Augusto Aras defende que a troca de informações é essencial para fiscalizar regularidade de doações para campanhas eleitorais
O compartilhamento de dados entre a Receita Federal e o Ministério Público Eleitoral para fins de apuração da regularidade de doações feitas por pessoas físicas para campanhas, sem prévia autorização judicial, é constitucional. É o que defende o procurador-geral da República, Augusto Aras, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF). O caso está em discussão no Recuso Extraordinário 1.296.829/RS, proposto pelo MP Eleitoral contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que considerou ilícita as provas obtidas mediante transferência de dados entre a Receita e o MP, sem autorização prévia. Para o procurador-geral, a medida não fere o direito à privacidade e atende ao interesse público, ao garantir a lisura e a legalidade dos processos eleitorais e o combate ao abuso de poder econômico. Por isso, ele defende que o Supremo fixe tese de repercussão geral autorizando a troca direta de informações.
A Lei 9.504/1997, que regula as eleições, permite que pessoas físicas façam doações para campanhas eleitorais, limitadas a 10% dos rendimentos brutos registrados no ano anterior ao pleito. Havia limite também para pessoa jurídica, derrubado por legislação posterior. Para fiscalizar a regularidade das doações, o TSE e a Receita assinaram a Portaria Conjunta 74, que dispõe sobre o intercâmbio direto de informações entre os órgãos.
A cada eleição, a Receita recebe da Justiça Eleitoral a lista das doações realizadas por pessoas físicas e jurídicas. Depois de cruzamento nos bancos de dados, indica possíveis doações realizadas em desconformidade com a legislação. Os dados repassados se resumem ao nome do doador, valor da doação, rendimentos declarados à Receita no ano anterior e número do CPF ou CNPJ. As informações são enviadas ao MP Eleitoral, que pode elaborar representações por doações ilegais. Apenas em 2010, foram mais de 10 mil representações apresentadas com base nessas informações. Apesar disso, o TSE considerou ilícita prova obtida dessa forma, por falta de prévia autorização judicial para compartilhamento de dados sigilosos. O Ministério Público Eleitoral apresentou então o recurso extraordinário ao Supremo, que reconheceu a repercussão geral da matéria (Tema 1.121).
No parecer, Augusto Aras defende que o compartilhamento de dados entre Receita e MP Eleitoral sem autorização prévia da Justiça não configura invasão à esfera privada do indivíduo. Isso porque essas informações têm impacto direto na vida pública. “Os dados econômicos e financeiros referentes às doações eleitorais, que servem para verificação dos limites permitidos e possível cometimento de irregularidades, inserem-se na esfera da intimidade que reverbera para o âmbito público, pois não têm relação direta com o essencialmente íntimo e indevassável do indivíduo, espraiando-se para a dimensão de outros, notadamente do Estado”, afirma.
O PGR sustenta que o compartilhamento de dados como previsto na portaria conjunta não se confunde com quebra de sigilo. “Há, na verdade, transferência de informações sigilosas entre órgãos que têm como mister, respectivamente, guardar os dados fiscais de contribuintes e zelar pela licitude da disputa eleitoral”, afirma. Ao receber as informações, Justiça Eleitoral e MP Eleitoral devem preservá-los, limitando seu uso ao que for estritamente necessário para punição de irregularidades.
Aras lembra também que, embora seja um direito fundamental, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada não é garantia absoluta e pode ser relativizada quando entrar em conflito com outros direitos especialmente protegidos. Segundo ele, o compartilhamento direto de dados atende ao interesse público, ao permitir o aprimoramento do controle das doações eleitorais. Isso protege as eleições contra o abuso poder econômico, com “tutela do princípio da cidadania, bem como do próprio Estado Democrático de Direito”, afirma.
O PGR afirma que próprio Supremo já reconheceu a legalidade do compartilhamento de dados fiscais com órgãos de controle e fiscalização, para tutelar interesse público, sem prévia autorização judicial. Ao analisar o Tema 990 da Sistemática de Repercussão Geral, o Supremo considerou constitucional o envio de dados bancários e fiscais dos contribuintes aos órgãos de investigação criminal (Ministério Público e Polícia Judiciária), sem intermediação do Poder Judiciário, desde que as informações seja usadas de forma proporcional e razoável e com a finalidade de defesa da probidade e do combate à corrupção. Para Aras, mesmo entendimento deve ser adotado no presente caso, e o STF deve fixar tese que permita a troca direta de informações entre Receita e Justiça Eleitoral, sem necessidade de autorização prévia.
Íntegra da manifestação no RE 1.296.829/RS
Por Secretaria de Comunicação Social / Procuradoria-Geral da República
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Fonte: Contabilidade na TV
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