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A implementação do programa de compliance nas empresas brasileiras tem conquistado um espaço cada vez mais relevante diante da importância que a ferramenta ocupa no mercado externo.

A grande maioria dos empresários que estabelece algum tipo de relação com outras empresas sediadas na Europa ou Estados Unidos, já se deparou com o questionamento acerca do programa como condição para firmar contratos.

A exigência não tem origem apenas no cumprimento da legislação de cada país, mas sim na cultura de conformidade que vem se desenvolvendo de forma cada vez mais robusta.

Ao contrário do que geralmente se acredita, estar em conformidade com a legislação não significa apenas se obrigar ao cumprimento de inúmeras leis e burocracias que apenas encarecem o negócio e inviabilizam o lucro.

A implementação do programa de compliance visa muito além do estrito cumprimento de regras e os seus resultados são muito mais abrangentes e benéficos do que a simples redução do passivo voltado para demandas judiciais.

No Brasil, sua origem está na lei n.º 12.846/2013, conhecida como Lei anticorrupção, que foi regulamentada pelo Decreto n.º 8.420/2015.

Estes dispositivos trazem as ferramentas que devem ser implementadas pelas pessoas jurídicas, principalmente a fim de evitar a ocorrência de fraudes.

Especificamente em relação ao âmbito trabalhista, os pilares essenciais do programa de compliance consistem no comprometimento da alta gestão, independência da autoridade aplicadora do programa, elaboração de um código de conduta e de políticas internas, realização de treinamentos periódicos, análise e gestão dos riscos, criação de controles internos, criação de um canal de denúncias e de procedimento para investigações internas, realização de due diligence e monitoramento.

É importante ressaltar que os benefícios de um programa de compliance somente serão verificados se de fato houver a implementação das ferramentas mencionadas e isso somente é possível com o comprometimento e apoio da alta gestão.

Isso significa que os sócios, presidência ou diretoria da companhia devem estar de acordo com a efetivação das medidas necessárias e, mais do que isso, devem dar o exemplo aos colaboradores, fornecedores e clientes. 

Consiste no chamado tone from the top, que significa que “o exemplo vem de cima”.

Partindo dessa premissa e como consequência lógica da seriedade do programa, a alta gestão deve conceder independência, estrutura e autoridade à equipe contratada para a implementação do programa de compliance, sem qualquer interferência que possa afetar a sua lisura e integridade.

Com essas premissas estruturadas, é possível definir os princípios básicos da empresa, sua missão, valores e visão e, caso já tenham, serão analisados se de fato estão alinhados com os objetivos da companhia.

A partir disso elabora-se o código de conduta da empresa, documento que irá direcionar a relação da empresa não somente com seus colaboradores, mas também com clientes, terceiros, parceiros e fornecedores, além de dar o tom para a postura dos seus sócios e representantes.

Com isso, passa-se a analisar os riscos que a empresa já possui ou está sujeita, mediante a verificação de documentos internos relativos aos contratos de trabalho vigentes e extintos emitidos pelo departamento pessoal, das eventuais demandas trabalhistas em andamento, procedimentos administrativos, investigações, autuações, todos os documentos relativos à saúde, segurança, além de conversar com os representantes da empresa e os próprios colaboradores para entender melhor eventuais riscos que eles mesmos já tenham detectado. 

É de suma importância que a alta gestão tenha conhecimento dos riscos a que a empresa está sujeita para que possa decidir acerca dos controles a serem implementados ou até mesmo optar por aqueles que irá correr.

A gestão de riscos do programa de compliance visa dar transparência a existência deles e oferecer ferramentas para eliminar, controlar, transferir ou aceitar a sua ocorrência.

A partir dessa análise é possível identificar os controles internos que estão precisando ser implementados ou ajustados, como fichas de EPI, controle de ponto etc, verificando se estão de acordo com a legislação vigente e são suficientes para suprir eventual prova documental que venha a ser necessária futuramente em uma demanda judicial ou procedimento administrativo. 

Muitas das dificuldades vivenciadas dentro do ambiente de trabalho têm origem na ausência de clareza das regras a serem cumpridas – seja por desconhecimento específico do departamento pessoal acerca da legislação, seja por dificuldade de comunicar essas regras com clareza aos colaboradores.

Em virtude disso, é essencial a criação de políticas internas que visam esclarecer os procedimentos a serem seguidos, seja por força de lei, convenção ou acordo coletivo ou aqueles criados pela própria empresa.

Estes documentos podem regular qualquer assunto de interesse da companhia, como regras e prazos para apresentação de atestados médicos, bonificações, compensações de jornada etc.  

