A decisão do presidente Jair Bolsonaro de destinar R$ 30 bilhões fora do teto de gastos para ampliar o valor pago no Auxílio Brasil vai ter repercussões em toda a economia.
Além de desorganizar as finanças públicas, especialistas apontam para efeitos na inflação, no dólar, nos juros e no emprego, afetando a vida cotidiana dos brasileiros.
O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt e seus secretarios adjuntos, pediram exoneração de seus cargos ao ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quinta-feira.
A pasta disse que a decisão é pessoal. Mas, segundo fontes do ministério, a decisão foi tomada diante da decisão do governo de furar o teto de gastos.
O governo decidiu que o substituto do Bolsa Família que será a vitrine eleitoral da campanha de Jair Bolsonaro, pagará, no mínimo, R$ 400 para os beneficiários.
Para garantir esse pagamento por 14 meses, justamente ao longo de 2022, o governo terá de desembolsar ao menos R$ 30 bilhões fora do teto de gastos, regra que limita a elevação de despesas da União.
Inicialmente a equipe econômica era contra qualquer ação que afetasse o teto, a âncora fiscal do país. Mas o próprio ministro Paulo Guedes afirmou que o governo deve pedir uma permissão para extrapolar esse limite, ainda que temporariamente. A declaração repercutiu mal no mercado e a ala política faz o tradicional jogo de empurra, em que todos negam serem os ‘fura-teto’.
Segundo economistas, o que o ministro Paulo Guedes chamou de “licença” para gastar é um drible para mudar a regra do jogo focando no curto prazo – a eleição. Na prática, o efeito é o mesmo de um descumprimento do teto: descontrole fiscal, com repercussões para toda a economia.
Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, diz que as repercussões sobre a economia são fortes e incertas, principalmente no longo prazo:
“Privilegiar o curto prazo, ampliando o gasto e mudando regra de jogo, vai ter um impacto talvez positivo para o governo, mas também vai ter um impacto negativo sobre os próprios contas públicas, porque vai ser mais difícil financiar a sua atividade. No médio prazo isso pode gerar até um cenário recessivo mesmo, em que a economia não consegue sair do lugar por conta dessas incertezas.”
A avaliação é compartilhada por Juliana Inhasz, professora de Economia no Insper:
— Essa medida (turbinar o Auxílio Brasil) é um band-aid em uma fratura exposta: não resolve a situação. Num curtíssimo prazo, pode dar a sensação de que está melhorando, mas dali a pouco a gente vai ver a coisa piorar porque outras variáveis vão reagir – diz, e cita como exemplos a inflação, dólar, mercado de trabalho e juros.
Entenda, abaixo, o que é o teto de gastos e os impactos da decisão política do governo:
A regra foi criada no governo do ex-presidente Michel Temer e prevê que o país não poderá aumentar as despesas públicas ao limitar a elevação dos gastos do exercício seguinte à inflação do ano anterior. Ou seja, na prática, não há aumento real de despesas.
O objetivo da medida era evitar uma piora nas contas públicas. O Brasil tem uma das mais elevadas dívidas públicas entre países emergentes, superando 100% do PIB.
E, há sete anos consecutivos, o governo registra déficit primário – ou seja, gasta mais do que arrecada, e isso em contar as despesas com juros da dívida pública.
Sem as contas em ordem, falta espaço para o governo investir em melhorias na saúde, na educação ou na infraestrutura pública.
Agora, o governo já admite querer rever a regra do teto de gastos bem antes do prazo original – em 2026, dez anos após a implementação, havia previsão de revisão dos indexadores –, com o objetivo de ganhar espaço no orçamento para gastar mais no próximo ano.
— Quando a gente propõe ou demonstra uma intenção de mudar essas regras – especialmente pra poder gastar mais, ainda que gasto seja meritório –, isso claramente tem um impacto sobre a percepção de quem financia o governo e de outros agentes também de que o governo talvez não tenha tanto compromisso com a sustentabilidade lá na frente – avalia Daniel Couri, da IFI.
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Fonte: Jornal Contábil
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