Ex-empregado demitido há mais de 10 anos não poderá ser excluído do plano de saúde

Em 15 de setembro de 2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial nº 1.879.503-RJ, que trouxe à tona importante discussão envolvendo princípio jurídico não muito conhecido pelos empresários.

Com base no princípio da supressio, o STJ entendeu que a ex-empregadora não poderia excluir do rol de beneficiários do plano de saúde coletivo um ex-empregado demitido há mais de 10 anos, ainda que tal decisão de exclusão estivesse amparada pela legislação aplicável aos planos de saúde.

Conforme a lei específica que dispõe sobre os planos de saúde (Lei nº 9.656/1998), o ex-empregado demitido sem justa causa, desde que preencha alguns requisitos previstos pela lei, bem como desde que assuma a obrigação de pagamento integral do valor do plano, tem o direito de permanecer como beneficiário do plano de saúde por um prazo determinado.

Tal prazo, disposto pela própria Lei, pode variar dentre o mínimo de 06 (seis) meses e o máximo de 24 (vinte e quatro meses).

No caso julgado pelo STJ, o ex-funcionário foi demitido no ano de 2001, mas a ex-empregadora apenas comunicou-o acerca da exclusão do plano de saúde em 2013, ou seja, a ex-empregadora permitiu que o ex-empregado permanecesse como beneficiário do plano de saúde por 10 (dez) anos além do prazo máximo previsto pela legislação aplicável.

Tal período de 10 (anos) de inércia foi o principal elemento analisado pelo STJ e também pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pois entenderam que a manutenção do ex-empregado no plano de saúde por período muito superior àquele previsto pela Lei foi capaz de “despertar no autor a confiança legítima na manutenção vitalícia do benefício” (fl. 379, e-STJ).

Para a ex-empregadora, tal extensão de prazo foi uma mera liberalidade da empresa em benefício do ex-empregado, motivo pelo qual não poderia ser prejudicada por tal liberalidade. 

Inclusive, afirmou a ex-empregadora que proporcionar que o ex-empregado permanecesse no plano de saúde coletivo implicaria em desmotivar outras empresas a adotarem a mesma prática em benefício de seus ex-empregados.

De fato, vale a reflexão: qual empresário que nunca tomou a decisão de ser benevolente com um devedor ou parceiro comercial?

Será que o ato de benevolência seria praticado se o empresário soubesse que estava limitando o exercício de um direito seu?

Provavelmente a benevolência não teria sido praticada.

INSS

A fundamentação jurídica para tal decisão encontra guarida no Código Civil e no princípio da boa-fé disposto em seu artigo 422, do qual decorre o princípio da supressio, que foi aplicado ao caso conforme voto da ministra Nancy Andrighi, relatora do processo.

O princípio da supressio é importante e conhecido princípio jurídico, mas que traz estranheza àqueles que não pertencem ao meio jurídico.

Porém, a ideia é bastante simples de ser traduzida para a linguagem não jurídica, sendo essa: o não exercício de um direito por uma parte gera, na outra parte, uma expectativa de que esse direito não será mais exercido.

No caso objeto do Recurso Especial nº 1.879.503-RJ, o STJ entendeu que houve abuso de direito da ex-empregadora ao violar a expectativa que havia criado em seu ex-empregado, qual seja, de que a empresa não o excluiria como beneficiário do plano de saúde, e o manteria em condição vitalícia como beneficiário.

Inúmeros são os casos encontrados na Jurisprudência brasileira, em que situações similares são enfrentadas, seja na hipótese em que uma parte, por um lapso, esquece de exercer um direito contratual, seja na hipótese em que uma parte, por um ato de benevolência, não exerce um direito contratual.

Na grande maioria dos casos, a consequência é a mesma: é reconhecida a supressão do exercício do direito em face da outra parte.

Portanto, é válido ressaltar que para todo e qualquer ato de benevolência exista a ponderação dos riscos relativos à supressão do direito daquele que exerce tal ato, de modo que a decisão seja feita de forma consciente, ponderando as consequências econômicas de tal ato.

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Por: Talita Orsini de Castro Garcia, advogada sênior especialista da área contratual do escritório Finocchio & Ustra advogados.

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Fonte: Jornal Contábil
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