A USUCAPIÃO ainda hoje é um instituto bastante denso e complexo que pode revelar diferentes e conflitantes opiniões (e paixões) por parte de quem passa a conhecê-lo e pretende entendê-lo em seus mais diversos aspectos. Engana-se quem acha que bastam alguns semestres na faculdade de Direito para compreendê-lo por inteiro. Na prática diária notamos que, naturalmente, quem “perde” um imóvel por conta desse fenômeno não enxergará nele a utilidade e benefícios que os estudiosos da matéria apontam (especialmente a regularização imobiliária que ela permite). Deveras, usucapião exemplifica bem o preceito que se aprende também na faculdade sobre o qual o Direito não socorre quem dorme. Ninguém perde um imóvel (ou parte dele) da noite para o dia. A usucapião nasce como fruto de diversos requisitos legais e nenhum dele se escora em elemento “surpresa”.
Como sempre destacamos aqui a Usucapião é uma legítima e reconhecida forma de aquisição da propriedade móvel e imóvel. Diversas são as modalidades e dentre elas podemos destacar a USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA, embasada no art. 1.238 do CCB (que exige o prazo de 15 anos de posse qualificada) mas que também admite redução de prazo para 10:
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“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.
A respeito dessa importante modalidade de Usucapião ensina o douto professor e Desembargador Aposentado do TJSP, hoje Advogado, Dr. JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES em sua clássica e prestigiada obra (Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 2010):
“A norma legal supratranscrita se refere ao que a doutrina denominou ‘usucapião extraordinária’, em contraposição à ‘usucapião ordinária’, para a qual se exige justo título e boa-fé. São, portanto, requisitos para a usucapião extraordinária: 1º. POSSE (sem oposição, isto é, mansa e pacífica); 2º TEMPO (decurso do prazo de quinze anos, sem interrupção); 3º ANIMUS DOMINI (intenção de ter a coisa como dono) e 4º OBJETO HÁBIL”.
Questão muito interessante diz respeito aos casos onde um mesmo imóvel pode pertencer a duas ou mais pessoas, não importando se entre essas pessoas exista ou não vínculo de parentesco ou qualquer outra forma de relação. Nesses casos teremos o que a lei chama de PROPRIEDADE CONDOMINIAL, regida pelas regras previstas no art. 1.314 e seguintes do Código Reale. Sabemos que várias pessoas podem adquirir um mesmo imóvel (terreno, casa, sala, apartamento etc) e com isso estabelecer uma propriedade em condomínio, como previsto em nossa legislação. Essa aquisição pode se dar “intervivos” (por Escritura de Compra e Venda ou Doação, por exemplo, em favor de mais de um adquirente) ou mesmo “causa mortis”, quando a coletividade de pessoas (filhos por exemplo) recebe imóveis egressos de HERANÇA. Nessa modalidade coletiva divide-se a propriedade em frações iguais caso o título aquisitivo não tenha disposto de forma diversa, prestigiando-se a regra do par. único do art. 1.315 do CCB (“Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos”).
É importante anotar que é plenamente possível que um dos titulares possa haver para si, consolidando a integralidade do bem, a propriedade das demais frações através da USUCAPIÃO (tanto pela via judicial quanto pela via EXTRAJUDICIAL, com base na regulamentação do CNJ – Provimento 65/2017). Essa é uma das interessantes hipóteses desse importante instituto, que, preenchidos os requisitos legais, acrescidos da importante e necessária demonstração do exercício da posse com EXCLUSIVIDADE e SEM OPOSIÇÃO dos demais co-proprietários, permitirá àquele interessado a regularização da situação imobiliária que deixará, portanto, de ser uma propriedade condominial para ser uma propriedade exclusiva – com óbvios efeitos projetados no RGI.
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A melhor jurisprudência, amparada em precentes sólidos do STF (RT 493/237 e RTJ 76/855) assim como do STJ (REsp 1631859 SP) dão base para tal pretensão:
“TJPR. 0003607-23.2015.8.16.0083. J. 29.05.2019. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE. ANIMUS DOMINI DEMONSTRADO. 1. É PERFEITAMENTE POSSÍVEL A USUCAPIÃO POR UM DOS CONDÔMINOS, DE TODO IMÓVEL, DESDE QUE DEMONSTRE POSSE COM INTENÇÃO DE ADQUIRIR A COISA PARA SI, BEM COMO AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DOS DEMAIS CONDÔMINOS DURANTE O PRAZO PRESCRICIONAL. PRECEDENTES DO STJ – “o condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários”. (RESP 1631859/SP). SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO”.
Fonte: Julio Martins
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