Muitas pessoas tem se deparado com a situação de serem autuadas pelas infrações de trânsito da chamada popularmente “lei seca”, que são as condutas de forma mais comum relativas ao teste do “bafômetro”, seja quando se faz o teste e se constata resultado positivo para detecção do álcool, seja quando o condutor se nega a fazer o referido teste.
Em ambos os casos, atualmente a legislação prevê aplicação das mesmas penalidades: pena de multa no valor de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por 12 meses.
De forma objetiva, algumas dúvidas merecem ser sanadas.
Não há imposição de multa ou suspensão de forma imediata ou automática!
NÃO. Primeiramente, após a autuação, quando o agente de trânsito ou policial lavra o auto de infração, não existe a imposição de multa ou suspensão da CNH de imediato, há de ser observado um procedimento, onde o cidadão tem o direito de se defender, e somente após finalizado este processo que o órgão de trânsito possui o direito de impor as penalidades previstas na lei.
Do auto de infração de trânsito – AIT.
Após o policial ou agente de trânsito preencher o auto de infração de trânsito, conhecido pela sigla AIT, é que de fato se dá início ao procedimento administrativo junto ao órgão de trânsito, onde o condutor ou proprietário do veículo terá até três recursos para apresentar.
Vale ressaltar que independe do condutor assinar o AIT; pode o condutor se recusar a assinar, ou mesmo se recusar a receber o auto de infração.
Da abertura do processo administrativo.
Uma vez lavrado o auto de infração, este documento é enviado para o respectivo órgão de trânsito autuador, que será o responsável por conduzir o procedimento e julgamento dos recursos, bem como aplicação das penalidades.
Processo da multa e processo de suspensão da CNH.
Também deve ficar claro que na prática a multa é tratada num processo e a suspensão em outro processo, e este último é aberto após a confirmação da imposição da multa, ainda que a Resolução nº 723 do CONTRAN e § 10 do artigo 261 do CTB tragam redação no sentido de haver um único processo em casos específicos.
Portanto, na prática, se percorrerá cerca de um ano ou mais no processo da multa, e depois, mais um ano ou mais, no processo de suspensão. Certo que enquanto em apreciação e julgamento os recursos, até decisão final, o condutor mantêm sua CNH normalmente para dirigir, é o chamado efeito suspensivo dos recursos.
Das fases do processo e os recursos administrativos.
Basicamente o cidadão dispõe de três recursos administrativos para buscar o cancelamento ou anulação do processo, que contra si pretende o estado impor a multa ou a suspensão do direito de dirigir.
Cada recurso é manejado conforme a fase em que se encontra o processo, sendo estritamente taxativos seus prazos, onde não há reconsideração de prazos ou outros meios de requerimento previsto na lei.
Todo o processo administrativo é padronizado, sempre com o mesmo rito processual para todo e qualquer órgão de trânsito, em todo o território nacional. Fato que decorre do regramento jurídico estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB, Lei nº 9.503/97) e as Resoluções expedidas pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN).
Feito esta introdução, cabe adentrarmos nas fases do processo e aos respectivos recursos propriamente ditos.
Lembrando que o aqui exposto, nas regras gerais, se aplica tanto no processo da multa como no processo da suspensão (ou mesmo no processo de cassação)
30 dias para expedição da notificação da autuação.
Primeiramente, como regra geral, após a autuação, o órgão de trânsito possui o prazo legal de 30 dias para a expedição da notificação de autuação.
Caso não seja cumprido tal prazo por parte do órgão de trânsito, a autuação deve ser cancelada (consequentemente cancelado a multa, pontuação, suspensão ou cassação decorrente daquele auto de infração – art. 281, II, CTB), mas tal fato deve ser suscitado em recurso.
Note-se que a data limite se concentra na expedição da notificação, e não na data do recebimento por parte do cidadão. Entretanto, tal questão foi alvo de decisão de cancelamento da autuação pelo Superior Tribunal de Justiça, pois, conforme deixa claro entendimento dos Ministros, se “não é entregue ao seu destino (a notificação), ela não cumpre a sua finalidade e, consequentemente, portanto, o princípio do contraditório e da ampla defesa”. (STJ – AREsp: 1229152 ES 2018/0001416-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 14/03/2018)
Aqui merece um parêntese, pois, caso o condutor tenha assinado o auto de infração, e se for o proprietário do veículo e receber o auto de infração no local e este auto de infração já contiver prazo para defesa, dai conta-se 15 dias da data do fato (autuação) como prazo para apresentar o primeiro recurso contra a autuação, a chamada defesa da autuação. Ocorre neste caso que o próprio AIT já é considerado como notificação inicial. (Res. Contran nº 619)
Recebida a primeira notificação: defesa da autuação.
Portanto, é na primeira notificação, normalmente entregue via correios, que se abre o primeiro prazo para recurso, chamado defesa da autuação (alguns órgãos de trânsito descrevem como defesa prévia), onde o cidadão pode apresentar seus argumentos e provas para o cancelamento da autuação.
Repare que nesta fase inicial não se fala em penalidade. A penalidade em si, ou seja, a multa, pontuação ou suspensão, somente é aplicada pelo órgão de trânsito autuador numa segunda fase do processo, após julgamento da defesa.
Nesta primeira fase do procedimento administrativo de trânsito será objeto de apreciação a legalidade da lavratura do auto de infração, nos termos formais.
Vale ressaltar que o preenchimento do AIT obedece também a normas padrões, essencialmente decorrente das Resoluções do Contran, por exemplo: Resolução nº 396 que trata dos radares; Resolução nº 619 que trata do processo de multas; Resolução nº 624 que trata do som automotivo, e etc.
