Nada mais comum, nos dias atuais, do que a exposição nas redes sociais. Dia a dia nos deparamos com dezenas de fotos de pessoas nas mais variadas situações: viagens, passeios… Questões cotidianas da vida pulam em nossas telas o tempo todo. As crianças, como não poderia deixar de ser, acabam fazendo parte desta realidade e ficam expostas, muitas vezes pelos próprios pais, ao mundo digital.
A prática de compartilhar fotos e informações acerca dos filhos e do exercício da parentalidade passou a ser conhecida como “sharenting”, termo criado da junção das palavras em inglês “share” (compartilhar) e “parenting” (criação, cuidado parental). Entende-se como sharenting, portanto, a prática reiterada de compartilhamento, pelos pais ou responsáveis, de imagens e informações sobre a vida do filho e de seu cotidiano (escolas, atividades extras, viagens, etc).
Há, inclusive, nesta prática, quem ultrapasse a linha do compartilhamento em suas próprias redes e crie vidas digitais pararelas em nome das crianças, dando a elas perfis próprios que são geridos por seus responsáveis.
O sharenting, por si só, possui aspectos jurídicos na própria relação entre a criança e quem posta a sua imagem ou suas informações. Fato é que, ainda que quem publique na rede tome alguns cuidados – como fazer posts apenas em ambientes privados – supondo que isso seja realmente possível na internet – a imagem da criança permanecerá na rede mundial de computadores por muitos anos, podendo causar a ela prejuízos ou embaraços em algum momento de sua vida. Sob o viés criança versus adulto o sharenting é também bastante discutível, mas não será este o objeto de questionamento neste texto.
A questão principal, por ora, é a seguinte: e quando, em caso de pais separados, um dos genitores quer publicar excessivamente fotos do filho na rede e o outro não?
De fato, ao postar conteúdo sobre uma criança na rede mundial de computadores, os pais não sabem, ao certo, onde essa imagem poderá chegar. A exposição que podia acontecer em outros tempos (de participação em conteúdo televisivo, por exemplo), ganhou uma dimensão muito maior com a popularização das redes sociais, não havendo como prever o alcance da informação e por quanto tempo o que foi publicado perdurará.
É bastante compreensível, portanto, que um dos genitores não concorde com a exposição exagerada de seu filho nas redes sociais e pretenda protegê-lo de tal prática. A publicação de imagens das crianças de maneira excessiva pode comprometer a sua intimidade, sua vida privada e o direito à sua imagem.
A própria legislação vigente garante a proteção das crianças neste sentido, ao prever, tanto no artigo 227 da Constituição Federal, quanto nos artigos 17 e 100, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente tutela aos direitos e meios efetivos de cuidado quando da violação de aspectos inerentes à exposição da criança e do adolescente.
Não podemos negar, portanto, que aquele genitor que perceber possíveis danos ao filho exposto em razão do exagero de postagens tem o direito – e mais, do que isso, o dever decorrente do direito-função que é o poder familiar – de consignar sua insatisfação e, se necessário, tomar providências judiciais para cessar a exposição demasiada da prole.
Por outro lado, aquele pai que posta a imagem do filho, também tem assegurada a sua liberdade de expressão e a livre manifestação de pensamento (direitos fundamentais tais como a privacidade). Deste modo, ao menos em tese, o direito deste genitor de falar de sua própria vida de maneira ampla e irrestrita – o que contemplaria tratar de momentos em que está ao lado de seus filhos e exercendo a sua parentalidade – merece guarida.
O assunto é polêmico e digno de atenção. Concluo pontuando que a exposição dos filhos nas redes sociais deve, preferencialmente, ocorrer em consenso entre os genitores (que precisam compreender, inclusive, a sua responsabilidade perante os direitos da própria criança). Caso contrário, infelizmente, restará judicializar a questão, cabendo ao Estado intervir para garantir tanto a preservação dos direitos das crianças e dos adolescentes, quanto o direito à liberdade de expressão e à livre manifestação do pensamento dos pais.
Silvia Felipe é advogada do escritório Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas – SFEM. Especializada em Direito de Família e Sucessões e especialista em Direito Processual Civil (PUC-SP), Direito de Família e Sucessões (EPD), com formação em Mediação e Arbitragem (PUC-SP); Diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/SP; Membro da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP e Presidenta do NúcleoFam – Núcleo de Aprimoramento Prático de Direito de Família e Sucessões.
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