Este escrito tem como objetivo analisar os efeitos tributários envolvendo o envio físico de bens, inclusive produção agroindustrial, entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, localizados em diferentes Estados, ou seja, operações entre matriz-filial, filial-filial, ou, em se tratando de pessoa física, entre diferentes propriedades.
Para facilitar a compreensão do tema, partiremos de duas situações hipotéticas que são rotineiras na atividade rural: i) produtor rural que possui mais de uma propriedade, transfere seu rebanho de uma para outra fazenda, em razão de estiagem, manejo de gado ou melhor aproveitamento de pasto, entre diversos outros motivos; e ii) produtor rural que possui mais de uma propriedade, adquire e estoca os insumos (fertilizantes, sementes, agrotóxicos, máquinas e etc) por uma delas e depois transfere-os para as demais propriedades, conforme a necessidade.
Esses exemplos, embora não impliquem em circulação jurídica de mercadorias, são previstos em legislações estaduais de diversos Estados da Federação (Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Tocantins, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e Pará) como passíveis de incidência de ICMS.
Entendem os fiscos estaduais que, havendo a saída física do estabelecimento do produtor (ou de qualquer empresa ou filial), não sendo destinado à exportação, haverá a incidência do ICMS, já que houve a circulação física dos bens.
Nada obstante, esse entendimento não está de acordo com o previsto na Constituição Federal e na Lei Kandir para que haja a incidência do ICMS.
Ambas legislações expõem que incide ICMS sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”. Esse o critério material da exação: promover operação de circulação de mercadoria.
Tem-se dois conceitos determinantes para que ocorra a incidência do ICMS, a noção de circulação e a de mercadorias. O direito tributário constitui-se em direito de sobreposição, sendo necessária a incursão em outros ramos das disciplinas jurídicas (sobretudo Direito Civil) para auxiliar a interpretação do caso em análise.
A noção de circulação econômica ou jurídica, envolve a bilateralidade. Só se há falar em circulação se houver troca da titularidade da coisa, ou seja, negócio jurídico entre partes distintas. Essa noção concretiza-se por meio da venda (existência bem definida de um comprador e um vendedor), importação, arrematação.
O outro termo disposto na Carta Magna e Lei Kandir é o de mercadoria. Há tempos o direito empresarial trabalha o conceito de mercadoria como bem, coisa, sujeito à mercancia, ao comércio. Mercadoria, possui caráter de provisoriedade, senão vejamos.
Um computador numa loja de informática trata-se de mercadoria, pois está à mostra, aguardando ser vendida/comercializada. Esse mesmo computador num escritório de advocacia, por exemplo, não é mais mercadoria, considera-se um bem, constituindo o ativo imobilizado do contribuinte. A diferença é evidente.
Portanto, o mero deslocamento físico de bem entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (seja pessoa física ou jurídica) não possui caráter econômico nem implica em operação de circulação apta a à incidência do ICMS.
Tal conclusão não é nenhuma novidade! De fato, desde o ano de 1996 as Cortes Superiores, isto é, o STJ e STF adotam tal entendimento.
Para ser mais claro, desde o ano de 1996, isto é, a mais de 20 (vinte) anos o STJ editou e publicou a Súmula nº 166, segundo a qual:
“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”
Não bastasse a Súmula citada, o STJ julgou o tema em sede de Recurso Repetitivo (Tema 367) por meio do REsp 1.116.792/PB, em 24/11/2010 entendendo:
“(i) o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS … porquanto, para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade”.
No altiplano da Constituição Federal, o STF também já enfrentou reiteradamente o assunto, dando ganho de causa ao contribuinte, ao estabelecer no julgamento do AgR no RE 1.039.439/RS, publicado em 07/02/2018, que:
“I – A mera saída física do bem de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, sem que ocorra a transferência efetiva de sua titularidade, não configura hipótese de incidência do ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual de mercadoria.”
Assim, seja no aspecto legal, no âmbito doutrinário ou na jurisprudência dos Tribunais Superiores, está configurada a inconstitucionalidade e ilegalidade na cobrança de ICMS nos deslocamentos de bens, intraestaduais ou interestaduais, entre estabelecimentos do mesmo proprietário, independentemente de ser operações entre matriz e filial, ou filial para filial ou entre estabelecimentos da mesma pessoa física.
Nada obstante, apesar de configurar patente cobrança indevida, apenas com decisão judicial favorável o contribuinte poderá deixar de pagar o ICMS cobrado sobre essas futuras operações, bem como restituir os pagamentos realizados nos últimos 5 (cinco) anos anteriores à propositura da ação.
Klaus E. Rodrigues Marques é sócio advogado de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, coordenador da filial Goiânia, com atuação na área tributária.
Paulo Felipe Souza é sócio advogado de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, com atuação na área tributária.
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Fonte: Jornal Contábil
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