O Brasil atingiu o maior nível de famílias endividadas desde março de 2010, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC). Em fevereiro de 2022, a inadimplência atingiu 27% dos lares; 6% a mais que o registrado em janeiro. A porcentagem de inadimplentes chegou a 10,5%. O estudo mostrou também que 76,6% das famílias brasileiras têm dívidas a vencer. Há um ano, a proporção de endividados era de 66,7%.
A gestora financeira, especialista em Cálculos Periciais, Luciana Reis, explica o que pode ter levado a este aumento. “Infelizmente, a população em geral sofre com a alta dos preços e o achatamento salarial. O descompasso entre o que se reajusta nas rendas com o que se tem na guerra dos preços, faz com que exista esse desarranjo, levando consumidores a buscarem o crédito ‘caro’, como, por exemplo, uso dos cartões de crédito, cheque especial, empréstimo sem garantia, etc”.
Para permitir que o número de inadimplentes continue crescendo, entrou em vigor, no dia 07 de julho de 2021, a Lei Federal nº 14.191, conhecida como “Lei do Superendividamento”, que oferece uma solução para consumidores que não conseguem mais pagar as parcelas das suas dívidas. Sua grande vantagem é a renegociação das dívidas em bloco.
“O principal objetivo da Lei Geral de Superendividamento é resguardar as condições mínimas de subsistência das pessoas que se encontram nesta situação, ou seja, daquelas que não conseguem pagar suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial. A lei buscou garantir ao consumidor novos mecanismos de equalização e repactuação das dívidas por meio de um plano de pagamento que satisfaça o direito dos credores sem levar o devedor à humilhação e à indignidade”, comenta Reis.
Uma das vantagens da nova lei é que todas as dívidas poderão ser renegociadas ao mesmo tempo. É diferente do que acontece nos feirões “limpa nome”, por exemplo. “O consumidor precisa reunir todas as suas dívidas, mesmo sendo de diferentes credores, e provar que está tendo dificuldade em manter as despesas mínimas do seu dia a dia. Se, ao reunir todas as dívidas, o montante for muito superior a renda do consumidor, é feito um agrupamento do quanto se poder pagar de cada uma delas, sem que o mínimo básico da família seja comprometido”, explica a gestora financeira. Ela ressalta ainda a importância de ter um profissional auxiliando na apuração dos montantes e avaliando a situação financeira do consumidor, para criar um plano estratégico de pagamento.
Luciana acrescenta que o direito a uma espécie de recuperação judicial está garantido, ou seja, consumidores poderão repactuar suas dívidas e negociá-las com todos os credores ao mesmo tempo. A ideia é assegurar um acordo mais justo para os consumidores, assim como é feito quando empresas admitem falência.
O que pode ser renegociado
A renegociação engloba as chamadas dívidas de consumo (carnês e boletos); contas de água, luz, telefone e gás; empréstimos com bancos e financeiras, inclusive cheque especial e cartão de crédito; e, crediários. Ficam de fora da lista os impostos e demais tributos; pensão alimentícia; crédito habitacional (como prestação da casa própria); crédito rural; e produtos e serviços de luxo.
Luciana explica quais são os passos para que a pessoa superendividada recomece sua vida financeira. “O primeiro passo, segundo a nova lei, consiste em procurar a Justiça do seu estado, que encaminhará o caso ao núcleo de conciliação e mediação de conflitos relacionados a dívidas. Sozinha ou acompanhada de um representante legal, a pessoa deve informar à Justiça as dívidas totais e o orçamento doméstico, detalhando valores e para quem deve. Em seguida, os credores são convocados para a audiência de conciliação, na qual o endividado vai propor o plano de pagamento”, explica.
Na sentença também ficará registrado quando o consumidor terá seu nome retirado do cadastro de inadimplentes, além de constar a suspensão ou extinção de ações judiciais de cobrança.
Abordagem invasiva
A Lei do Superendividamento também proibiu a abordagem invasiva, ou seja, uma empresa não pode mais ligar de forma insistente aos consumidores, especialmente os considerados mais vulneráveis, como os idosos e analfabetos. São caracterizadas abordagens invasivas ofertas que levam ao erro, como, por exemplo, dar crédito a quem já possuir nome ou oferecer taxas zero, mas com outras tarifas embutidas no preço.
“Se sentiu pressionado (a) durante o processo de contratação? Saiba que você pode dizer não e deve denunciar o banco por assédio. Essa denúncia pode ser feita ao seu gerente ou à central de atendimento da própria instituição. Caso não seja resolvido, você pode falar com a ouvidoria e enviar uma reclamação para o Banco Central”, orienta Luciana Reis.
Demais obrigações
Outra novidade da legislação diz respeito ao compromisso dos fornecedores quanto a clareza e transparência nas informações do contrato. Obriga bancos, financiadoras e empresas que vendem a prazo, a informar ao consumidor o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros e os encargos por atraso, além do total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos.
As ofertas de empréstimo ou de venda a prazo deverão informar ainda a soma total a pagar, com e sem financiamento. Proíbe propagandas de empréstimos do tipo “sem consulta ao SPC” ou sem avaliação da situação financeira do consumidor.
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Fonte: Jornal Contábil
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