Certamente a matéria em compensação tributária não é a mais tranquila, pacífica em se tratando de que do outro lado temos a “Fome do Leão”, conhecido como Receita Federal do Brasil.
A compensação tributária é em breves linhas o encontro de contas, entre devedor e credor recíprocos.
Consoante dispõe o art. 156, II, do CTN[1], a compensação constitui modalidade de extinção do crédito tributário. Isto é, a obrigação tributária (crédito e débito) se resolve. O art. 170 do CTN diz que a lei pode autorizar a compensação de débitos com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Nesse diapasão, a Lei n. 9.430/1996, por seu art. 74[2], assegura que “O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão”. A matéria se encontra sumulada pelo STJ, no verbete 213.
Na doutrina, Paulo César Conrado[3], ao comentar o art. 156 do CTN assenta que ‘como modalidade extintiva da obrigação tributária, a compensação guarda como pressuposto a existência de duas relações jurídicas inversas: o credor, na primeira relação, apresenta-se como devedor na segunda e vice-versa.’ Por isso, ensina que ‘a compensação, como o pagamento, é forma de extinção que se opera não só à vista do crédito tributário, mas também do dever jurídico portado pelo contribuinte’.
Na seara do Direito Civil, o instituto jurídico da compensação vem regulado desde o direito romano, em que se tinha como ideia sopesar os débitos na balança, até onde se encontrasse. A ideia evoluiu até os contornos hoje conhecidos.
Clóvis Bevilaqua[4], autor do Código Civil de 1916, em sua obra Direito da Obrigações, sintetiza que ‘Quando duas pessôas reúnem as qualidades de credor e devedor, conjunta e reciprocamente, dá-se a compensação, modo de extinguir obrigações’. Assim, complementa: “Para se dará compensação, necessários serão os requisitos em seguida indicados: 1º, que cada um dos obrigados, o seja por obrigação principal e por crédito principal; 2º, que as dívidas sejam de direito […]; 3º, que sejam exigíveis, vencidas e líquidas’. ‘O efeito da compensação é extinguir as duas dívidas encontradas, em parte, se são eguais, e isso desde o momento em que começou a mutualidade dos vínculos obrigacionais, independentemente da vontade dos devedores’.
Paulo Nader[5], ao conceituar compensação, leciona que “O instituto da compensação, em sua concepção fundamental, constitui menos uma construção jurídica do que uma cópia de práticas intuitivas. É simples em sua concepção e ao ser exercida nas relações negociais, não surpreende a qualquer dos envolvidos com o inusitado, uma vez que é procedimento entranhado na experiência. Suas fórmulas básicas seguem a ordem natural das coisas e se fundam no valor equidade”. Para fechar o raciocínio, assenta que “A compensação ex vi legis é involuntária e opera-se automaticamente, desde que preenchidos certos requisitos, como o de liquidez e fungibilidade dos débitos, entre outros. Independe da vontade e prevalece ainda contra ela”.
Em outras palavras, sendo o contribuinte devedor de débitos parcelados ou não perante a RFB, mas, ao mesmo tempo, tornara-se credor de créditos líquidos e certos junto à RFB (devidamente habilitados, de origem de processo judicial transitado em julgado), o fenômeno jurídico do nascimento dos créditos de PIS/COFINS, gera, automaticamente o direito à compensação, ex vi legis. Ou seja, o direito à compensação não nasce da vontade das partes.
Nesse contexto, estabelece o Código Civil, no art. 368, que “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se até onde se compensarem”. Nessa senda, leciona Maria Helena Diniz[6], citando Álvaro Villaça Azevedo, que, ‘se dois indivíduos se devem mutuamente, serão, recíproca e concomitantemente, credor e devedor um do outro, e solver-se-á a relação obrigacional até a concorrência dos valores das prestações devidas, de modo que, se um tiver de receber mais que o outro, continuará credor de um saldo favorável e decorrente do balanço’. Na lição de NADER[7], a palavra compensação provém do Direito Romano, com o significado de pesar na balança uma coisa e outra, a fim de se apurar se os pesos são iguais. De modo a zerar débito e rédito (se for total).
Daí por que, no caso concreto, posto em discussão na Justiça Federal do Distrito Federal, os princípios da Administração Pública, plasmados na Constituição da República, tais como razoabilidade, economicidade, eficiência, impessoalidade, moralidade, razoável do duração das demandas (judiciais ou não) e da isonomia, demonstraram a racionalidade e a necessidade da quitação/redução dos débitos parcelados com créditos líquidos e certos (devidamente habilitados na RFB), do mesmo contribuinte, habilitados perante a RFB, sem prejuízo para a Fazenda Pública que solverá, a um só tempo, créditos e débitos do contribuinte, mediante encontro de contas.
No caso aqui tratado, o contribuinte possui créditos de PIS/COFINS, líquidos e certos, reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado e que já foram habilitados na RFB, decorrente de recolhimento indevido de ambas as contribuições, com a inclusão do ICMS em suas bases de cálculos.