A fim de assegurar a completa compreensão por parte dos colaboradores, é imprescindível a realização de treinamentos periódicos acerca das políticas internas elaboradas.

A simples entrega das regras em um documento escrito não têm a mesma efetividade de uma explicação clara acerca do seu conteúdo, com exemplificações e espaço para o esclarecimento de dúvidas principalmente no caso de trabalhadores com pouco grau de escolaridade.

A criação de um canal de denúncias tem grande relevância na prevenção de fraudes e situações que podem afetar diretamente o ambiente de trabalho e, consequentemente, os resultados do negócio por refletirem na produtividade dos colaboradores, qualidade do produto ou relação com os clientes.

Por meio dele é possível ter conhecimento de situações como assédio moral, discriminações, desvios etc, que muitas vezes só chegam até a alta gestão ou ao departamento de recursos humanos no momento de um pedido de demissão ou notificação de denúncia, autuação ou ação trabalhista. 

Contudo, como premissa básica do programa de integridade, o canal de denúncias somente terá efetividade se vier acompanhado da implementação de uma investigação interna.

A criação prévia de um procedimento para análise das denúncias viabiliza o seu correto e imediato direcionamento para apuração, gestão da denúncia e instauração da investigação.

Com isso a empresa pode tomar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência do fato e punir eventuais culpados.

Todas as medidas ora tratadas não são direcionadas apenas aos colaboradores da empresa, mas também àqueles com quem ela se relaciona, sejam clientes, fornecedores, parceiros etc.

Para isso, se faz necessária a realização da due diligence, consistente na investigação de terceiros, mediante a análise da idoneidade destes e, especificamente no âmbito trabalhista, se cumprem as normas e adotam os controles necessários a eles aplicáveis.

Com isso, a empresa reduz de forma considerável o risco de uma possível condenação perante o Poder Judiciário em eventual ação decorrente do descumprimento de normas trabalhistas por parte de terceiros contratados.

Em virtude da dinâmica do mercado, das relações, da produção e da legislação, todas as ferramentas ora discorridas devem ser submetidas a um monitoramento, a fim de atualizá-las e eventualmente criar novas que se façam necessárias.

A empresa é um organismo vivo e, uma vez implementado o programa de compliance, a sua revisão e renovação se tornam essenciais para a manutenção de um ambiente de trabalho saudável e do controle dos riscos a que a empresa está exposta.

A execução das ferramentas ora expostas não tem como única consequência a redução do passivo trabalhista.

Conforme explanado, a implementação do programa não visa exclusivamente o cumprimento das normas trabalhistas a fim de que a empresa esteja em conformidade com as leis, pois apenas isso não é suficiente para eliminação de riscos.

É preciso estabelecer objetivos e valores e criar um arcabouço de mecanismos a fim de efetivá-los.

Negligenciar essas medidas, coloca a empresa em risco de ter sua marca vinculada a notícias que manchem a sua imagem, não apenas por violação à legislação, como também por ter seu nome vinculado a outra empresa, seja parceiro, cliente ou fornecedor que não toma os cuidados necessários.

São frequentes as notícias de organizações que sofrem condenação por condutas graves como assédio moral, discriminações etc ou ainda que contratam empresas que não pagam sequer o salário dos seus colaboradores.

As ferramentas do programa de compliance visam evitar essas situações antes que elas resvalem na imagem do negócio, que uma vez abalada custa muito para ser recuperada.

Além disso, a partir do momento em que o empresário cria mecanismos que trazem clareza acerca das regras a serem seguidas e disponibiliza um canal para comunicar os problemas que estejam sendo vivenciados, faz com que seja formada uma relação de confiança e transparência com os colaboradores.

Essa satisfação reflete diretamente na lucratividade do negócio, com o aumento da produtividade e um bom relacionamento com o cliente, que é o objetivo final da empresa.

Não é possível pensar em um bom relacionamento com o cliente sem cuidar daqueles que lidam diretamente com ele. 

A consequência disso é um ambiente de trabalho saudável e o fortalecimento da imagem da empresa perante o mercado e a sociedade como uma organização séria e que possui responsabilidade social.

O consumidor tem feito escolhas cada vez mais conscientes e visa contratar serviços e adquirir produtos que estão em consonância com os seus valores.

Portanto, os reflexos são muito mais abrangentes do que a simples redução de demandas judiciais.

Artigo escrito pela advogada Rayane Carolina Pereira Florence, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.

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Fonte: Jornal Contábil
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