Em artigo anterior, foi apresentada a importância da matemática financeira na gestão empresarial e a necessidade de sua compreensão por todos profissionais envolvidos nas operações de uma entidade. Além disso, fora demonstrado como profissionais interessados podem obter conhecimento da matéria – ainda que não dominem o conteúdo matemático.
Compreendidos os conceitos elencados, é preciso que seja divulgado um tema muito importante e atual: a relação entre matemática financeira e contabilidade.
Qual a importância da relação entre matemática financeira e contabilidade?
A matemática financeira, por tratar de importâncias financeiras, tem a sua história intrinsecamente vinculada à formação contábil.
Não obstante, a partir da convergência contábil para as normas internacionais, conhecidas como IFRS, houve um estreitamento no relacionamento entre as duas matérias. Isso se verifica, por exemplo, por meio de um importante instituto: “o valor do dinheiro no tempo”.
O valor do dinheiro no tempo
O conceito do valor do dinheiro no tempo surge da relação entre juro e tempo, porque o dinheiro pode ser remunerado por certa taxa de juros num investimento, por um período de tempo, sendo importante o reconhecimento de que uma unidade monetária recebida no futuro não tem o mesmo valor que uma unidade monetária disponível no presente.
Em outras palavras, por conta do juro, a unidade monetária se valoriza com o decorrer do tempo.
Por outro lado, em razão da existência da inflação e outros riscos, a unidade monetária poderá se desvalorizar com o decurso do tempo.
Esse conjunto de variações faz surgir a variação do dinheiro no tempo.
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Evidentemente, o conceito está intimamente relacionado à matemática financeira. No que tange a contabilidade, o conceito também é adotado em algumas situações, conforme veremos a seguir.
CPC 12 – Ajuste a Valor Presente e o valor do dinheiro no tempo
O CPC 12 tem como objetivo estabelecer os requisitos básicos a serem observados quando da apuração do Ajuste a Valor Presente de elementos do ativo e do passivo na elaboração de demonstrações contábeis.
O pronunciamento estabelece que na aplicação do conceito de valor presente deve-se associar tal procedimento à mensuração de ativos e passivos levando-se em consideração o valor do dinheiro no tempoe as incertezas a ele associadas.
Desse modo, as informações prestadas possibilitam a análise e a tomada de decisões econômicas que resultam na melhor avaliação e alocação de recursos escassos. Para tanto, diferenças econômicas entre ativos e passivos precisam ser refletidas adequadamente pela contabilidade a fim de que os agentes econômicos possam definir com menor margem de erro os prêmios requeridos em contrapartida aos riscos assumidos.
Nesse sentido, a norma determina que os elementos integrantes do ativo e do passivo decorrentes de operações de longo prazo ou de curto prazo quando houver efeito relevante, devam ser ajustados a valor presente com base em taxas de desconto que reflitam as melhores avaliações do mercado quanto ao valor do dinheiro no tempo e os riscos específicos do ativo e do passivo em suas datas originais. Importante salientar que ao quantificar o ajuste a valor presente, a entidade deve adotar a base exponencial “Pro Rata Die”, a partir da origem de cada transação.
Em outras palavras, no cálculo do ajuste a valor presente devem-se adotar juros compostos vigentes na data da origem da transação, considerando as variações quanto ao valor do dinheiro no tempo.
Para isso, é preciso que o profissional contábil compreenda o conteúdo da matemática financeira. Não se trata apenas de aplicar percentuais sobre base de cálculos como é possível observar em algumas empresas. O profissional que não compreende os elementos que formam esses cálculos jamais conseguirá dar aplicação correta à norma contábil.
Para maior concretude da necessidade do referido conhecimento, torna-se interessante analisar um caso prático de aplicação do CPC 12 em uma operação de venda a prazo.
Caso prático – aplicação do CPC 12 e da matemática financeira
A empresa SANTESSO S.A. realizou, no dia 01/12/2013, vendas de mercadorias no valor total de R$2.331.000, sendo que R$ 1.000.000 foram recebidos à vista e o restante para ser recebido integralmente em 01/12/2015. Na data da venda, a empresa estava praticando, para as suas vendas a prazo, a taxa de juros de 0,797% ao mês, que corresponde a 10% ao ano e a 21% em dois anos. Na Demonstração do Resultado do ano de 2013 (31/12/2013), qual(is) receita(s) a empresa reconheceu, exclusivamente em relação às vendas efetuadas em 01/12/2013?
