O que é um arrendamento mercantil?
Arrendamento mercantil – ou leasing – é um acordo pelo qual o arrendador transmite ao arrendatário o direito de usar um ativo por um período de tempo, tendo como contrapartida o pagamento de um valor, à vista ou parcelado. Em outras palavras, é quando uma pessoa jurídica (arrendadora) transfere a outra pessoa jurídica (arrendatária) um ou mais ativos, normalmente, qualificados como bens.
O instrumento de arrendamento possui natureza contratual híbrida, já que reúne características de diversos negócios jurídicos, portanto não se confunde com um mero contrato de locação.
Trata-se de contrato bilateral, com direitos e obrigações recíprocas entre as partes, que assume um caráter oneroso (não gratuito). Nesse ponto, destaco que a onerosidade de um contrato de leasing é, em regra, superior à de um contrato de locação comum – em razão dos custos administrativos e financeiros envolvidos na operação.
Tratamento contábil
Conceitos iniciais do CPC 06(R1)
O CPC 06(R1) estabelece, para os arrendatários e arrendadores, políticas contábeis e divulgações apropriadas em relação a arrendamentos mercantis. Um dos conceitos mais importantes definidos na norma é a classificação do arrendamento mercantil em duas modalidades: arrendamento mercantil financeiro e operacional.
Arrendamento mercantil financeiro é aquele em que há transferência substancial dos riscos e benefícios inerentes à propriedade de um ativo. O título de propriedade pode ou não vir a ser transferido. Por este motivo, tal operação deve ser registrada no Ativo Imobilizado – ou no Ativo Intangível, caso o arrendamento tenha por objeto uma marca ou patente.
Arrendamento mercantil operacional é diferente de um arrendamento mercantil financeiro, já que não ocorre a transferência substancial dos riscos e benefícios inerentes à propriedade de um ativo. Desta forma, o registro da operação será realizado em conta de resultado (despesa), visto que em sua essência é um contrato de aluguel.
É oportuno destacar, conforme já exposto, que a transferência da propriedade não é requisito essencial para a classificação de um arrendamento na modalidade financeira, sendo assim, é possível termos um arrendamento financeiro sem a transferência em si da propriedade, bastando ao arrendatário assumir os riscos e benefícios da propriedade.
Como classificar?
Segundo o CPC 06(R1), o contrato de arrendamento deve ser classificado de acordo com a sua essência e realidade financeira e não meramente com a sua forma legal, ou seja, independentemente do que estiver expresso na letra do contrato, é importante que seja considerada a verdadeira essência da operação.
A classificação de um arrendamento deve ser avaliada pela própria entidade. O método mais simples de análise consiste em considerar inicialmente a possibilidade de classificá-lo como arrendamento financeiro. Embora não existam requisitos objetivos para definição de um arrendamento, é possível destacar algumas situações práticas que, individualmente ou em conjunto, o qualifique como financeiro:
- o arrendamento mercantil transfere a propriedade do ativo para o arrendatário no fim do prazo do arrendamento mercantil;
- o arrendatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera seja suficientemente mais baixo do que o valor justo à data em que a opção se torne exercível de forma que, no início do arrendamento mercantil, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
- o prazo do arrendamento mercantil refere-se à maior parte da vida econômica do ativo, mesmo que a propriedade não seja transferida;
- no início do arrendamento mercantil, o valor presente dos pagamentos mínimos do arrendamento mercantil totaliza pelo menos substancialmente todo o valor justo do ativo arrendado;
- os ativos arrendados são de natureza especializada de tal forma que apenas o arrendatário pode usá-los sem grandes modificações.
Realizada a análise, caso a entidade verifique a impossibilidade de classificação da operação como arrendamento financeiro, é dever da entidade classificá-lo como arrendamento operacional.
O arrendamento operacional é tratado contabilmente como mera locação de bens. Nesse sentido, o arrendador e o arrendatário reconhecem, respectivamente, uma receita operacional e uma despesa operacional durante o período do contrato.
