Não se desconhece que diariamente imóveis são transacionados de forma irregular, sem a documentação devida, com desobservância das prescrições legais, sem a consulta a um Advogado especialista, sem o exame das certidões necessárias, sem a consulta a um Tabelião de Notas. Mesmo com tanta informação (e com ela também muita desinformação) as pessoas continuam neste infeliz expediente – isso quando documentam a transação pelo menos. Perdem todos: as partes pela evidente insegurança e incerteza jurídicas, o investimento muitas vezes de uma vida destinado a uma aquisição cheia de riscos, a desvalorização do seu patrimônio; o Estado na questão da fiscalização e arrecadação de taxas e impostos que poderiam ser direcionados a políticas públicas voltadas justamente para benefício da população, o desenvolvimento da urbanidade, segurança, lazer, saúde, cidadania e dignidade; o meio ambiente em face de sucessivas infringências de normas específicas. A soma disso tudo só faz aumentar a informalidade – muitas vezes com episódios ainda mais graves de tragédias noticiadas na mídia – sem contar no alto número de demandas judiciais no futuro para resolver questões que simplesmente não existiriam se um Advogado especialista fosse consultado e tudo fosse formalizado com o crivo do Tabelião de Notas, com o assento devido no Registro Imobiliário a cargo dos Oficiais Registradores.
Uma solução antiga já existia no ordenamento jurídico, só que exigir sua veiculação somente na via judicial muitas vezes representava mais um óbice à plena regularização de ocupações: a usucapião. Desde o novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 – se tornou possível a regularização de imóveis pela via extrajudicial – sem qualquer intervenção, homologação ou necessidade de atuação do Juiz – ficando a cargo de Notários, Registradores e do Advogado a regularização da propriedade imobiliária mediante o procedimento extrajudicial de reconhecimento e registro da Usucapião.
Instituto complexo que demanda análise aprofundada e contínua, a Usucapião remonta às históricas origens do direito, sendo nova no ordenamento jurídico apenas a sua recente forma de reconhecimento: a via extrajudicial. Não se trata de uma nova “espécie” de Usucapião, mas sim um novo caminho, muito mais fácil, rápido e menos custoso que a tradicional via judicial. Basicamente ele funciona como os procedimentos extrajudiciais inaugurados em 2007 com a Lei 11.441, quando se tornou possível resolver em Cartório, sem qualquer intervenção judicial, divórcio, separação, inventários e partilhas – um verdadeiro caso de sucesso como os números demonstram, resolvendo muito mais rapidamente (e por isso de forma mais barata) a vida dos interessados ao mesmo tempo em que reduzindo drasticamente o número de processos judiciais.
A usucapião extrajudicial, ouso afirmar, pode resolver muitas questões imobiliárias complexas e embaraçadas como aquisição eivadas por irregularidades, imóveis sem matrícula no Cartório do RGI, transações sem documentos ou com documentos particulares, imóveis situados em áreas irregulares, imóveis sem inventário realizado etc – sendo possível até mesmo evitar ações judiciais como adjudicação compulsória.
É de suma importância que o Advogado Especialista seja consultado. Importa ressaltar que da mesma forma que na via judicial o reconhecimento extrajudicial da Usucapião possui caráter declaratório – ou seja, ele não constitui nada – ele apenas declara uma situação já concretizada, sedimentada com a reunião dos requisitos legais exigidos para cada modalidade de usucapião, sendo certo que como já assentado pelas instâncias superiores, o registro do reconhecimento da usucapião no Cartório de Imóveis tem sua importância para conferir disponibilidade, publicidade e oponibilidade ao seu novo titular, regularizando da mesma forma o fólio registral ajustando-o à verdade real, já que o álbum imobiliário deve ser espelho da realidade, refletindo a verdade do estado das coisas nele estampadas.
Por fim, que mesmo no procedimento em Cartório se mostra mandatório conhecer cada uma das modalidades, seus requisitos e especialmente o tempo de ocupação necessário de cada tipo de usucapião, e – não se espante – mesmo com longos prazos de ocupação pode ser que a usucapião não seja reconhecida por atropelar outros requisitos que se façam necessários, como no caso abaixo, onde a autora alega que reside no local há aproximadamente 50 anos ininterruptos e incontestados, tendo comprado a propriedade e recebido escritura pública nos termos legais (íntegra disponível em http://www.juliomartins.net/pt-br/node/220) – senão vejamos:
TRF4. EMENTA: REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL PÚBLICO. USUCAPIÃO. INVIABILIDADE. DIREITO À MORADIA. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. 1. A proteção possessória a que faz jus a União no caso concreto decorre do domínio sobre o imóvel; os entes públicos, dada a sua natureza, merecem proteção possessória muito embora não exerçam, em todas as situações, atos materiais de ocupação. 2. Em se tratando de bem público, inviável sua aquisição por usucapião, haja vista a existência de vedação constitucional (art. 183, §3º, da Constituição Federal). 3. O direito fundamental à moradia pressupõe a existência de políticas públicas para sua efetivação, não sendo autoaplicável, e deve ser exercido com respeito ao ordenamento jurídico, em especial às normas sobre o uso e ocupação do solo e a proteção ao meio ambiente, valores igualmente protegidos pela Constituição Federal. (TRF4, AC 5070713-78.2015.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 20/03/2019). (GRIFAMOS).
Dito isto, reafirme-se que a questão da aquisição da propriedade imobiliária é ato de grande importância e complexidade e, por isso deve observar as necessárias prescrições legais, de forma a obter os pretendentes a almejada segurança jurídica e outras garantias que somente o registro imobiliário pode conferir, nos termos da Lei. Em que pese muitos casos serem passiveis de regularização, inclusive pela usucapião – notadamente a extrajudicial – não se pode afirmar que todos os casos de aquisição irregular serão possíveis – razão pela qual é imperioso prevenir perdas futuras e especialmente desgastes em processos judiciais, buscando a orientação especializada e a aquisição mediante Escritura pública com todas as cautelas de praxe dos Tabelionatos.
Fonte: Dr. Julio Martins
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Fonte: Jornal Contábil
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