No dia 18 de janeiro de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 871/2019, que entrou em vigor na mesma data (na maior parte de suas regras) e altera vários dispositivos das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, que tratam do custeio e dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Prosseguindo na análise da MP 871/2019, este artigo examina as regras modificadas do benefício de auxílio-doença.
Auxílio-doença: aspectos básicos
O benefício previdenciário de auxílio-doença é concedido em regra para o segurado que estiver temporariamente incapacitado para o desempenho de sua atividade laborativa atual ou (se desempregado) habitual. Não se exige que essa incapacidade seja total; ainda que parcial, se impedir o exercício do trabalho, é devido o auxílio-doença. Tem fundamento constitucional no art. 201, I, que prevê a cobertura dos eventos de doença.
Conforme dispõe o art. 59 da Lei nº 8.213/91, “o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”.
Os requisitos para a concessão do auxílio-doença são:
(a) a qualidade de segurado;
(b) o cumprimento da carência de 12 contribuições, em regra;
(c) a incapacidade que impeça o segurado de desempenhar seu trabalho ou atividade atual ou habitual, durante mais de 15 dias consecutivos;
(d) o caráter temporário da incapacidade, ou seja, deve ser suscetível de tratamento e retorno ao trabalho habitual, ou ser possível a reabilitação profissional para outra atividade laborativa;
(e) a doença não pode ser anterior à filiação ou ao retorno do segurado ao Regime Geral de Previdência Social, a menos que a incapacidade decorra do agravamento da doença ou lesão.
O art. 25, I, da Lei nº 8.213/91 estipula como regra a carência de 12 contribuições para o auxílio-doença. Todavia, o art. 26, II, dispensa de carência a concessão do auxílio-doença nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado. O art. 151 da Lei nº 8.213/91 lista as doenças que independem de carência. Ainda, o inciso III do art. 26 dispensa de carência o segurado especial, que precisa apenas comprovar o exercício da atividade durante o período equivalente à carência.
Durante o recebimento do auxílio-doença, o segurado é obrigado a se submeter a tratamento médico, na busca de seu retorno ao trabalho (art. 101 da Lei nº 8.213/91).
Inovações da MP 871/2019: revisão de benefícios
Em primeiro lugar, um dos principais objetivos da MP 871/2019 é o de revisar administrativamente os benefícios por incapacidade, o que teve início com a Medida Provisória nº 739, de 07 de julho de 2016, e foi mantido na Medida Provisória nº 767, de 06 de janeiro de 2017 (publicada no mesmo dia), que criaram o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BESP-PMBI).
De modo similar, a Medida Provisória nº 871/2019 cria o Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios (BMOB), para quaisquer benefícios do RGPS, e o Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BPMBI), específico para a revisão dos benefícios por incapacidade (auxílio-acidente, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) pelo INSS.
O Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade será realizado até 31/12/2020 (com possibilidade de prorrogação até 31/12/2022) e tem o objetivo de revisar: (a) os benefícios por incapacidade mantidos sem perícia pelo INSS, por período superior a seis meses, e que não possuam data de cessação estipulada ou indicação de reabilitação profissional; (b) e outros benefícios de natureza previdenciária, assistencial, trabalhista ou tributária (art. 1º, II, da MP 871/2019).
Não há mais nenhuma restrição na escolha dos benefícios por incapacidade que serão revisados, considerando que a MP 871/2019 revogou o inciso I do § 1º do art. 101 da Lei nº 8.213/91, que dispensava da revisão os beneficiários com mais de 55 anos de idade ou que recebessem o benefício por 15 anos ou mais, a partir da data da concessão.
Em consequência, qualquer benefício por incapacidade mantido pelo INSS por período superior a seis meses pode ser objeto de revisão administrativa.
Inovações da MP 871/2019: preexistência da incapacidade
A MP 871/2019 modificou um parágrafo e acrescentou quatro parágrafos do art. 59 da Lei nº 8.213/91, que regula o benefício de auxílio-doença.
O § 1º do art. 59 da Lei nº 8.213/91 versa sobre a preexistência da incapacidade, a alteração promovida pela MP 871/2019 busca apenas esclarecer o conteúdo do dispositivo.
