A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que cria um adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) aplicável a empresas de multinacionais instaladas no Brasil a fim de garantir uma tributação mínima efetiva de 15% dentro do acordo global para evitar erosão tributária (Regras GloBE).

De autoria do deputado José Guimarães (PT-CE), o Projeto de Lei 3817/24 repete a Medida Provisória 1262/24. O texto foi aprovado no Plenário da Câmara nesta terça-feira (17) e será enviado ao Senado.

O adicional, se devido após cálculos específicos, incidirá sobre o lucro de empresas no Brasil integrantes de grupos multinacionais cuja receita anual consolidada seja superior a 750 milhões de euros (cerca de R$ 4,78 bilhões) em pelo menos dois dos quatro anos fiscais consecutivos anteriores à apuração.

Segundo o relator, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), a criação adicional à CSLL é essencial para reter receita tributária que poderia ir para outros países. “Diversas nações já adotaram ou estão em processo de adotar regras semelhantes, o que reforça a importância da adesão do Brasil a esse movimento global.”

Passarinho também disse ser urgente prorrogar até 2029 o crédito presumido de 9% sobre lucros no exterior e a consolidação de resultados de empresas subsidiárias no exterior. “A manutenção desses instrumentos não apenas neutraliza as desvantagens impostas às empresas nacionais, mas também reforça a capacidade do Brasil de competir no cenário global”, afirmou.

Esses instrumentos, segundo o relator, evitam a perda de competitividade das multinacionais brasileiras e possível dupla tributação, garantindo que operem em igualdade com concorrentes estrangeiros.

O Ministério da Fazenda estima que aproximadamente 290 multinacionais atuantes no Brasil serão afetadas por essa nova regra. Dessas, cerca de 20 são multis brasileiras.

A intenção das regras, definidas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Grupo dos 20 (as 20 maiores economias), é estabelecer um piso para a competição fiscal global, impedindo que grandes grupos multinacionais estejam sujeitos, na jurisdição de cada país, a uma alíquota efetiva inferior a 15%.

Segundo o governo, essa nova fonte de receita tributária foi formatada pelos países participantes para enfrentar os desafios decorrentes da digitalização da economia. Atualmente, 37 países já instituíram sua cobrança e, por esse modelo, se um dos países não tributar com a alíquota efetiva, essa subtributação poderá provocar o pagamento complementar em outro país que já tenha implantado as regras, implicando uma espécie de “exportação de arrecadação”.

Início da cobrança
De acordo com o projeto, a cobrança começará a partir do ano fiscal de 2025, e o pagamento deverá ocorrer até o último dia do sétimo mês após o fim do ano fiscal. Como o ano fiscal não coincide necessariamente com o ano civil para todas as empresas e grupos multinacionais, a data se torna variável.

Debate em Plenário
O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) afirmou que o projeto começa a fazer justiça “com essa taxação mínima das multinacionais e dos lucros extraordinários que elas têm no Brasil e no exterior”.

Para o deputado Bibo Nunes (PL-RS), a proposta alinha as regras tributárias brasileiras ao mundo e dá mais credibilidade junto à OCDE. “O mundo tributário, o mundo econômico do Brasil está a favor. Queremos entrar na OCDE”, disse.

O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) afirmou que o texto evita guerra fiscal entre países. “Com essa determinação, cada país pagará sua parte.”

Segundo o líder do PT, deputado Odair Cunha (PT-MG), a aprovação da proposta é uma questão de isonomia tributária. “Podemos, com este projeto, avançar nossa participação na OCDE”, disse.

Desde 2015, o Brasil está em processo de entrada na organização.

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Deputados aprovaram o projeto na sessão do Plenário
Deputados aprovaram o projeto na sessão do Plenário desta terça-feira

Noventena
Uma das poucas alterações feitas pelo relator, deputado Joaquim Passarinho, é que qualquer mudança nos conceitos no âmbito do GloBE ou em regulamentos que resultarem em aumento de carga tributária deverá ser aplicada no ano fiscal seguinte ao da publicação da mudança e em noventa dias após a publicação.