No que tange ao arrendamento mercantil financeiro, a mensuração e o reconhecimento exigem aplicações específicas e mais complexas – das quais passamos a discorrer.
Arrendamento mercantil financeiro – reconhecimento e mensuração
Reconhecimento inicial pelo arrendatário
No começo do prazo de leasing, os arrendatários devem reconhecer, em contas específicas, os arrendamentos mercantis financeiros como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao valor justo da propriedade arrendada ou, se inferior, ao valor presente dos pagamentos mínimos do arrendamento mercantil.
Sendo assim, nesse momento, teremos um reconhecimento de um ativo (referente ao item arrendado) e um reconhecimento de um passivo no mesmo montante. A diferença no passivo entre o valor contábil reconhecido e o montante da soma das parcelas será reconhecida como juros a apropriar. Para melhor compreensão destaco um exemplo:
Em 31/12/2013, a empresa D. Faria & Barbeti adquiriu um caminhão por meio de um contrato de arrendamento mercantil financeiro, para ser pago em 6 parcelas anuais e consecutivas no valor de R$ 100.000,00 cada, vencendo a primeira em 31/12/2014, totalizando o montante de R$ 600.000,00. Sabe-se que:
1) o valor presente das prestações, na data de início do contrato, era R$ 462.000,00.
2) O valor justo a ser pago seria de R$ 470.000,00.
Conforme determina o CPC06(R1), o reconhecimento inicial a ser adotado deve ser o menor valor entre o valor justo e o valor presente, portanto, a empresa deve adotar o valor presente. Nesse caso, a contabilização inicial seria:
D – Ativo Imobilizado – R$ 462.000,00 (Ativo)
C – Arrendamento a Pagar – R$ 600.000,00 (Passivo)
D – Juros a Transcorrer – R$ 138.000,00 (Retificadora do Passivo)
Mensuração subsequente pelo arrendatário
Tendo sido realizado o reconhecimento inicial, caberá ao arrendatário o reconhecimento de dois eventos: os encargos financeiros como despesa financeira para cada período contábil e o reconhecimento da depreciação como despesa operacional ou custo operacional.
No que tange aos encargos financeiros, estes serão apropriados segundo o regime de competência, apropriando à conta retificadora do passivo as despesas reconhecidas no período.
Assim, no exemplo dado anteriormente, a empresa aplicaria a taxa de juros do contrato sobre o valor inicialmente reconhecido no ativo e no passivo – valor presente ou valor justo, o que for inferior.
Em relação à depreciação, a política adotada pela empresa deve ser consistente com a política dos demais ativos depreciáveis sobre os quais se detenha a propriedade, e a depreciação reconhecida deve ser calculada de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 27 – Ativo Imobilizado, ou para o caso de amortização, de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 04 – Ativo Intangível.
Quanto ao período depreciável, o CPC determina que, se a empresa não obtiver certeza razoável de que virá a obter a propriedade no fim do prazo do arrendamento mercantil, o ativo deve ser totalmente depreciado durante o prazo do arrendamento mercantil ou da sua vida útil, o que for menor.
Por outro lado, se a empresa arrendatária obtiver certeza razoável de que virá a obter a propriedade no fim do prazo do arrendamento mercantil, o ativo deverá ser depreciado pela vida útil (período de uso esperado).
Reconhecimento pelo arrendador
Os arrendadores devem reconhecer os ativos mantidos por arrendamento mercantil financeiro nos seus balanços e apresentá-los como conta a receber por valor igual ao investimento líquido no leasing.
Um aspecto interessante é que, como os riscos e benefícios serão transferidos pelo arrendador ao arrendatário, caberá ao arrendador reconhecer os pagamentos recebidos pelo arrendador em parte como amortização de capital e em parte como receita financeira.
Uma dúvida muito comum entre as empresas arrendadoras é o tratamento a ser adotado em relação aos custos incorridos. O pronunciamento destaca que se tratando de arrendamento financeiro, os custos diretos iniciais incorridos quando da negociação e estruturação devem ser incluídos na mensuração inicial do valor a receber por meio da redução da receita financeira reconhecida durante o prazo do arrendamento.
