Após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, há dois anos, que não há razão para a chamada desaposentação — quando o aposentado voltava a trabalhar, recolhia mais contribuições ao INSS e renunciava à aposentadoria já concedida para obter outra de valor maior —, segurados do instituto que conseguiram decisões favoráveis na Justiça, determinando o aumento de seus rendimentos, começam a receber cobranças. Depois que a Corte afastou a possibilidade de recurso, a Previdência Social começou a pedir a devolução das diferenças pagas a mais sobre os benefícios, como publicou o jornal “Valor Econômico”, nesta segunda-feira.
De acordo com a publicação, uma segurada recebeu uma carta do INSS cobrando a restituição de R$ 242.200. Neste caso, a aposentada recorreu à Justiça para impedir a cobrança e conseguiu uma liminar favorável. Essa decisão suspende, por enquanto, o desconto de 30% de seu benefício mensal.
No Rio, um aposentado que prefere não se identificar, também teve a desagradável surpresa: foi notificado pelo INSS de que teria que devolver aos cofres da Previdência Social um montante que ultrapassa os R$ 150 mil. Segundo ele, essa devolução é impossível.
— Eu ganhei uma ação na Justiça, em 2014, e consegui aumentar o valor do benefício. Agora que o STF decidiu que não é mais possível se desaposentar, a Previdência quer o dinheiro de volta. Mas como vou devolver um dinheiro que já foi usado para pagar contas, manter a casa e comprar remédios? — indagou.
Agora, o segurado deverá enfrentar mais uma batalha na Justiça, desta vez, para impedir que o INSS desconte valores mensais de seus rendimentos. De acordo com o aposentado, a ajuda deverá vir da Defensoria Pública, já que ele não tem condições de pagar um advogado.
A decisão do STF foi contra o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o mesmo tema. Os magistrados do STJ avaliavam que o segurado que se aposentou, mas continuou a trabalhar e a recolher para a Previdência Social, teria o direito de conseguir o recálculo do benefício, o que poderia gerar aumentos superiores a 50%.
Com a decisão do STF — que proibiu novas ações de desaposentação —, a estimativa é que os mais de 182 mil aposentados que foram à Justiça tiveram seus processos cancelados, o que evitou um gasto total de R$ 7,7 bilhões anuais, e de R$ 181,9 bilhões no longo prazo para a Previdência Social, segundado dados da Advocacia-Geral da União (AGU).
De acordo com Fabio Zambitte, advogado especialista em Previdência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a briga entre o INSS e os segurados sobre devoluções é antiga. Segundo ele, o órgão costuma pedir de volta, por exemplo, valores que foram pagos em aposentadorias ou auxílios irregulares. Porém, no caso da desaposentação, a restituição deveria ser proibida, pois o benefício tem caráter alimentar.
— Se a Justiça concedeu o recálculo, e o segurado recebeu (a diferença) de boa-fé, se não houve irregularidade, o INSS não pode cobrar de volta um dinheiro que é usado para alimentação, no caso de 90% dos aposentados do órgão — destacou o especialista, para quem o segurado que for cobrado deve buscar a Justiça, visto que ainda há recursos sobre o tema a serem julgados.
Um desses recursos foi levado à Justiça pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), pedindo ao STF que impeça o INSS de cobrar valores já pagos aos segurados.
Liminares concedidas
De acordo com o advogado especialista em Previdência Rodrigo Langone, o INSS tem cobrado as diferenças pagas apenas aos segurados que conseguiram liminares com tutela antecipada — que consiste na antecipação dos efeitos da sentença condenatória, ou seja, quando a Justiça obriga o INSS a reajustar, imediatamente, as rendas mensais dos segurados.
— Temos percebido que, todos os segurados que conseguiram a tutela antecipada estão sendo cobrados pelo INSS. Porém, pelo movimento da Justiça, os segurados têm conseguido decisões favoráveis que barram a devolução do dinheiro — disse Langone.
O especialista destaca ainda que, decisões sobre a desaposentação que transitaram em julgado — quando não cabe mais recurso, são mais difíceis de sofrerem com a cobrança de devolução, porém, caso o INSS ingresse com uma ação rescisória — quando a decisão de última instância é desconstituída, os valores podem ser cobrados dos segurados.
Segundo o advogado, até 2014, o Tribunal Regional da 2ª Região (TRF-2) — que abrange o Rio e o Espírito Santo — tinha um posicionamento favorável à desaposentação, o que gerou ganhos de causa a centenas de segurados. Porém, em 2015, o tribunal decidiu aguardar o posicionamento do STF, que afastou a possibilidade de elevação do benefício, barrando todas as ações que tramitavam sobre o assunto.
Fonte: jc