Isso atende aos princípios tributários da anualidade e noventena.

Investimentos no Brasil
Em contrapartida, o projeto inclui dispositivo para permitir ao Executivo federal definir determinados tipos de investimentos que, se realizados no Brasil, poderão implicar a exclusão do país ou localidade investidora da lista de locais considerados de baixa tributação da renda (menor que 17%).

Atualmente, existem 61 localidades nessa situação, segundo classificação adotada pelo Brasil, como Emirados Árabes Unidos e Omã.

De acordo com o texto, esses investimentos deverão fomentar “de forma relevante o desenvolvimento nacional por meio de investimentos significativos”.

O Decreto 12.226/24 regulamentou o tema e exige que os investimentos sejam realizados diretamente por governo estrangeiro, seus respectivos fundos soberanos ou suas empresas públicas das quais possua controle majoritário. O dinheiro poderá ser utilizado para a compra de títulos de dívida emitidos pelo governo brasileiro ou para investimento direto no capital de empresas brasileiras ou em fundos de investimentos brasileiros.

Neste último caso, deve-se seguir conceito usado pelo Banco Central relativo à participação no capital pelo país do controlador final do investimento direto, com prioridade para aumento de capital fixo e atividades alinhadas a práticas sustentáveis.

Cada pedido de afastamento da qualificação de país com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado será analisado individualmente pelas secretarias de Política Econômica e de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.

Os investimentos deverão ser realizados no prazo mínimo de cinco anos, com indicação de montantes anuais em patamares compatíveis com o Produto Interno Bruto (PIB) do país investidor, podendo haver distinção entre os períodos de implantação e de operação.

Instrução normativa
A Receita Federal já publicou uma instrução normativa (2228/24) que ficou em consulta pública até novembro deste ano. Várias das regras GloBE estão detalhadas nessa instrução, que deverá ser atualizada a cada mudança nas regras internacionais para que o adicional de CSLL cobrado no Brasil seja considerado dentro dos parâmetros e não sofra contestações no exterior.

Isso é relevante porque a consistência na implementação e administração das regras GloBE é verificada inclusive por meio do processo de revisão por pares, podendo resultar na perda do status de tributação adicional qualificada, o que acarretaria a perda de prioridade na ordem de aplicação das regras; e a imposição, aos grupos multinacionais, de um ônus superior àquele que seria suportado caso o tributo adicional continuasse sendo qualificado.

Embora as empresas atuantes no Brasil e sujeitas ao adicional de CSLL devam utilizar normas contábeis semelhantes às já utilizadas nas demonstrações contábeis exigidas pela lei brasileira, alguns ajustes são necessários para se encontrar o lucro ou prejuízo GloBE.

Assim, poderão ser excluídos, por exemplo:

  • ganhos ou perdas cambiais assimétricas;
  • dívida perdoada excluída;
  • despesas não autorizadas; ou
  • despesa não autorizada com fundo de pensão.

Os ganhos ou perdas cambiais decorrem do fato de as moedas funcionais contábil e fiscal do grupo serem diferentes. Já as despesas não autorizadas são as com pagamentos ilegais – inclusive subornos, propinas e comissões ilícitas – e com multas e penalidades de valores iguais ou superiores a 50 mil euros.

Para fins de apuração do lucro ou prejuízo GloBE, a instrução permite o uso, por cinco anos, da moeda de apresentação das demonstrações financeiras consolidadas da entidade investidora final (termo usado para a controladora da multinacional).

As despesas não autorizadas com fundo de pensão são iguais à diferença entre o valor incluído no lucro ou prejuízo líquido contábil e o valor efetivamente realizado no ano fiscal.

Quanto às dívidas perdoadas, esse perdão poderá ocorrer independentemente de o credor ser uma pessoa relacionada ou não à empresa.

Multas
Quanto às multas por falta de informação obrigatória à Receita referente ao adicional e sua apuração, o texto aprovado reduz o limite nominal da multa acumulada mensalmente de R$ 10 milhões para R$ 5 milhões, caso os dados sejam enviados com atraso ou não sejam apresentados.

