No universo jurídico, algumas coisas parecem não fazer sentido, enquanto outras são bastante lógicas.
Na segunda categoria, podemos colocar o conceito de prescrição acidentária, que estabelece o tempo dentro do qual é possível mover uma ação.
Se não houvesse um limite de tempo, ninguém teria segurança; imagine se, mesmo depois de 30 ou 40 anos de um fato, você ainda pudesse ser processado por ele.
Neste artigo, vamos entender um pouco melhor esse conceito e, principalmente, focar na prescrição acidentária, que é fundamental nos casos de Direito Trabalhista, já que diz respeito ao prazo para mover uma ação de indenização por acidente de trabalho.
O que é prescrição acidentária
Antes de falar sobre a prescrição acidentária, vamos entender melhor o conceito geral de prescrição.
Vale a pena lembrar que ele não é aplicado apenas nos casos de acidente de trabalho ou mesmo no Direito Trabalhista, mas em todos os ramos do Direito: Civil, Penal e outros.
A prescrição é o fim da possibilidade de apresentar uma demanda na Justiça. Isso não significa que o direito não existe mais, apenas que o titular, isto é, o “dono” desse direito não pode mais mover uma ação por ele.
Para entender melhor, vamos usar um exemplo.
Suponha que Pedro provoca um acidente de trânsito, causando dano ao carro de João. João, portanto, tem direito à reparação do dano.
Então, João tem um prazo de três anos (conforme estabelece o Código Civil, no artigo 206, §3º, V) para entrar com uma ação de indenização por danos materiais.
Terminado esse período, embora ele ainda tenha direito à reparação, não poderá mais demandá-lo na Justiça.
Prescrição ou Decadência
Aqui fica uma informação adicional: não podemos confundir a prescrição com a decadência.
Falamos em decadência quando o que acaba não é o prazo para apresentar a demanda na Justiça, mas o prazo para exercer o direito, realmente.
Por isso, alguns especialistas dizem que a decadência é a “morte” do direito.
Além disso, para todo tipo de demanda possível na Justiça, existe um prazo de prescrição; porém, nem todo direito tem prazo de decadência.
Retomando o exemplo que usamos acima, João tem três anos para mover a ação de indenização contra Pedro (esse é o prazo prescricional), mas ele nunca deixará de ter direito a essa indenização, pois a lei não estabelece prazo decadencial para o direito a reparação civil.
Principais prazos de prescrição
Nesse ponto, você já sabe que a prescrição é um conceito que se aplica em vários ramos do Direito e para todo tipo de demanda judicial. Porém, onde a maioria das pessoas acaba tendo algum contato com esse tema é no campo do Direito Civil.
Felizmente, o Código Civil tornou relativamente fácil identificar o prazo prescricional de diferentes tipos de demanda, colocando todos no mesmo lugar: o artigo 206. Comparativamente, no caso da decadência, é um pouco mais difícil encontrar as informações, pois os artigos que estabelecem prazos estão espalhados pelo código.
Vejamos, então, os prazos de prescrição que são aplicados para algumas das demandas cíveis mais comuns:
- Para quem é lesado pela sua seguradora, o prazo prescricional para mover ação contra ela é de um ano (art. 206, §1º, II do Código Civil);
- Para quem não recebe o pagamento da pensão alimentícia, o prazo prescricional para mover ação é de dois anos (art. 206, §2º do Código Civil);
- Para quem não recebe o pagamento de aluguel, o prazo prescricional é de três anos (art. 206, §3º, I do Código Civil);
- Para quem não recebe o pagamento de um valor estabelecido por meio de contrato, o prazo prescricional é de cinco anos (art. 206, §5º, I do Código Civil);
- Nos casos de demandas cíveis em que a lei não estabelece um prazo prescricional específico, aplica-se o prazo geral de 10 anos (art. 205 do Código Civil).
No campo do Direito do Trabalho, o prazo prescricional funciona de maneira um pouco diferente. Não existem prazos específicos para cada demanda; apenas um prazo geral. Ele está previsto no artigo 11 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, que diz:
Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
Esse prazo geral, então, tem dois critérios: ele tem duração máxima de dois anos após o contrato de trabalho ser extinto e duração máxima de cinco anos no total, com o contrato extinto ou não.
Essas durações não podem ser somadas para formar um prazo prescricional de sete anos.
Por exemplo, se quatro anos do prazo se passarem enquanto o vínculo entre empregado e empregador ainda está de pé, e então o contrato for extinto, esse trabalhador só terá mais dois anos para levar a demanda à Justiça.
Isso significa que, em muitos casos, se o empregado não quiser perder a oportunidade de mover uma ação para defender seu direito, ele precisa fazer isso enquanto ainda está trabalhando na empresa ou tomar a iniciativa de pedir demissão.
Do contrário, quando o contrato de trabalho eventualmente for extinto por iniciativa do empregador, o prazo prescricional pode já ter acabado.
Antes de encerrar esse tópico, um alerta importante: para saber até quando é possível fazer uma demanda na Justiça, conhecer o prazo não é suficiente.
