Em janeiro de 2018, com a pressão da bancada ruralista para a aprovação do Programa Especial de Regularização Tributária Rural, foi promulgada a Lei 13.606/18, concedendo a mais robusta anistia fiscal das últimas décadas. Tendo o benefício fiscal como protagonista, a lei introduziu significativas alterações no procedimento fiscal administrativo federal. Os seus profundos impactos ainda não se fizeram sentir pelos contribuintes, em razão de terem o início de sua vigência prorrogada, mas pela gravidade já se encontram judicializadas por três Ações Direitas de Inconstitucionalidade (ADIs), entre elas, uma da Ordem dos Advogados do Brasil.
A Lei 13.606/18, além de autorizar o PRR, através de um único artigo, acresceu à Lei 10.522/02, que “dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências”, os artigos 20B,C,D e E, trazendo impactantes modificações no que diz com os procedimentos e consequências da inscrição em dívida ativa de débitos tributários federais.
Dentre as inovações, encontra-se a possiblidade de penhora administrativa de bens, a denominada “averbação pré-executória”, que autoriza o órgão à adoção de medidas gravemente restritivas à atividade empresarial.
A lei foi regulada pela Portaria PGFN 33/2018, que, extrapolando as já preocupantes alterações legais, ampliou as inovações, decorrendo, na prática, no que tem sido chamado de nova fase contenciosa administrativa.
Em resumo, dentre as inovações normativas, após a inscrição em dívida, o contribuinte será intimado para pagar ou parcelar o débito em até cinco dias, realizar oferta antecipada de garantia, ou apresentar pedido de revisão em até 10 dias. Não sendo adotadas nenhuma destas medidas, ou não sendo a garantia aceita pela PGFN – que terá a faculdade de indeferimento, o órgão poderá adotar uma série de providências restritivas. Entre elas: representação à Receita Federal para aplicação de multa na distribuição de dividendos, solicitação do cancelamento de benefícios fiscais e de contratos com o Poder Público, e ainda, realização da averbação pré-executória, que, em verdade, é uma penhora de bens, vez que os torna indisponíveis.
Em resultados práticos, trata-se de autorização para que a PGFN proceda ao bloqueio de bens de contribuintes sem ordem ou autorização do Poder Judiciário e à revelia do devido processo legal.
Importante ressaltar que a inscrição em dívida ativa é ato unilateral da administração tributária, prerrogativa essa que faz da CDA – Certidão de Inscrição em Dívida – o único título judicial do qual o devedor não tem participação na constituição, quer mediante o exercício do contraditório judicial, quer por ato de sua vontade. Essa única razão já seria suficiente a caracterizar a inconstitucionalidade de qualquer restrição de bens e direitos do contribuinte fora do âmbito judicial, onde lhe será assegurada a ampla defesa.
Criou-se uma nova etapa administrativa na já combalida trajetória de defesa do contribuinte, que atualmente, tem demandado média de uma década para análise pelos órgãos administrativos, e cujos julgamentos desfavoráveis, como é notório, encontram-se hoje fortalecidos pelo instrumento do voto de qualidade. Isso para os casos em que fora possibilitada a defesa contenciosa ao contribuinte, o que não ocorre quando das inscrições que são diretamente procedidas em decorrência da entrega das obrigações acessórias, em que hoje se delega aos contribuintes o que seria o poder/dever de fiscalização da correção das apurações pelo Fisco.
Em alternativa ao bloqueio de seus bens, a averbação poderá ser impugnada pelo contribuinte, acrescendo-se à complexidade da via crucis administrativa do contribuinte nova etapa contenciosa para aferição de adequação ou suficiência de garantia, registre-se, sem que a exigibilidade do crédito tributário seja suspensa, e anteriormente ao ajuizamento do feito executivo pela PGFN, com o alijamento de participação do Poder Judiciário, tudo em atos antecipatórios que, a rigor, deveriam se desenvolver no âmbito da tramitação da Execução Fiscal, conforme assegurado pela Lei 6.830/80.
Tais inovações justificam-se em defesa o crédito tributário, com o intuito de prevenção de fraude às execuções, à medida em que, anteriormente à fase judicial, o contribuinte já estaria impedido de manejar a desconstituição de seu patrimônio. Embora a motivação seduza, denota expressamente que a premissa normativa é a da má-fé do contribuinte. Em nome dessa má-fé, a legislação autoriza a violação de direitos constitucionais de propriedade, ampla defesa, e livre iniciativa, entre outros. Trata-se de inversão de valores que demanda não somente enfrentamento judicial para seu afastamento, mas reflexão mais detida pela sociedade civil acerca das opções de valores que ela deseja amparados pela produção normativa do país.
*Mirian Teresa Pascon é coordenadora do Departamento Jurídico da DBC Consultoria Tributária
Fonte: jc