Para valores omitidos ou inexatos, o projeto estipula igual limite de R$ 5 milhões que não havia antes.

Litígio
Ao seguir as regras GloBE, o PL 3817/24 estabelece que o adicional da CSLL será considerado não recolhido caso seja, direta ou indiretamente, objeto de litígio judicial ou administrativo no Brasil.

A consequência disso é que o grupo multinacional não poderá utilizar o adicional em litígio como crédito na aplicação das regras GloBE em outros países em nenhuma circunstância ou ano fiscal.

Transporte marítimo
Caso a empresa do grupo multinacional localizada no Brasil faça a gestão estratégica ou comercial no país de todos os navios envolvidos em transporte marítimo internacional, ela poderá excluir os rendimentos, os custos e as perdas com esse transporte do cálculo do lucro ou prejuízo GloBE.

Os rendimentos envolvidos são aqueles obtidos com:

  • transporte internacional de passageiros ou de carga por navios próprios ou arrendados;
  • esse transporte em acordos de fretamento parcial;
  • locação de navio para ser utilizado nesse tipo de transporte;
  • participação em um pool, em um negócio conjunto ou em uma agência operacional internacional para esse tipo de transporte internacional; e
  • venda de navio utilizado nesse tipo de transporte se tenha sido mantido para uso da empresa por um período mínimo de um ano.

Será admitida ainda a exclusão referente a rendimentos de atividades auxiliares a esse transporte internacional:

  • afretamento a casco nu a outra empresa de navegação que não seja do grupo se por um máximo de três anos;
  • venda de bilhetes emitidos por outras empresas de navegação para o trecho doméstico de uma viagem internacional;
  • locação e armazenamento de curto prazo de containers ou taxas de sobre-estadia por devolução tardia de containers;
  • prestação de serviços a outras empresas de navegação por meio de engenheiros, pessoal de manutenção, operadores de carga e descarga, atendentes do serviço de bordo e serviços de atendimento ao cliente; e
  • rendas ou lucros líquidos do investimento, se ele for parte integrante do exercício da atividade de exploração dos navios no tráfego internacional.

No entanto, esses rendimentos de atividades auxiliares terão um limite de 50% dos rendimentos com o transporte marítimo internacional. O que ultrapassar isso deverá ser incluído no lucro ou prejuízo GloBE.

Exclusões
Outra exclusão de maior vulto permitida pelas regras GloBE é do lucro obtido com folha de pagamento e ativos tangíveis, conceituado como lucro baseado em substância, por ser atrelado substancialmente à atividade desenvolvida pela entidade no país.

Essa exclusão resulta na diminuição do montante devido a título de adicional da CSLL.

Tipos de custos
Ao longo de oito anos (2025 a 2032), a título de adaptação, os percentuais do que poderá ser excluído diminuirão gradativamente até chegar a 5% em 2033, partindo de 9,6% em 2025.

A norma da Receita define os empregados cujos salários e benefícios poderão ser excluídos do cálculo do lucro GloBE; os empregados, inclusive em tempo parcial, e trabalhadores não empregados que participem das atividades operacionais ordinárias.

Os valores envolvidos serão salários, vencimentos e outros gastos com benefícios pessoais e diretos, tais como seguro de saúde, contribuições previdenciárias, tributos sobre a folha de pagamento ou sobre o trabalho e contribuições patronais para a previdência social.

Em relação ao tempo de trabalho, todos os custos poderão ser descontados se o empregado trabalhou mais de 50% do período (ano fiscal). Se ele tiver trabalho 50% ou menos do período, o desconto será proporcional ao tempo trabalhado.

Ativos tangíveis
Também com percentuais de transição (de 7,6% em 2025 até 5% de 2033 em diante), poderão ser deduzidos os custos contábeis de ativos considerados tangíveis. De maneira geral, esses bens são aqueles de natureza permanente utilizados para a manutenção da atividade da corporação e integridade do patrimônio, como imóveis, terrenos, máquinas, equipamentos, veículos, estoque.

