Nessa reforma tributária não há nenhuma medida relacionada com a tributação dos mais ricos, alerta o auditor fiscal
Por Dão Real Pereira dos Santos
Os grandes jornais do país têm estampado, quase diariamente, diversas opiniões sobre a reforma tributária. A maioria delas favorável à PEC 45, mas, à medida que se aproxima a votação, as divergências começam a aparecer, colocando abaixo a ideia inicial de que esse assunto já estava suficientemente debatido e consensuado.
Aliás, reformas tributárias não são espaços para consensos, mas sim para disputas. Governadores, altos executivos de empresas, setores econômicos, economistas, articulistas, parlamentares e prefeitos têm manifestado suas opiniões acaloradas sobre a PEC 45, considerando-a uma panaceia que resolverá todos os problemas do país ou a pior proposta de reforma tributária da história.
Não temos visto, no entanto, manifestações dos verdadeiros contribuintes, ou seja, os consumidores e os trabalhadores, que vão acabar pagando essa conta. Afinal, a PEC 45 trata apenas dos tributos sobre o consumo e não dos tributos sobre as empresas e sobre os empresários.
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Nessa reforma tributária não há nenhuma medida relacionada com a tributação dos mais ricos. Todos sabem que os tributos sobre o consumo pesam muito mais sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos. A bem da verdade, é preciso ressaltar que há, sim, a previsão de cobrança do IPVA sobre jatinhos e embarcações, mas é apenas uma medida residual em relação ao restante da proposta.
O mais importante é saber como ficarão as contas das famílias de baixa renda se a PEC for aprovada.
A entidade representativa dos supermercados afirmou que a reforma pode elevar em até quase 60% o preço dos itens da cesta básica. De fato, a proposta prevê que não haja nenhuma cumulatividade, logo, para manter a arrecadação, as alíquotas dos consumidores finais precisam ser maiores.
Por outro lado, a premissa adotada na PEC, de base ampla de incidência para o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços que será criado para substituir o ICMS, dos estados, e o ISS, dos municípios) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços que será criada para substituir o PIS/PASEP, a Cofins e parte do IPI, todos da União Federal), significa que todas as operações com mercadorias ou com serviços, inclusive aluguéis de bens móveis e imóveis, estarão sujeitos a esses dois tributos, cujas alíquotas devem ser uniformes para todas as operações, ressalvadas as exceções estabelecidas na própria PEC.
Então, a compra de alimentos, a contratação de serviços de internet, o telefone, a consulta médica, e qualquer outra operação estarão sujeitas à mesma carga tributária.
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Muitos argumentos são apresentados para tentar demonstrar que não haverá aumento de tributos para ninguém, mas faltam estudos que demonstrem como isso vai ocorrer, pois para nivelar as alíquotas será preciso reduzir as mais elevadas e aumentar as menores. Além disso, tudo o que se refere aos efeitos da reforma está previsto para ser definido em Lei Complementar, cujo texto ninguém tem ainda a mínima ideia de como será.
As divergências que têm aparecido nos últimos dias, são principalmente relacionadas a interesses setoriais contrariados, os que querem manter alíquotas reduzidas, outros que querem preservar benefícios fiscais, governadores que entendem que seus estados serão prejudicados, prefeitos que não querem abdicar de sua autonomia, e assim por diante.
Independente dos motivos legítimos de cada um para ser contra ou a favor, o importante é perceber que a reforma dos tributos indiretos muda muita coisa, mas não muda o essencial. Aliás, muda mais a organização do Estado do que a tributação.
Por outro lado, ela interdita o debate sobre o principal problema do sistema tributário, que é o seu caráter regressivo, que impõe a necessidade de uma modificação estrutural que seja capaz de promover o deslocamento da tributação dos mais pobres para os mais ricos. Isso poderia ser obtido com pequenas mudanças, como a revogação da isenção sobre os lucros e dividendos distribuídos, dos juros sobre o capital próprio, a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, a correção da tabela do Imposto de Renda e a redução de alíquotas dos tributos indiretos.