Imposição da multa: recurso à JARI.
Numa segunda fase do processo, quando julgada indeferida a defesa da autuação, ou até mesmo não senda ela apresentada, ao proprietário do veículo ou ao condutor identificado cabe interpor o recuso junto à Junta Administrativa de Recursos de Infrações, conhecida pela sigla ‘JARI’.
Em qualquer órgão de trânsito deve haver uma JARI para julgamento do recurso contra a multa ou suspensão, sem exceções.
A Jari nada mais é do que uma junta administrativa, composta por três ou cinco pessoas, responsáveis por analisar e julgar os recursos, sendo que nesta decisão podem ser apreciados fatos além da questão meramente formal do auto de infração.
Aqui deve o cidadão ficar atendo, pois, caso não entre com o recurso dentro do prazo legal, que é até a data de vencimento da multa (ou prazo estipulado em notificação quando se tratar de processo de suspensão), seu recurso será inevitavelmente julgado intempestivo, ou seja, não será reconhecido, recebendo a decisão de encerramento do processo administrativo, com a imposição das penalidades (multa, pontuação, ou suspensão, ou cassação, conforme o caso).
Ou seja, no caso de se perder o prazo da defesa da autuação o processo não se encerrará, podendo ainda interpor o recurso à Jari, mas o prazo do recurso à Jari é peremptório.
O mesmo aqui exposto se aplica nos casos do processo de suspensão ou cassação da CNH.
Da decisão da JARI: recurso ao CETRAN.
Vindo decisão da Jari de indeferimento, ou seja, mantendo a multa imposta (ou suspensão, ou cassação), cabe ao cidadão um último recurso, desta vez, direcionado a um órgão de trânsito de segunda instância, normalmente ao Conselho Estadual de Trânsito, conhecido pela sigla ‘CETRAN’.
Digo normalmente porque quando se se tratar de penalidades impostas por órgãos ou entidades de trânsito da União, à exceção dos casos de suspensão por mais de seis meses, cassação ou penalidades gravíssimas, este último recurso pode ser analisado e decidido por colegiado especial integrado pelo Coordenador-Geral da JARI, pelo Presidente da Junta que apreciou o recurso e por mais um Presidente de Junta; e nos processos do Distrito Federal este órgão de segunda instância é denominado pela sigla ‘CONTRANDIFE’, que é o Conselho de Trânsito do Distrito Federal.
O CETRAN é um órgão único, sempre sediado nas capitais dos estados, e recebe os recursos de todos os órgãos de trânsito do Estado e respectivos municípios, sejam eles oriundos de processos que correm nos Detrans, Prefeituras ou Departamentos de Trânsito das rodovias estaduais.
Lembrando que os recursos ao CETRAN são sempre encaminhados pelos respectivos órgãos de trânsito inferiores. Por exemplo, se o processo corre junto ao Detran, o cidadão deve protocolar o recurso no Detran, e ao Detran cabe encaminhar este recurso (juntamente com o próprio processo) ao Cetran.
Normalmente as decisões do CETRAN são mais demoradas, algo em torno de 6 meses a 1 ano, devido ao grande número de recursos processados junto ao Conselho.
Da morosidade dos processos.
Conforme acima citado, no processo administrativo, ao condutor é dada a oportunidade de se defender, podendo interpor três recursos contra cada processo.
Ao todo, normalmente o processo da imposição de multa tem percorrido cerca de 1 ano à 2 anos, dependendo do Estado ou órgão de trânsito. E o processo de suspensão normalmente entre 1 à 3 anos, também dependendo do Estado.
Ocorre que esta demora nos julgamentos se deve ao fluxo de recursos e o trabalho ao ser analisados, entretanto, tal fato não gera uma nulidade por si só. Somente nos casos de prescrição, nos prazos de 3 anos quando o processo ficar sem andamento, ou 5 anos para a abertura do procedimento contra o cidadão.
Do efeito suspensivo e o direito de dirigir.
O principal ponto de preocupação dos condutores está no direito de dirigir, já que a ‘Lei Seca’ prevê penalidade de 12 meses de suspensão da CNH, todavia, havendo reincidência em 12 meses podendo gerar o processo de cassação. (Res. Contran nº 723)
Ocorre que enquanto em julgamento todos os recursos manejados para tentar o cancelamento da autuação, multa ou suspensão, a CNH permanecerá totalmente regular.
Somente ao final, quando da decisão do CETRAN no processo de suspensão, é que de fato o Detran poderá executar a notificação do condutor para entregar sua CNH para cumprimento da suspensão ou efetuar qualquer bloqueio sobre a mesma.
Dica Extra: Se você já recorreu de uma multa ou conhece alguém que o fez, sabe que a dificuldade para conseguir êxito nos processos administrativos de trânsito é imensa. Há, por parte dos condutores, notório desconhecimento sobre a matéria. Por este motivo, muitos desistem de apresentar seus recursos e acabam sendo penalizados.
Para recorrer é necessária a utilização das técnicas corretas. Não existe fórmula mágica. Mas é possível ser vencedor no processo administrativo em que se discute a aplicação da multa por infração no trânsito ainda que haja efetivo cometimento da infração. Se você deseja aprender como recorrer as multas de forma correta, tendo êxito no seu processo de multa, clique aqui e conheça o treinamento ideal para quem deseja se livrar de uma vez por todas de multas indesejadas.
Conteúdo por Tiago Cippollini especializado no direito administrativo de trânsito e-mail: tiago.recursoadm@gmail.com
Fonte: Denatran e Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97)
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Fonte: Jornal Contábil