A instrução normativa permite o desconto do valor contábil de ativos tangíveis localizados no Brasil, incluindo recursos naturais objeto de exploração autorizada, direitos de uso do arrendatário, licença ou acordo similar com o governo para uso de bens imóveis (direito real de uso, por exemplo) ou exploração de recursos naturais que “implique investimentos significativos em ativos tangíveis”.

Entre essas licenças estão as concessões de uso de radiofrequência e prestação de serviços de telecomunicações; mas não se aplica a ativo intangível reconhecido em decorrência do direito de exploração em contrato de concessão de serviços públicos (água ou energia, por exemplo).

De igual forma à folha de salários, os ativos tangíveis poderão ser usados para a dedução se estiverem sobre propriedade ou arrendamento da empresa do grupo multinacional por mais de 50% do tempo do período analisado. Abaixo disso, a dedução será proporcional ao tempo.

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. José Guimarães (PT - CE)
José Guimarães, autor do projeto de lei

Distorção contábil
Quando a aplicação de um princípio ou procedimento específico resultar em distorção contábil material, a empresa, no cálculo do lucro ou prejuízo GloBE, deverá ajustá-lo para ficar em conformidade com o tratamento exigido pelo IFRS, sigla em inglês para as normas internacionais de contabilidade.

Essa distorção é definida como aquela que resulta em uma variação agregada superior a 75 milhões de euros (cerca de R$ 461 milhões) em um ano fiscal quando comparado com o montante calculado segundo as normas do IFRS.

Incentivos ou créditos
A partir de 2026, o Poder Executivo poderá converter total ou parcialmente em um crédito financeiro, sem prejuízo ao beneficiário, os incentivos fiscais concedidos no âmbito da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Essa conversão adotaria os critérios para exclusão do lucro baseada na substância.

O dispositivo busca adequar os benefícios em razão da dicotomia entre créditos de tributo qualificado e não qualificado previstos nas regras GloBE, pois a alíquota efetiva é calculada usando esses critérios.

Nesse ponto, como a conversão resultará em um crédito, o projeto aprovado prevê prazo de 48 meses para o ressarcimento em dinheiro, caso a compensação com tributos devidos não tenha sido feita.

Deduções
Atualmente, a lei sobre tributação em bases universais (TBU – Lei 12.973/14) permite às empresas brasileiras que sejam controladoras de outras domiciliadas no exterior deixarem de incorporar a seu lucro real, até 2024, um ajuste de lucros se o país sede for paraíso fiscal ou dependência com tributação favorecida. O texto aprovado pela Câmara prorroga esse prazo para 2029.

Outra mudança feita nessa lei é a permissão para que a controladora brasileira deduza do Imposto de Renda a pagar no Brasil o que tenha sido pago pela controlada no exterior a título de imposto mínimo no âmbito do GloBE, segundo regulamentação da Receita Federal.

Para multinacionais com sede no Brasil fabricantes de bebidas, produtos alimentícios ou construtoras e indústria em geral, o texto permite, até 2029, que elas deduzam, da base de cálculo do lucro real a título de crédito presumido, até 9% dos investimentos feitos nessas subsidiárias no exterior.

Atualmente, os lucros de controladas no exterior são tributados no Brasil a uma alíquota nominal de 34%, bem acima da média praticada por países membros da OCDE (em 2022, aproximadamente 23,3%). Assim, o crédito procura compensar o tributo e manter competitividade das empresas brasileiras no exterior.

Novas regras
O PL 3817/24 também determina ao Executivo enviar ao Congresso, no primeiro semestre de 2025, projeto reformulando as regras TBU para introduzir na legislação outras normas GloBE, chamadas de Pilar 2.

O projeto deve seguir diretrizes como:

  • proteção e prevenção da erosão da base tributária, especialmente em razão da transferência de lucros entre entidades;
  • concorrência internacional das empresas brasileiras com investimentos produtivos no exterior;
  • necessidade de equilibrar a precisão das regras com a redução do ônus da administração e de conformidade; e
  • prevenção ou eliminação da dupla tributação.

Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei

por Agência Câmara de Notícias

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Fonte: PORTAL CONTNEWS
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