STJ, apreciando a matéria, pacificou o entendimento de que ‘a compensação de ofício não viola a liberdade do credor e que o suporte fático da compensação prescinde de anuência ou acordo’[8].
O contribuinte possui débitos parcelados no Refis, Lei 12.996/2014 junto à RFB, e que de forma administrativa não há como proceder a compensação por meio do Per/dcomp, pois sequer existe no referido sistema o código da Receita 4750 para que se proceda o devido acerto de contas (débito do contribuinte – seu crédito).
Com a publicação da Lei 14.375/2022 houve considerável alteração na Lei 13.988/2020 no que tangue às transações de dívida tributária, vejamos alguns destaques:
CAPÍTULO IV
ALTERAÇÕES DA LEGISLAÇÃO CONCERNENTE ÀS TRANSAÇÕES DE DÍVIDA
Art. 10. A Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º ……………………………………………………………………..
§ 4º……………………………………………………………………………..
I – aos créditos tributários sob a administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia;
……………………………………………………………………….” (NR)
“Art. 2º ……………………………………………………………………..
I – por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, na cobrança de créditos que seja da competência da Procuradoria-Geral da União, ou em contencioso administrativo fiscal;
……………………………………………………………………….” (NR)
“Art. 10-A. A transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, observada a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.”
“Art. 11. …………………………………………………………………..
V – o uso de precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros.
§ 1º É permitida a utilização de mais de uma das alternativas previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo para o equacionamento dos créditos inscritos em dívida ativa da União.
Vejam leitores, a falta de isonomia, pois, um devedor que está inadimplente, que o crédito do fisco está quase que perdido, “irrecuperável” goza de benefícios de descontos, podendo ofertar “precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros”[9].
Neste ponto, não há isonomia em comparação ao caso concreto que fora apresentado à Justiça Federal do DF, levando-se em conta que o contribuinte tem créditos já devidamente habilitados junto a RFB, e naquele órgão possui parcelamento no Refis, regularmente sendo adimplido, portanto a compensação é medida que se impõe, devendo seu crédito ser reduzido do saldo devedor restante no parcelamento.
Conforme relatado, o contribuinte por meio dos advogados Paulo Rodrigues da Silva e Natal Moro Frigi, obteve decisão junto à Justiça Federal do DF, nos seguintes termos
Não obstante a certidão de prevenção positiva de ID XXXX, verifica-se que o assunto tratado naquele processo difere da presente ação.
No caso, não vislumbro óbice no fato da autoridade coatora realizar a compensação de ofício desejada pelo impetrante, reduzindo o saldo do parcelamento com créditos líquidos e certos, habilitados perante o Fisco.
O impetrante comprovou a existência de crédito em seu favor ID XXXXXXX habilitado no processo Administrativo nº XXXXXXX. O perigo da demora está no fato de que a compensação mensal amortizar valores muitos menores do que a compensação pleiteada pela impetrante.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de liminar para que seja reconhecido o pedido de crédito já devidamente habilitado no Administrativo nº XXXXXXXXX desde XX/XX/XXXX descontado do saldo devedor no Refis. 01. Intimações e notificações: (1) Intime-se a parte autora. (2) Notifique-se a autoridade coatora para prestar informações. (3) Cientifique-se o órgão de representação judicial da autoridade coatora.
É certo que conforme indicado, o crédito para ser descontado/reduzido do saldo devedor, parcelado ou não, este deverá estar devidamente habilitado junto à RFB, e o contribuinte deve buscar o judiciário para ter o seu direito respeitado, devido aos impedimentos pela via administrativa.
Elogios, Críticas ou Sugestões.
[1] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: II – a compensação.
[2] Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002) (Vide Decreto nº 7.212, de 2010) (Vide Medida Provisória nº 608, de 2013) (Vide Lei nº 12.838, de 2013).
[3] CONRADO, Paulo César. Comentários ao CTN. São Paulo: MP editora, 2005, comentário ao art. 156, p. 1176.
[4] CLÓVIS BEVILAQUA. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: 1977, Ed. Rio, pp. 132-33.
[5] PAULO NADER. Curso de Direito Civil, v. 2, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 409-10
[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral das Obrigações. 36ª ed. Vol. 2, São Paulo: Saraiva, 2021, p. 344.
[7] NADER, op. cit. P. 410.
[8] Regina Helena Costa, CTN comentado em sua moldura constitucional, Forense, Rio de Janeiro: 2021, p. 362.
[9] Lei 14.375/2022. Art. 11. …………………..V – o uso de precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros. § 1º É permitida a utilização de mais de uma das alternativas previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo para o equacionamento dos créditos inscritos em dívida ativa da União.
Por: Natal Moro Frigi Moro, Advogado Especialista em Direito Tributário, Contabilista, Sócio Fundador da Tolentino & Moro Frigi Advogados Associados e Paulo Rodrigues da Silva, Advogado tributarista no Tolentino & Moro Frigi Advogados Associados. Procurador da Fazenda Nacional Aposentado. Ex-Procurador Federal do INSS
Fonte: Contábeis
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