Na sua redação originária, o então parágrafo único do art. 59 previa: “Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”.
Com a modificação realizada pela MP 871/2019, o dispositivo foi renumerado para § 1º e passou a ter o seguinte texto: “Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão”.
A única mudança realizada foi a substituição da palavra “salvo” por “exceto”, com o objetivo de deixar claro que a preexistência da doença não afasta o direito ao benefício, desde que a incapacidade surja após o cumprimento da carência ou, nos casos de dispensa desta, após a filiação ao RGPS.
Inovações da MP 871/2019: auxílio-doença e segurado preso
Apesar da privação temporária de seu estado de liberdade, o preso mantém diversos direitos durante o cumprimento da pena. Entre esses direitos estão o trabalho e a Previdência Social, que são garantidos não apenas pelo Código Penal e a Lei de Execução Penal, mas pela Constituição.
A situação diferenciada da pessoa que cumpre pena com restrição à sua liberdade gera reflexos nessas duas áreas (trabalhista e previdenciária), ou seja, existem limitações, direitos e deveres diferenciados daqueles existentes para quem não sofre dessa privação ao status libertatis.
Durante a reclusão em regime fechado ou semiaberto, o preso tem o direito de trabalhar, não apenas para ocupar o tempo ocioso e desempenhar uma profissão, mas também para obter a redução de sua pena.
Nos termos do art. 126 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP), “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena”.
Não existia na Lei nº 8.213/91 nenhuma restrição à concessão do auxílio-doença para o segurado recluso. Logo, em tese, mesmo preso o segurado tinha direito ao benefício por incapacidade, o que afastava o direito de seus dependentes ao recebimento do auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/91).
Porém, a MP 871/2019 criou algumas limitações ao recebimento do auxílio-doença pelo segurado preso, por meio dos §§ 2º a 5º do art. 59 da Lei nº 8.213/91.
Na primeira delas, o § 2º do art. 59 da Lei nº 8.213/91 limita expressamente o recebimento do benefício pelo segurado preso em regime fechado: “Não será devido o auxílio-doença para o segurado recluso em regime fechado”. Logo, ainda que estivesse recebendo o benefício antes da prisão, ou mesmo que tivesse direito ao auxílio-doença, a norma legal afasta o direito do recluso.
Nesse caso, ocorre a suspensão do auxílio-doença, pelo prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data do recolhimento do segurado à prisão (art. 59, §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.213/91).
Se a prisão em regime fechado perdurar por mais de 60 dias, o benefício deve ser cancelado administrativamente e o segurado não terá direito ao seu recebimento após a progressão de regime ou o cumprimento da pena. Caso a incapacidade persista, deve formular novo requerimento administrativo.
Além disso, durante o período de suspensão do auxílio-doença para o segurado recluso, se tiver dependentes e forem cumpridos os requisitos legais, será devido a estes o benefício de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/91).
Em consequência:
(a) se o segurado continuar no regime fechado por prazo superior a 60 dias, o auxílio-reclusão será pago aos seus dependentes enquanto durar a prisão, nos regimes fechado e semiaberto (mas cessado se progredir para o regime aberto – art. 116, § 5º, do Decreto nº 3.048/99), sem o restabelecimento do auxílio-doença ao segurado após a progressão de regime ou o cumprimento da pena;
(b) e se a manutenção no regime fechado durar menos de 60 dias, o auxílio-reclusão aos dependentes será cessado, com o restabelecimento do auxílio-doença ao segurado (art. 59, § 5º, da Lei nº 8.213/91).
Conteúdo por Oscar Valente Cardoso – Juiz Federal na 4ª Região, atualmente na 1ª Vara Federal de Capão da Canoa/RS. Doutor em Direito (UFRGS). Mestre em Direito e Relações Internacionais (UFSC). Professor de Teoria Geral do Processo e de Direito Processual Civil na UNICNEC e em cursos de pós-graduação.
Adir José da Silva Junior – Analista Judiciário Federal, Diretor de Secretaria da Vara do Juizado Especial Federal Previdenciário de Florianópolis. Mestre em Direito, Estado e Sociedade (UFSC). Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
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