Ressalto que é um tratamento diverso do oferecido no arrendamento operacional – aqui, as despesas são adicionadas ao valor contábil do ativo e reconhecidas como despesas durante o prazo do arrendamento mercantil na mesma base do reconhecimento da receita.
Transação de venda e leaseback
Uma transação de venda e leaseback (retroarrendamento pelo vendedor junto ao comprador) envolve a venda de um ativo e o concomitante arrendamento mercantil do mesmo ativo pelo comprador ao vendedor.
Em suma, leaseback é quando uma empresa, necessitando de capital de giro, aliena um bem a uma instituição financeira (venda – “sale”) e esta arrenda tal bem à mesma empresa (arrendamento em retorno – “lease back”). No leaseback, o fornecedor e o arrendatário do bem são a mesma pessoa, não havendo qualquer circulação física da mercadoria, já que o bem em nenhum momento sai do estabelecimento do fornecedor/arrendatário.
O pagamento do arrendamento mercantil e o preço de venda são geralmente interdependentes por serem negociados como um pacote. O tratamento contábil de uma transação de venda e leaseback dependem do tipo de arrendamento mercantil envolvido.
Se uma transação de venda e leaseback resultar em arrendamento mercantil financeiro, qualquer excesso de receita de venda obtido acima do valor contábil não deve ser imediatamente reconhecido como receita por um vendedor-arrendatário, em vez disso, tal valor deve ser diferido e amortizado durante o prazo do arrendamento mercantil.
Se o leaseback for um arrendamento mercantil operacional, e os pagamentos do arrendamento mercantil e o preço de venda estiverem estabelecidos pelo valor justo, na verdade houve uma transação de venda normal, e qualquer lucro ou prejuízo deve ser imediatamente reconhecido.
Recentes alterações do CPC 06
O CPC 06 sofreu recentes alterações, de forma que não será mais possível para o arrendatário a diferenciação entre arrendamento financeiro e operacional, o que pode significar uma perda considerável para as empresas que adotam esses instrumentos como forma de planejamento operacional e fiscal.
A boa notícia é que as empresas que adotarem esses instrumentos até 31 de dezembro de 2018 poderão continuar adotando a regra atual. Por isso, uma recomendação importante é que as empresas analisem, por meio de empresas especializadas, possíveis planejamentos visando estender a aplicação das regras atuais – que em muitos casos são mais benéficas.
As mudanças ocorridas no CPC 06 serão objeto de um novo artigo a ser publicado neste blog nos próximos dias.
Conclusões
Conforme demonstrado no presente artigo, a classificação de um ativo como arrendamento financeiro para um arrendatário pode implicar no reconhecimento de despesas financeiras e operacionais, o que em muitos casos pode trazer consideráveis benefícios fiscais.
Outro ponto, é que a adoção de um arrendamento financeiro pode implicar em melhores índices contábeis para a empresa na análise de demonstrações contábeis – o que favorece a qualidade da empresa na visão dos investidores.
Em outros casos, pode ser mais benéfica a adoção de um arrendamento operacional, posto que permitiria o reconhecimento de uma despesa de aluguel pela arrendatária.
Interessante notar que a classificação e adoção de um arrendamento adequado exige um exame detalhado das operações da empresa, como: classificações dos seus ativos, mensuração do valor justo dos itens arrendados, cálculo dos juros implícitos, análise dos contratos, dentre outros diversos detalhes.
Oportuno destacar que a incorreta aplicação dos instrumentos de arrendamento pode trazer graves prejuízos fiscais e operacionais para a empresa.
Por todo exposto, é recomendado à contratação de serviços especializados na análise dos instrumentos de leasing, área em que o Grupo BLB Brasil tem atuado trazendo relevantes benefícios para seus clientes.
Gabriel Tavares
Graduado em Direito pelas Faculdades COC, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
Fonte: jc