode recair sobre um imóvel ou outros direitos de determinada pessoa, coibindo atos de disposição. Tal constrição é impeditiva da alienação ou oneração do imóvel ou de outros direitos, ficando reservado como garantia do cumprimento de uma obrigação ou pagamento de uma dívida. A ordem é justamente para IMPEDIR que o devedor desfaça do seu patrimônio em prejuízo direto aos seus credores. (…) As ordens judiciais e administrativas que determinem indisponibilidades de bens imóveis são AVERBADAS nas matrículas respectivas. (…) Trata-se de uma forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso do título ao fólio real, ainda que o referido título seja ANTERIOR à decretação da indisponibilidade. Aplica-se, assim, o princípio do TEMPUS REGIT ACTUM”.
Usucapião – não custa repetir – não se trata de aquisição DERIVADA como acontece numa compra e venda (aqui não se compra ou recebe por doação de ninguém a propriedade do imóvel) mas sim aquisição ORIGINÁRIA (que independe da conduta transmissiva do proprietário anterior). Na verdade, na Usucapião enquanto para um NASCE o direito ao imóvel, para o outro FALECE. Ouso dizer – sem embargos de tudo que já se disse – que não fosse a conduta do proprietário registral em permitir que o pretendente semeasse naquele terreno fático e fértil o exercício da posse qualificada sobre o imóvel e colhesse nele, depois de desabrochados escancaradamente os requisitos da Usucapião – a procedência de seus pedidos – de nada adiantaria já que se de fato o proprietário registral confere função social, protege e exerce a posse, outrem não deveria poder fazê-lo (sendo certo inclusive que a Lei elenca os remédios jurídicos para a proteção tanto da propriedade quanto da posse – é bom que se saiba).
O fato da indisponibilidade que eventualmente grave a matrícula imobiliária não pode mesmo impedir a aquisição por Usucapião se preenchidos os REQUISITOS LEGAIS – nem mesmo pela via EXTRAJUDICIAL – como informa o art. 14 do Provimento CNJ 65/2017 – não podendo nem mesmo o referido gravame impedir o processamento do pedido extrajudicial como muito bem já reconhecido, por exemplo, pelo Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP (Processo nº. 1094332-06.2018.8.26.0100. J. em 27/03/2019).
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Uma enxurrada de precedentes judiciais pátrios reconhecem com igual acerto a possibilidade do reconhecimento da Usucapião – tanto na Usucapião Extraordinária quanto na Usucapião Ordinária – mesmo contendo na matrícula o gravame da indisponibilidade e é o recente acórdão do TJDFT, um dos mais didáticos, que merece ser prestigiado para ilustrar tal possibilidade:
“TJDFT. 07098505520208070005. J. em: 20/04/2022. CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DEMONSTRADOS. BOA-FÉ E JUSTO TÍTULO. DESNECESSÁRIA COMPROVAÇÃO. INDISPONIBILIDADE DO BEM EM VIRTUDE DE DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO PELA USUCAPIÃO. (…). 2. A existência de ordem de indisponibilidade sobre o bem, ainda que o submeta a regime de proteção criado com o intuito de proteger o patrimônio público, não interdita, até porque inexiste previsão legal ou constitucional a esse respeito, como ocorre por exemplo com a vedação à aquisição por usucapião de imóveis públicos, prevista no art. 183, § 3º, da CR, o reconhecimento da aquisição originária da coisa pela usucapião. A INDISPONIBILIDADE acautela o interesse da sociedade, impedindo que o réu de ação de improbidade administrativa dilapide o seu patrimônio, assegurando que, no momento de futura execução, tenha bens suficiente para pagar eventual condenação à obrigação de ressarcir prejuízos do erário ou de restituir valores ilicitamente acrescidos ao seu patrimônio. Protege o direito do ente público perseguido na ação de improbidade administrativa, mas não impede que pessoa que busca MORADIA exerça posse sobre o bem acaso este seja ABANDONADO pelo proprietário. 3. É impróprio falar em posse precária por causa da existência de uma ORDEM DE INDISPONIBILIDADE sobre o bem, pois é clássica a noção de que a posse precária “resulta do abuso de confiança do possuidor que indevidamente retém a coisa além do prazo avençado para o término da relação jurídica de direito real ou obrigacional que originou a posse” (Farias, Cristiano Chaves de; Braga Netto, Felipe; Rosenvald Nelson. Manual de Direito Civil, Volume único. 3ª edição. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. Pág. 1.385) e esta não é a situação dos autos. 4. É inegável que a posse foi exercida com o ÂNIMO DE SE TORNAR DONO, se os autores, há mais de treze (13) anos, pagaram quantia monetária ao antigo possuidor, para adquirir os direitos sobre o bem e nele residem até os dias atuais. Ainda que soubessem da existência da indisponibilidade, não seria possível negar o estado anímico dos autores, seu comportamento perante a coisa como se proprietários fossem, com base na mera afirmação de que a indisponibilidade do bem afasta o animus domini. 5. A usucapião especial urbana constitui DIREITO DE CARÁTER SOCIAL, previsto na Carta da República, que tem por objetivo assegurar o cumprimento da FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE e permitir aos não proprietários de imóvel urbano ou rural que deram a destinação devida à coisa a aquisição do título de PROPRIEDADE e a certeza quanto à realização do direito inalienável de ter uma moradia. Assim, descabe invocar o interesse social na preservação da indisponibilidade do bem para viabilizar o futuro ressarcimento ao erário, negando proteção a direito também de estatura constitucional, notadamente se é notório que, durante o período da indisponibilidade, o patrimônio da pessoa jurídica sujeito à construção se valorizou ao ponto de assegurar o pagamento integral de eventual condenação de ressarcimento ao erário e ainda garantir-lhe lucro. 6. Apelo não provido”.
Original de Julio Martins
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Fonte: Jornal Contábil
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