Nos últimos anos, o conceito ESG (ambiental, social e de governança) tem ganhado força ao redor do mundo. No Brasil, o setor de saúde está em processo de adaptação e ainda enfrenta desafios significativos para incorporar essa abordagem em suas práticas. Não que nada esteja acontecendo, pelo contrário. Vale aqui destacar algumas iniciativas por exemplo da ANAHP (Associação Nacional dos Hospitais Privados) com os 3 grupos de trabalho “Sustentabilidade; ESG e Compliance” envolvendo seus associados na discussão desse tema. Trata-se de um trabalho que contribui muito para a evolução do conceito dentro da realidade hospitalar.
Para citar exemplos, durante a catastrófica enchente no Rio Grande do Sul, em maio deste ano, a AACD de Porto Alegre implementou um trabalho para mobilizar conselheiros, funcionários e voluntários, estabelecendo parcerias com entidades especializadas em assistência social, educação, saúde, abrigos de acolhimento da população e cozinhas comunitárias, promovendo suporte rápido e efetivo às vítimas. Foram cadastradas 150 entidades para recebimento de doações beneficiando milhares de pessoas, mesmo que não fizessem parte do público-alvo da AACD
Outra ação que merece destaque é a parceria com o hospital Copa Star, da Rede D’Or, com a ONG Comida Invisível, que possibilitou a doação de comida de boa qualidade, que poderia ser descartada por falta de demanda a famílias necessitadas. A Clínica e Hospital São Lucas, de Sergipe, por sua vez, desenvolve um trabalho de separação de resíduos recicláveis – além claro dos hospitalares que são contaminantes -, contribuindo assim para o desenvolvimento da economia circular.
Há dezenas de cases de sucesso de hospitais que eu poderia citar, mas que não cabem em um artigo e sim em um livro. Porém, por mais importante que seja o trabalho da ANAHP, o Brasil tem dimensões continentais e é preciso fazer muito ainda para alcançar a totalidade das empresas do setor. A implantação de modelos de gestão ESG pode trazer grandes benefícios para clínicas, hospitais, laboratórios, operadoras, farmácias etc, mas exige uma adaptação cultural, financeira e técnica. Isso leva tempo.
Sempre vale lembrar que o conceito ESG se refere a um conjunto de práticas que buscam integrar preocupações ambientais, sociais e de governança na estratégia e por consequência no processo de gestão das empresas. As vantagens são muitas. No aspecto ambiental, a gestão mais eficiente de recursos como água, energia e o descarte de resíduos hospitalares pode não apenas diminuir o impacto no meio ambiente, mas também gerar economia.
No âmbito social, o ESG contribui para melhorar a qualidade do atendimento ao paciente, promover a inclusão e a diversidade dentro das organizações e garantir condições adequadas de trabalho para os profissionais de saúde. Além disso, a responsabilidade social das empresas de saúde pode ser fortalecida por meio de programas de apoio a comunidades carentes e ações de prevenção à saúde pública.
No campo da governança, o modelo ESG promove maior transparência nas decisões, uma gestão mais ética e responsável, além de facilitar o alinhamento com as regulamentações e normativas de saúde, que estão cada vez mais exigentes. Tudo isso fortalece a imagem da instituição no mercado, tornando-a mais confiável perante pacientes e demais públicos estratégicos, os chamados stakeholders. E isso pode refletir positivamente nos resultados contábeis-financeiros.
A questão é que, embora os benefícios do modelo ESG sejam claros, e apesar de que muita coisa boa esteja acontecendo, o setor de saúde no Brasil continua, em grande parte, atrasado em sua adoção quando comparado a outros segmentos. Isso se deve a vários fatores, incluindo a complexidade do sistema, a falta de uma cultura organizacional focada em sustentabilidade e governança, além de dificuldades financeiras e de capacitação.
A cultura organizacional no setor de saúde tradicionalmente tem sido mais voltada para a assistência clínica e não raramente é focada mais em resultados contábeis-financeiros e operacionais de curto prazo. E a verdade é que a incorporação de práticas ESG exige uma mudança de mentalidade que pode ser difícil para muitos gestores que estão acostumados a lidar com as demandas urgentes do dia a dia do setor.
Existe outro desafio além do aspecto cultural. Faltam especialistas no tema ESG dentro do setor de saúde, os existentes são insuficientes. É preciso formar mais profissionais com este tipo de conhecimento. O conceito, embora crescente, ainda é relativamente novo para muitos estabelecimentos. Isso reflete uma lacuna educacional que precisa ser preenchida para que os gestores de saúde possam compreender e aplicar os princípios de ESG de forma eficaz. Não podemos ignorar que a falta de recursos financeiros também se apresenta como um dificultador do processo.
Superar essas dificuldades requer uma abordagem multifacetada. Para que haja avanço do ESG na saúde, é necessário um esforço conjunto entre as próprias instituições de saúde, governos e entidades do setor. Trabalhando em conjunto – como a ANAHP e associados têm feito – fica mais fácil elaborar e colocar em prática planos de capacitação por meio de parcerias com universidades e instituições de ensino. A criação de programas específicos de formação em ESG para o setor de saúde pode acelerar a adaptação das empresas a esse novo modelo de gestão.
Outro ponto importante é a adaptabilidade financeira. Se não há dinheiro suficiente para uma grande mudança, é possível implantar o conceito ESG gradualmente, focando em iniciativas de baixo custo que tragam benefícios rápidos, como a melhoria na eficiência energética ou a adoção de tecnologias que otimizem o uso de recursos. O poder público também pode ajudar oferecendo incentivos fiscais ou subsídios para apoiar a transição para um modelo mais sustentável.
Por fim, o setor de saúde precisa entender que a implementação de ESG não é mais uma opção, mas uma necessidade. Além de mais exigentes, consumidores e pacientes buscam atender suas necessidades em estabelecimentos alinhados a seus valores, ou seja, mostrando preocupação com questões socioambientais. O mesmo podemos dizer de possíveis parceiros e investidores que também dão preferência a empresas comprometidas com práticas de governança sólidas.
A implantação, o quanto antes, de um modelo que tenha em sua estratégia o conceito ESG sem dúvida alguma se refletirá no futuro das empresas. Clínicas, laboratórios, hospitais, operadoras, farmácias etc que não se adaptarem rapidamente ao modelo correm o risco de ficarem para trás, tanto em termos de competitividade quanto de relevância no mercado. Com a crescente pressão de regulamentações mais rigorosas e a demanda por transparência e responsabilidade social, a empresa do segmento que ignorar essas questões poderá perder pacientes e investidores, comprometendo sua sustentabilidade no longo prazo.
Artigo escrito por Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro “Governança Corporativa – O Poder de Transformação das Empresas”
por Compliance Comunicação
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Fonte: PORTAL CONTNEWS
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