Às vezes ainda nos confundimos na leitura açodada de alguns casos que nos são propostos, especialmente em assuntos complexos como são os relacionados a DIREITOS SUCESSÓRIOS e DIREITOS IMOBILIÁRIOS. Em sede de Inventário Extrajudicial, aquele da Lei 11.441/2007, sabemos que (salvo exceções já tratadas aqui), não são admitidos HERDEIROS INCAPAZES. A Lei 11.441/2007, Resolução 35 do CNJ e atual art. 610 do CPC/2015 reservam a via extrajudicial para os casos onde inexistam herdeiros ou interessados INCAPAZES, mas seria óbice o fato do AUTOR DA HERANÇA – ou seja, o MORTO, DEFUNTO, FALECIDO – ser (ou melhor, ter sido) incapaz?
A resposta nos parece muito clara: NÃO. O fato de o autor da herança ter sido INCAPAZ não deve obstaculizar a realização do Inventário pela Via Extrajudicial e os motivos são claros: após o advento da Lei 13.146/2015 só resta no ordenamento jurídico brasileiro uma única hipótese de incapacidade ABSOLUTA: os menores de 16 (dezesseis) anos (art. 3º do CCB). As incapacidades RELATIVAS são aquelas do art. 4º. De toda forma, com a superveniência da MORTE já não se deve discutir incapacidade do autor da herança como óbice para a realização do Inventário Extrajudicial – justamente porque a MORTE extingue a personalidade jurídica – art. 6º, CC – e com ela capacidade ou incapacidade, se houver). Sobrevindo o ÓBITO, só deverá importar mesmo se o DEFUNTO deixou herdeiros e bens. Basta pensar no clássico exemplo de um acidente onde o incapaz (menor de idade) tenha falecido, já tinha bens mesmo sendo menor de idade (ou até mesmo estava coberto por verbas securitárias) e tenha deixado herdeiros (normalmente seus ASCENDENTES, caso não tenham morridos todos juntos, na hipótese do art. 8º).
Aqui é importante recordar que é vigente a ordem de vocação hereditária do art. 1.829 do CCB, que assevera:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais”.
No caso em questão, deve ser admitida a possibilidade de realização do Inventário Extrajudicial mesmo com “autor da herança incapaz” se, por óbvio, os demais requisitos do Inventário Extrajudicial estiverem presentes – recebendo herança do autor da herança menor de idade seus ascendentes, observadas as regras do Código Civil – já que o menor de idade não deve mesmo ter deixado descendentes. Sem ascendentes, naturalmente não terá deixado também cônjuge, então deverão receber eventuais colaterais – e por aí vai, seguindo as peculiaridades do caso concreto.
A jurisprudência do TJES já enfrentou caso semelhante, onde verba securitária deixada por menor de idade falecido teve de ser dividida entre seus genitores, reservada a parte do genitor de paradeiro desaparecido, já que não comprovada sua premoriência (falecimento prévio ao autor da herança) – o que permitiria o recolhimento integral da verba pela genitora autora:
“APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO POR MORTE. BENEFICIÁRIOS. VÍTIMA QUE NÃO DEIXOU CÔNJUGE OU DESCENDENTES. OBEDIÊNCIA À ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. VALORES DESTINADOS AOS ASCENDENTES. PARCELA DEVIDA AO GENITOR, CUJO PARADEIRO É DESCONHECIDO. PREMORIÊNCIA NÃO COMPROVADA. COMPLEMENTAÇÃO INDEVIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1) À luz do art. 792 do Código Civil, aplicável à hipótese por força do art. 4º da Lei nº 6.194⁄74, o fato de a vítima ter falecido sem deixar descendentes faz com que o seguro obrigatório (DPVAT) seja pago aos seus herdeiros, que, no caso, são os seus genitores, ex vi do art. 1.829, inc. II, do Código Civil. 2) Ostentando a condição de HERDEIRO, o genitor tem direito ao recebimento de METADE da indenização securitária, a qual, em caso de morte superveniente, será transmitida aos seus herdeiros. Ao revés, na hipótese de PREMORIÊNCIA, o capital segurado deverá ser integralmente revertido em benefício da autora, tendo em vista que, nesta situação, será ela a ÚNICA HERDEIRA deixada pela vítima. 3) Se o genitor da vítima encontra-se DESAPARECIDO há muitos anos e as últimas notícias dão conta que ele teria falecido, a solução é a instauração de procedimento próprio com vistas à abertura da sucessão, pois, verificada a situação de premoriência, poderá a autora pleitear a complementação da indenização, respeitado o prazo prescricional aplicável (…). (TJES. 00008510420158080038. J. em: 03/05/2016)
Original de Julio Martins
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Fonte: Jornal Contábil
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