É importante saber que a entidade deve apropriar ao resultado como Receitas de Vendas (líquidas) o valor que seria praticado numa transação à vista, ou seja, sem o elemento de financiamento embutido numa transação a prazo. No caso acima, a entidade recebeu R$ 1.000.000 à vista e R$ 1.331.000 a receber em dois anos – logo, esse valor a prazo precisa ser trazido ao valor presente.
Para cálculo do valor presente é necessário que sejam adotados conceitos de matemática financeira. Inicialmente, deve-se identificar que o ajuste a valor presente é uma operação de desconto racional (e não comercial). Posteriormente, é preciso considerar a taxa de juros composto de 21% em dois anos (ou 10% ao ano). Por fim, é necessária a aplicação da fórmula de desconto racional composto:
1) VF = VP(1+i)N
2) 1.331.000 = VP.(1,21)
3) VP = 1.331.000/(1,21)
4) VP = 1.100.000
Logo, o valor de juros embutido no montante é de R$ 231.000, que é o valor a ser reconhecido como ajuste a valor presente.
Portanto, na data da compra (01/12/13), os valores a serem lançados (desconsiderando circulante e não circulante) seriam:
D – Caixa – 1.000.000R$ (ativo)
D – Clientes – 1.331.000R$ (ativo)
C – Ajuste a valor presente – R$ 231.000 (redutora do ativo)
C – Receita Bruta de Vendas – R$ 2.100.000 (receita)
Passados 30 dias, no final do mês (31/12/13), deverá ser apropriada a receita financeira mensal decorrente da operação de venda. Novamente será preciso adotar conceitos de matemática financeira, posto que para o cálculo da receita financeira é preciso aplicar a Taxa Efetiva sobre o Valor Atual – e não sobre o valor futuro –, conforme a fórmula:
1) Receita Financeira: Valor Presente (atual) x Taxa De Juros Efetiva
2) Receita Financeira: 1.100.000 x 0,797% = R$ 8.767,00
Portanto, no resultado de 2013 teremos R$ 2.100.000 de Receita Bruta de Vendas (01/12/13) e R$ 8.767,00 de receita financeira (31/12/13).
Pode-se notar que um contador ou auditor que não tenha conhecimento de matemática financeira, a fim de descobrir os juros, poderia facilmente cometer dois erros muito comuns na rotina contábil:
1) Aplicar a taxa de 21% sobre R$ 1.331.000, gerando receita a apropriar de R$ 279.510 – R$ 48.500 mais que o devido, impactando o resultado, distorcendo os valores e sujeitando a entidade a possíveis problemas fiscais.
2) Aplicar a taxa efetiva de 0,797% sobre o valor futuro (R$ 1.331.000), gerando receita de R$ 10.608,07 – 1.841,07% a mais que o devido apenas em único mês.
Por meio desse simples exemplo prático, é cristalina a importância dos conceitos matemáticos na aplicação da contabilidade. Obviamente, o uso da matemática financeira é necessário em diversos outros casos e pronunciamentos contábeis – alguns muito mais complexos, por sinal.
Conclusão
O vínculo entre matemática financeira e contabilidade é evidente quando analisadas as disposições do CPC, principalmente após a conversão das normas contábeis. Essa conexão foi largamente demonstrada no artigo, sendo que vários outros casos poderiam ser citados: CPC 18, CPC 47 e CPC 03, por exemplo.
O conhecimento matemático financeiro é elemento vital para qualquer profissional que pretenda se adaptar à aplicação dos novos pronunciamentos, sob pena de lançamentos incorretos que podem distorcer relevantemente as operações da entidade.
A BLB Brasil Escola De Negócios disponibiliza, a todos interessados, um curso específico de matemática financeira com foco na área contábil, permitindo a correta aplicação dos pronunciamentos e compreensão dos seus alcances e efeitos.
Gabriel Tavares
Graduado em Direito pelas Faculdades COC, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
Fonte: jc