Nenhuma lei pode restringir o acesso à Justiça, como faz a norma que criou o “Refis da Crise” ao exigir que empresas em recuperação judicial desistam de quaisquer ações ou recursos contestando o valor de suas dívidas com a Fazenda Nacional, para que possam parcelar o valor devido. Assim entendeu o juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Recuperação e Falências de São Paulo, ao declarar inconstitucional a Lei 13.043/14.
Costa assinou a decisão ao reconhecer pedido de recuperação judicial do parque infantil KidZania (Edutenimento Entretenimentos do Brasil Ltda.), na segunda-feira (23/4). Para ele, “viola o princípio do acesso à Justiça a exigência de que a empresa aderente tenha que desistir e/ou renunciar a qualquer possibilidade de contestação judicial dos tributos”.
Assim, a lei do Refis dá um tratamento mais gravoso para as empresas que estão em situação de maior crise em comparação com outros devedores que não estão em recuperação judicial.
O juiz entende que, enquanto não houver um “sistema completo de equalização do passivo fiscal das empresas em recuperação judicial”, não é possível exigir como condição as certidões negativas de débitos tributários citadas pelo artigo 57 da Lei de Recuperações e Falências.
Carnio Costa deixa claro que o Judiciário não deve interferir nos aspectos negociais do plano, mas tem o dever de controlar os aspectos legais dele. Ele aplicou o chamado “critério tetrafásico de controle judicial do plano de recuperação”. A metodologia foi desenvolvida pelo juiz diante da falta de regulação legal sobre como deve ser feito o controle de legalidade do plano.
O seu principal pressuposto é que o Poder Judiciário deve ajudar as empresas a superar o momento de crise “através da criação, no bojo da recuperação judicial, de um ambiente de negociação equilibrada entre credores e devedores, a fim de que os agentes de mercado possam ajustar um plano de recuperação que atenta minimamente aos interesses da maioria dos credores e, ao mesmo tempo, viabilize a manutenção das atividades da empresa com a preservação dos empregos, dos tributos, da circulação dos produtos, serviços e das riquezas em geral”.
As quatro fases em questão devem verificar se há: cláusulas ilegais aprovadas pelos credores; vícios do negócio jurídico representado pela aprovação do plano pelos credores em assembleia geral; ilegalidade na extensão da decisão da maioria dos credores aos dissidentes; ou abuso do direito de voto.
Cláusulas irregulares
Com base nesses critérios, Carnio Costa também negou a homologação da cláusula do plano que condicionava a convolação em falência à convocação prévia de uma assembleia geral de credores. De acordo com a decisão, a norma, ainda que aprovada pela maioria, é ilegal. Isso porque a Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/05) prevê explicitamente que cabe ao juiz, em caso de descumprimento do plano, convolar a falência, sem nenhuma necessidade de convocar assembleia.
Ao analisar a legalidade da extensão do que foi decidido pela maioria dos credores àqueles que ficaram vencidos, a 1ª Vara de Recuperação e Falências encontrou novo problema. A cláusula 49 do plano permite que os credores perdoem dívidas de coobrigados, fiadores e obrigados em regresso. A norma não deixava claro, no entanto, que isso não pode atingir quem deixou de concordar expressamente com a cláusula, e que por isso tem seu direito ao crédito protegido por lei.
Assim, a decisão determina que a cláusula em questão se aplique apenas aos credores que votaram a favor do plano, sem qualquer ressalva. Para os que estiveram ausentes, votaram contra ou se abstiveram de se manifestar, “reconhece-se que preservam seu direito de buscar a realização do crédito em face dos coobrigados, fiadores, avalistas e obrigados em regresso”, diz a sentença.
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0088007-66.2017.8.26.0100
Marcos de Vasconcellos é jornalista e diretor do site Monitor do Mercado
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Fonte: jc