O caminho escolhido, no entanto, foi o de iniciar a reforma pela tributação indireta, e, neste contexto, a opção por priorizar a simplificação do sistema tributário acabou se confrontando com os inúmeros interesses que precisam ser contemplados para garantir a sua tramitação no Congresso, de tal forma, que o resultado tende a ser um sistema tão complexo quanto aquele que se propunha modificar.
Um exemplo disso é a exceção feita à Zona Franca de Manaus. A PEC 45 prevê que o tratamento favorecido para a Zona Franca e para as Áreas de Livre Comércio implica na possibilidade de alteração das alíquotas e das regras de creditamento do IBS e da CBS, permitindo, inclusive, a existência de créditos presumidos, contrariando totalmente as premissas da proposta original.
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Além disso, de 2027 a 2033, o IPI continuará existindo apenas para produtos da Zona Franca. Algum desavisado poderia até estranhar a manutenção deste imposto apenas para a Zona Franca, mas é bom esclarecer o que isso significa na prática. Os produtos produzidos na Zona Franca são isentos do IPI, no entanto, os adquirentes desses produtos podem aproveitar esse imposto não pago como crédito a ser compensado ou restituído.
Para ser mais didático, alguém produz, na Zona Franca, um xarope para fabricação de bebidas e vende para qualquer outro lugar do país. O xarope sai de lá com IPI isento, mas destacado na nota fiscal. O comprador utiliza este xarope e produz refrigerante e vende com IPI, mas recolhe apenas a diferença entre o IPI da venda e o IPI da compra, que não foi pago na origem. A partir de 2027, venderá o refrigerante com alíquota zero, mas poderá obter restituição do imposto destacado na compra do xarope. Resumindo, a PEC fez a façanha de criar um imposto negativo para beneficiar as empresas da Zona Franca de Manaus, pelo menos até 2033, quando o IPI deverá ser extinto.
Outro ponto que merece atenção diz respeito à criação da CBS, em substituição ao PIS/PASEP e à Cofins. A inclusão deste novo tributo no inciso V do Artigo 195, da CF/1988, produz o efeito de impossibilitar a aplicação do disposto no parágrafo 9º do mesmo Artigo, que permite a diferenciação de alíquotas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
Aliás, um dos propósitos da PEC 45 é justamente reduzir as prerrogativas do Estado para utilizar a tributação como instrumento de indução da atividade econômica. Vejam que as exceções previstas para as alíquotas gerais do IBS e da CBS estão restritas à possibilidade de redução em 50% ou de 100% para determinados produtos ou serviços e isenção apenas para serviços de transporte público, restringindo totalmente qualquer possibilidade de aumento de alíquota de forma setorial.
Em relação aos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, é importante considerar que ele será composto por 50% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto Seletivo (IS). No entanto, o IS não substituirá integralmente a perda de arrecadação do IPI, pois terá incidência restrita às operações que produzam danos à saúde e ao meio ambiente. Assim, é possível que haja uma redução no volume de recursos que comporão estes fundos no futuro.
Um aspecto relevante a ser considerado também é a constitucionalização de uma espécie de engessamento do volume de arrecadação do IBS, prevista no parágrafo 8º do Artigo 156 A, que determina que qualquer alteração legislativa que impacte a arrecadação deve ser compensada nas alíquotas de referência, o que pode dificultar significativamente futuras propostas de mudança estrutural do sistema tributário, com vistas a ampliar a tributação direta e reduzir os tributos sobre o consumo.
Esses são apenas alguns pontos que deveriam ser considerados pelos parlamentares quando forem debater as medidas para o aperfeiçoamento da proposta em tramitação, que, ainda que não se preste para modificar a estrutura regressiva do sistema tributário, pode produzir efeitos indesejados para o próprio funcionamento do Estado.
Dão Real Pereira dos Santos -Auditor fiscal, presidente do Instituto Justiça Fiscal, coordenador da campanha Tributar os Super-Ricos
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Fonte: Jornal Contábil
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