Decisão abre precedente para limitar a responsabilidade solidária dos sócios em sociedades anônimas
A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) afastou a responsabilidade dos sócios de uma empresa pelo pagamento de dívidas trabalhistas. Na decisão, foi definido que por se tratar de uma sociedade anônima, seria necessário a comprovação do dolo ou da culpa dos empresários.
Trata-se de um processo trabalhista de um engenheiro que, mesmo diante do direito reconhecido pela justiça do trabalho, não conseguiu receber o valor devido pela empresa pelo pagamento espontâneo, nem após a tentativa de busca e apreensão de bens e valores. Diante da execução frustrada, o ex-empregado pediu a desconsideração da personalidade jurídica dos sócios, ou seja, uma situação prevista em lei que permite que diante da ausência de pagamento da dívida trabalhista da empresa, os sócios sejam acionados no processo e sejam responsabilizados pela dívida com o patrimônio pessoal.
No caso em questão, embora o pedido do trabalhador tenha sido aceito pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2/SP), a empresa entrou com recurso e conseguiu eximir os sócios da execução. De acordo com a decisão, do ministro Agra Belmonte, por se tratar de uma sociedade anônima, seria necessário comprovar a culpa dos sócios, o que não ocorreu.
Rafael Federici, especialista em Direito Societário e sócio do escritório Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados, esclarece que o julgamento não tratou diretamente das sociedades limitadas, que também possuem regras sujeitando a responsabilidade dos sócios e administradores à verificação de culpa ou abusos (artigos 50 e 1016 do Código Civil). “Dadas as características e regramentos distintos entre as sociedades anônimas e as limitadas, poderíamos presumir que prevalece para as limitadas o entendimento dos tribunais a respeito da ‘teoria menor’ da desconsideração da personalidade jurídica, no qual bastaria a existência do crédito não satisfeito para que se proceda à responsabilização dos sócios ou administradores. No entanto, é preciso aguardar os julgados futuros sobre o tema”, analisa.
Segundo a advogada Paula Regina Hulle, especialista em Direito Difusos e Coletivos, do escritório Natal & Manssur Advogados, nas sociedades limitadas a responsabilidade dos sócios nas execuções trabalhistas não será limitada pelo capital integralizado, ou seja, os sócios respondem inclusive pelas dívidas contraídas antes de seu ingresso na sociedade. “Por se tratar de crédito alimentar, a responsabilidade não está condicionada à falha na administração exercida pelo sócio administrador, sendo ainda dispensável a ocorrência de fraude ou de abuso de direito”. Quanto à responsabilidade dos administradores da sociedade anônima, a advogada esclarece que deverá ser observado o art. 50 do Código Civil e o art. 158 da Lei 6.404/76, com a comprovação de dolo, culpa ou prática de ato abusivo ou fraudulento, ou ainda com violação da lei ou do estatuto.
Uma das principais diferenças entre a sociedade anônima e a limitada reside na forma de administração. “Geralmente, a sociedade limitada é administrada pelos próprios sócios, embora possa ser nomeado como um administrador um terceiro. Já a sociedade anônima possui órgãos independentes de administração, compostos por membros eleitos com mandatos determinados. Essa diferença faz com que a execução de bens do sócio da sociedade anônima (chamado de acionista) seja determinada pela Justiça com muito mais cautela, apenas nos casos em que o acionista tenha pessoalmente praticado algum ato de infração à lei ou de violação ao estatuto social. Se isso não ocorrer e não for provado, como é o caso da decisão do TST, o acionista não responde, avalia Aloísio Costa Junior, sócio do escritório Ambiel Advogados, especialista em Direito do Trabalho.
A regra geral é que o sócio só pode ser responsabilizado em caso de desvio da finalidade da pessoa jurídica – uso dela com o objetivo de fraudar credores ou para praticar atos ilícitos ou de confusão patrimonial – situação em que o patrimônio da pessoa jurídica se mistura com a pessoa dos sócios e é utilizado indistintamente em favor de todos. Contudo, há normas específicas, como o Código Tributário Nacional ou o Código de Defesa do Consumidor, que autorizam a execução de bens dos sócios em situações menos restritas, por exemplo de mero descumprimento da lei, em determinadas obrigações e relações jurídicas.
“Com base nessas normas específicas, os Tribunais do Trabalho passaram a aplicar, também para os débitos trabalhistas, essa responsabilização mais abrangente do sócio, com o fundamento de que o crédito trabalhista é de natureza alimentar, privilegiado por natureza. Então, há muito é aplicado, na maioria dos casos, o entendimento de que o não pagamento do débito trabalhista é descumprimento da lei que, por si só, autoriza a execução de bens dos sócios”, justifica Costa.
Na avaliação de Federici, a exigência de comprovação de culpa ou dolo para a execução de bens pessoais dos sócios em sociedades anônimas pode dificultar a recuperação de créditos trabalhistas, aumentando a complexidade e o tempo dos processos judiciais. “Isso pode levar a uma maior proteção dos bens pessoais dos sócios, mas também pode resultar em maior insegurança para os trabalhadores na recuperação de seus direitos. Por efeito da decisão do TST, a responsabilidade solidária dos sócios em sociedades anônimas fica mais limitada, exigindo-se a comprovação de culpa ou dolo pessoal de cada um para que seus bens pessoais sejam utilizados para quitar dívidas trabalhistas. Isso reforça a proteção dos sócios contra execuções automáticas de seus bens”, avalia.
Para Paula Regina, o TST não inovou ao determinar a exclusão de dois sócios de uma sociedade anônima de uma execução trabalhista. “A decisão apenas levou em consideração os termos do art. 158 da Lei. 6.404/76 – Lei das Sociedades Anônimas, sendo esse o entendimento já firmado em outros julgados”.
Segundo Costa, essa decisão do TST não tem força obrigatória para outros casos, presentes ou futuros. “Contudo, é um precedente recente e importante que, junto com outros argumentos, pode ser usado como fundamento de defesa por sócios de sociedades anônimas que estejam sendo alvo de pedido de desconsideração da personalidade jurídica por credores trabalhistas”.
Fontes
Aloísio Costa Junior: sócio do escritório Ambiel Advogados, especialista em Direito do Trabalho.
Paula Regina Hulle: advogada especialista em Direito Difusos e Coletivos, integrante da área trabalhista do escritório Natal & Manssur Advogados.
Rafael Federici: advogado especialista em Direito Societário e sócio do escritório Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados. Cursou LL.M em Direito Societário pelo IBMEC São Paulo.
por M2 Comunicação Jurídica
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Fonte: PORTAL CONTNEWS
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