A economia brasileira cresceu 1,2% no segundo trimestre, mas a recuperação vem marcada pela desigualdade entre os setores.
O resultado da indústria, com avanço de 2,2% sobre o trimestre anterior, surpreendeu positivamente.
Contudo, vindo de uma série de trimestre com resultados fracos, o setor ainda patina: é o único dentro do Produto Interno Bruto (PIB) que ainda não recuperou as perdas da pandemia da Covid-19.
De seus 25 subsetores, 16 ainda registravam, no mês de junho, desempenho abaixo do que tinha em janeiro de 2020.
Os dados dos setores são das pesquisas mensais de cada um deles, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e que são usadas, juntamente com outros dados coletados pelo instituto, para o cálculo do PIB.
Os números apenas consolidam o que vivem empresas e funcionários:
- Prejuízos financeiros;
- Cortes de funcionários
- Trabalhadores desempregados há meses;
- Pouca perspectiva de melhora
Desigualdade dentro da indústria
Mesmo dentro da indústria, há pessoas sofrendo de maneira muito mais intensa que outros: quatro setores registraram, no mês de junho, perdas nos dois dígitos em relação ao período pré-pandemia.
As maiores quedas de junho em relação a janeiro de 2020 foram:
- Fabricação de móveis: -21,2%
- Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos: -19,4%
- Fabricação de outros equipamentos de transporte: -16,8%
Já na comparação entre o segundo e o primeiro trimestres deste ano, quem mais sofreu foi o setor de fabricação de alimentos. Com o aumento do custo de produção de um lado e a diminuição do poder de compra do outro, a indústria precisou diminuir a atividade.
“A queda de renda faz com que as pessoas migrem para alimentos mais baratos. Elas procuram alimentos como batata e arroz, e as opções mais industrializadas, de maior valor agregado, perdem demanda”, explica o economista Juan Jensen, sócio da consultoria 4i.
Na realidade, as fábricas tiveram que diminuir a quantidade de produtos disponíveis para venda, principalmente aqueles que custam mais para serem feitos e são mais caros no mercado.
Setor de laticínios sofre
Um exemplo dessa redução é a empresa Ultracheese, detentora de grandes marcas do setor de laticínios que parou de vender cortes maiores e mais caros de queijos, como o brie e o gruyère, além de ter diminuído e zerado algumas ofertas de queijos sem lactose.
Ela também passou a apostar mais nos produtos mais baratos como forma de ganhar com “eficiência”, conta o diretor de operações Edson Martins, porque o custo de produzir um tipo só em grande quantidade é menor que o de fazer vários tipos de queijo em quantidades menores.
A empresa também teve que aceitar um pouco de prejuízo e precisou renegociar todos os seus contratos.
“Negociamos descontos com fornecedores de insumos e embalagens. E tivemos que pensar como fazer para repassar o mínimo possível ao consumidor. No nosso caso em específico, a gente teve um aumento da matéria-prima de 35 a 40% e a gente passou 18% para o consumidor. Para o restante, a gente buscou a eficiências dentro de casa, mas tivemos que comprometer a margem da companhia”, afirma.
A dificuldade da indústria se apoia em vários fatores. Segundo Jensen, o principal deles é o redirecionamento do consumo de bens para serviços, após a reabertura, o que levou à queda do varejo e da produção de bens.
“Temos também um quadro de mercado de trabalho e de preços que também afetam a dinâmica dos mais diversos setores. De um lado, o número de pessoas empregadas aumentou, mas a renda delas não voltou ao mesmo patamar por causa da inflação. Os preços aumentaram devido à demanda aquecida e diante da conjuntura internacional de retração de oferta em função da dificuldade das cadeias produtivas e falta de insumo. Então tivemos um aumento de preços muito forte que corrói renda”, explica.
Alta dos juros e inflação acima dos dois dígitos, falta de peças e matérias-primas também contribuem para o fraco desempenho da indústria, explica o especialista em análise macro da Quantzed, Fabio Fares.
Outros setores
Mesmo que o comércio e os serviços já tenham superado o patamar de antes na pandemia no geral, quando se olha especificamente para o subsetor, 12 das 28 subdivisões ainda não haviam se recuperado em junho.
Os setores que, em junho, mantinham as maiores distâncias do patamar da pandemia entre os serviços eram:
- Serviços audiovisuais, de edição e agências de notícias: -9,8%
- Serviços de alojamento e alimentação: -7,2%
- Telecomunicações: -6,8%
E entre os setores do comércio:
- Livros, jornais, revistas e papelaria: -33,2%
- Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação: -13,1%
- Móveis e eletrodomésticos: – 12,9%
Apesar de o comércio ter se recuperado, a atividade vem registrando queda mês a mês desde abril. Também aqui, inflação e juros estão na raiz do problema.
“As pessoas evitam gastar dinheiro à toa. Com medo, procuram gastar com o básico porque o salário não fecha a conta. A migração de investimentos para renda fixa é muito grande porque as pessoas estão evitando gastar dinheiro agora”, explica Fares.
O impacto para trabalhadores e empresários
A recuperação lenta também impacta a oferta de empregos, que segue lenta.
A empresa onde Raquel Teles dos Santos trabalhava alegou que estava “no vermelho, com muita dificuldade” para dispensá-la, em março deste ano, 10 meses depois de contratá-la. Antes da demissão, ela já estava com salários e vales atrasados há dois meses.
Raquel ainda não conseguiu se recolocar no mercado. Ela, que já se inscreveu em 50 vagas de emprego nesse período, sente que, além da crise do setor, sua idade, 43 anos, a coloca em desvantagem.
A Ultracheese não demitiu, mas precisou fechar vagas quando as pessoas saíam da empresa por conta própria nos primeiros meses do ano. Agora que o preço do leite está se normalizando, eles já voltaram a abrir algumas das vagas fechadas.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Laticínios e Alimentação de São Paulo, Carlos Vicente, diz que precisou fazer seis greves e paralisações este ano para garantir pelo menos a reposição da inflação nos salários, mas todos os casos foram parar na Justiça por falta de acordo.
Para os economistas entrevistados pela reportagem, a persistência dos juros altos vai ser uma pedra no sapato da indústria brasileira. Agora, se a inflação continuar a cair, o cenário fica mais favorável.
“Com Selic alta desse jeito, ninguém quer saber de investir ainda mais em tempos de volatilidade com eleições. Incertezas políticas não ajudam na recuperação. Isso tende a se recuperar quando tivermos a perspectiva de que a Selic irá cair, por volta do meio do ano que vem. E isso também depende do resto do mundo, que também precisa voltar ao normal”, avalia Fares.
Jensen explica que quando isso passar, a indústria vai precisar voltar a olhar para seus problemas como as “discussões de desindustrialização e questões de vantagem competitiva que afetam especificamente o setor”.
Com informações do g1 Economia
Fonte: Contábeis
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