imposto de renda / Imagem: Freepik

Durante reunião do Conselhão em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um desabafo curioso: “Meu salário não é muito não, viu? Salário de presidente acho que é R$ 46 mil, paga 27% de imposto de renda, o PT me cobra R$ 4 mil na fonte, me sobram R$ 21 mil. Não é fácil a vida”.

A frase arrancou risos de alguns presentes, mas também provocou perplexidade. Afinal, enquanto o presidente reclama dos descontos, a grande maioria dos brasileiros paga proporcionalmente mais imposto e recebe muito menos em troca — sem auxílio de cartão corporativo, residência oficial ou aviões da FAB.

É mais um episódio que escancara a desconexão entre a elite política e a realidade econômica da população. E por mais que o comentário tenha sido feito em tom de brincadeira, ele levanta uma discussão séria: quem realmente paga a conta do Imposto de Renda no Brasil?

Uma conta que não fecha

A alíquota máxima do Imposto de Renda para pessoas físicas é de 27,5%. E ela incide sobre qualquer cidadão com renda mensal superior a R$ 5.830,85 — o que significa que um professor universitário, um gerente bancário ou um servidor concursado já está na mesma faixa tributária que o presidente da República.

Mas há uma diferença fundamental: esses profissionais, em sua maioria, vivem exclusivamente do que recebem no contracheque, enquanto o presidente tem a maior parte de seus custos de vida bancados pelo Estado. Em termos práticos, o salário líquido não reflete o padrão de vida, porque Lula, assim como outros políticos de alto escalão, dispõe de uma estrutura de apoio e benefícios que nenhum trabalhador comum possui.

Os benefícios não tributáveis da Presidência

Embora o salário bruto de Lula seja de R$ 46.366,19, o valor líquido, segundo ele próprio, gira em torno de R$ 21 mil, já com os descontos de IR e da contribuição partidária ao PT.

Contudo, esse “salário líquido” não precisa cobrir despesas como:

  • Moradia: o presidente reside no Palácio da Alvorada, um imóvel de mais de 7 mil m², com segurança, piscina e serviços de apoio;
  • Alimentação: parte das refeições e eventos são custeados pelo Estado;
  • Transporte: carros oficiais e aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) estão à disposição 24 horas por dia;
  • Saúde: plano de saúde de excelência, com atendimento privilegiado e rede ampliada;
  • Viagens: cobertas por verbas públicas, inclusive com direito a diárias;
  • Equipe pessoal: assessores, motoristas e auxiliares pagos com dinheiro público.

Esses benefícios, embora tenham valor econômico real, não são contabilizados como renda tributável. Ou seja, o presidente tem acesso a uma “renda indireta” isenta de Imposto de Renda, algo impensável para qualquer trabalhador formal.

O cartão corporativo como extensão da renda

Outro ponto sensível é o cartão corporativo da Presidência, que já acumulou mais de R$ 55 milhões em gastos entre 2023 e 2025, segundo dados divulgados pelo Portal da Transparência. Cerca de 99,5% dessas despesas são consideradas sigilosas e, portanto, não passíveis de auditoria pública detalhada.

Embora o cartão seja de uso institucional, parte considerável das despesas — como alimentação, deslocamento e hospedagem — substitui gastos que, em qualquer outra realidade, seriam pagos com o salário. Na prática, o cartão corporativo funciona como uma extensão da remuneração, livre de tributação e com baixa transparência.

A carga tributária de quem vive de salário

Enquanto isso, o brasileiro comum paga Imposto de Renda sobre tudo que entra na conta, mesmo que tenha de arcar com aluguel, transporte, plano de saúde, educação dos filhos, alimentação e previdência. É a chamada “tributação sobre a sobrevivência”, em contraste com a “vida subsidiada” da elite do serviço público e da alta cúpula do poder político.

Com isso, a estrutura do IR no Brasil acaba sendo, na prática, regressiva: quem ganha menos paga proporcionalmente mais, considerando os descontos limitados e a ausência de isenção sobre benefícios essenciais. E mesmo aqueles isentos do IRPF ainda enfrentam o peso dos tributos indiretos sobre o consumo — como ICMS, PIS, COFINS e outros — embutidos em produtos e serviços.

O problema não é o salário. É o sistema.

A fala de Lula desperta uma reflexão importante: o problema não está exatamente no valor do salário presidencial, mas na estrutura desigual do sistema tributário brasileiro. Um sistema que:

  • Tributa salários com rigor, mas não toca em rendimentos isentos e benefícios públicos;
  • Penaliza quem vive do próprio trabalho, mas preserva quem vive do Estado;
  • Trata desigualmente quem já enfrenta desigualdade.

Reclamar dos descontos no contracheque é legítimo. Mas fazer isso ocupando o cargo mais privilegiado do país, com acesso a tudo que o Estado pode oferecer, soa — no mínimo — insensível.

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O verdadeiro desafio tributário

Se o presidente quiser, de fato, discutir justiça fiscal, seria mais produtivo olhar para a estrutura como um todo: por que os penduricalhos dos deputados, senadores e membros do executivo são isentos? Por que os gastos de cartões corporativos não são lançados como rendimento para tributação e maior transparência? Por que trabalhadores pagam, proporcionalmente, mais do que políticos?

Enquanto essas perguntas seguirem sem resposta, frases como “não é fácil viver com R$ 21 mil” tendem a cair no vazio — ou pior, ofender quem realmente luta para viver com um salário mínimo e ainda paga imposto sobre tudo.

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