Também é preciso saber em que momento ele começa a ser contado.
Em muitos casos, a própria lei traz essa informação, mas não em todos.
No caso da demanda por pagamento de pensão alimentícia, por exemplo, o Código Civil deixa claro que o prazo é contado a partir da data em que a prestação vencer.
Porém, no caso da demanda por pagamento de valor estabelecido em contrato, ele não especifica qual é o momento em que o prazo prescricional começa a correr.
O que é prescrição acidentária
Agora, chegamos ao ponto principal do nosso artigo: a prescrição acidentária.
Um dos preceitos básicos do Direito Civil é que, se uma pessoa causa dano à outra, aquela que suporta o dano passa a ter direito a reparação (artigo 927 do Código Civil). Esse preceito também é aplicado no Direito Trabalhista e, por isso, um acidente de trabalho pode gerar o direito a indenização para o empregado.
Dizemos que “pode gerar” porque há alguns elementos que devem estar presentes para que esse direito exista, mas não vamos entrar nesses detalhes agora.
No entanto, como já foi explicado, não haveria segurança jurídica se o empregado que sofre um acidente pudesse mover a ação de indenização a qualquer momento, mesmo décadas depois do evento.
Por isso, existe a prescrição acidentária; em outras palavras, um prazo para a prescrição de uma demanda na Justiça por indenização em casos de acidente de trabalho.
Ultrapassado esse prazo, mesmo que o empregado ainda tenha direito à indenização, ele não poderá demandá-la judicialmente.
Prazos da Prescrição Acidentária
O conceito já está bem entendido; é hora de abordar a questão de um ponto de vista prático, entendendo os prazos.
O prazo da prescrição acidentária é o mesmo aplicado para a prescrição de ações de indenização por doença ocupacional ou de qualquer outra demanda trabalhista: até dois anos após o contrato de trabalho ser extinto e até cinco anos no total.
Porém, ainda existe mais um aspecto a considerar.
Como você já viu, para determinar quando acaba a possibilidade de apresentar uma demanda à Justiça, saber em que momento o prazo começa a ser contado é fundamental.
No caso da prescrição acidentária, a resposta pode parecer óbvia: esse momento é quando ocorre o acidente. No entanto, não é bem assim.
Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais são situações complexas. Mesmo que você saiba quando uma pessoa sofreu um acidente, o que realmente importa é quando ficaram claras as consequências desse evento, isto é, o dano que ele causou.
Da mesma forma, nem sempre é possível estabelecer quando uma doença surgiu, pois o adoecimento é um processo gradual; o que interessa é quando foi possível determinar suas consequências.
Aplicamos, então, a Súmula 278 do STJ. Súmulas são uma consolidação do entendimento dos Tribunais. Nesse caso, o entendimento é o seguinte:
SÚMULA N. 278. O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
Resumindo: o prazo começa a correr não a partir do momento em que o trabalhador sofreu o acidente ou mostrou sintomas da doença, mas a partir do momento em que ele tomou conhecimento da verdadeira extensão do dano sofrido.
Antes disso, ele nem conseguiria avaliar de maneira justa qual deveria ser sua própria demanda.
Surge, então, uma pergunta: como saber quando o trabalhador teve ciência do dano? A resposta, como em muitas situações, é: depende.
Se o acidente (ou doença) levou a algum tipo de incapacitação ou limitação para o trabalho, a comprovação pode ser feita por meio de laudo médico.
Se ele precisou se afastar, recebendo benefício previdenciário – auxílio-acidente ou auxílio-doença –, os tribunais costumam entender que ele teve ciência a partir do momento que recebeu alta do afastamento e voltou a trabalhar, já que, nesse momento, é produzido um laudo médico.
Por outro lado, se o acidente (ou doença) não causou nenhuma incapacitação ou limitação, considera-se que ele teve ciência a partir do próprio momento do acidente, porque o dano sofrido não tinha nenhuma extensão maior.
Vejamos como esse assunto apareceu em um caso real julgado no TRT-4.
Após o juiz de 1ª instância ter declarado que o prazo prescricional já tinha acabado, o trabalhador recorreu.
Ele tinha trabalhado para uma empresa entre 25/01/2010 e 07/10/2015; sofreu um acidente de trabalho em 13/10/2011; permaneceu afastado, recebendo benefício previdenciário, até 15/03/2012, quando voltou a trabalhar; e entrou com a ação em 06/10/2017.
O tribunal então, considerou que o conhecimento da extensão do dano ocorreu quando o trabalhador recebeu alta do benefício.
Portanto, quando ele entrou com a ação, o prazo prescricional de cinco anos para demandas trabalhistas já tinha passado.
Como resultado, o recurso foi negado.
Neste artigo, você viu o que é prescrição acidentária e como é calculado o prazo prescricional nos casos de acidente de trabalho ou doença ocupacional.
Esse conhecimento permite determinar se você deve ou não entrar com um processo, já que, uma vez que o prazo prescricional tenha acabado, o juiz nem mesmo analisa o pedido.
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Fonte: Saber a Lei
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