Por Caren Benevento, advogada sócia do Benevento Advocacia e pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Getrab/USP).
 

A transmissão de bens em vida — via doação com reserva de usufruto ou outras modalidades de adiantamento da legítima — sempre foi uma alternativa utilizada por famílias que desejam organizar a sucessão patrimonial de forma clara, segura e menos onerosa. No entanto, a decisão que está prestes a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal pode mudar substancialmente esse cenário, ao julgar a constitucionalidade da cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital em doações feitas em vida.
 

A controvérsia gira em torno de um ponto técnico, mas de enorme impacto: se o contribuinte transfere, por exemplo, um imóvel que se valorizou ao longo do tempo, ele deve recolher IR sobre essa valorização? A Receita Federal entende que sim, alegando que há um acréscimo patrimonial (ganho de capital) na operação. Já os contribuintes argumentam que a doação representa uma saída de patrimônio — e não um ganho — o que afastaria a incidência do imposto. Além disso, essa mesma doação já é tributada pelos estados por meio do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), o que levanta dúvidas sobre possível bitributação
 

Essa não é uma discussão trivial. A forma como o STF decidirá o caso (RE 1.522.312, com repercussão geral reconhecida) pode impactar milhares de famílias brasileiras que buscam regularizar ou antecipar sua sucessão patrimonial por meio de instrumentos legais, com previsibilidade e racionalidade tributária.
 

A verdade é que o Brasil ainda caminha para compreender o planejamento sucessório como uma prática legítima, preventiva e não como uma forma de evasão. Por isso, é importante observar que há múltiplas formas de organizar a sucessão e que nem todas envolvem altos custos ou estruturas complexas.

Entre os caminhos possíveis, destacam-se:

  • Doação com reserva de usufruto, em que o doador transfere a propriedade, mas mantém o uso do bem até sua morte;
  • Testamento público, que permite organizar o destino dos bens e preservar a autonomia da vontade, dentro dos limites legais;
  • Holdings familiares, que podem ser eficientes para grandes patrimônios, desde que bem estruturadas;
  • Seguro de vida com indicação de beneficiários, que oferece liquidez imediata para herdeiros, sem entrar em inventário.

Cada uma dessas alternativas possui particularidades jurídicas e fiscais. O desafio é construir um planejamento que seja legítimo, transparente e equilibrado do ponto de vista tributário — e, para isso, é fundamental garantir segurança jurídica nas regras do jogo.
 

A judicialização da sucessão é uma realidade crescente, sobretudo diante da ausência de orientações claras ou mudanças legislativas que tragam mais harmonia entre os entes federativos e as normas fiscais. O julgamento no STF é uma oportunidade para que o Poder Judiciário defina parâmetros que evitem surpresas e ofereçam segurança a quem se organiza de forma responsável.
 

Cabe lembrar que sucessão não é só sobre patrimônio. É também sobre cuidado, legado, relações familiares e, muitas vezes, sobre proteger pessoas queridas de conflitos que poderiam ser evitados. É um gesto de responsabilidade — e não deveria ser tratado com insegurança jurídica.
 

Independentemente do resultado do julgamento, é essencial que o debate sobre herança e planejamento patrimonial seja ampliado, com mais educação jurídica, menos tabu e, sobretudo, com respeito à autonomia das famílias que buscam construir seu futuro com clareza e legitimidade. 

Sobre Caren Benevento

Advogada com mais de 20 anos de experiência, Caren é especializada em processos judiciais e negociações trabalhistas no setor bancário, além de gerenciamento de passivo judicial. Há 15 anos, assessora empresas em questões consultivas e contenciosas, com foco em relações de trabalho, áreas empresarial, societária e de governança corporativa. Possui certificação pela International Association of Privacy Professionals (CIPM) e auxilia empresas na conformidade com a LGPD. É pesquisadora do Grupo de Estudos do Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP). Também possui especializações em Direito Empresarial pela FGV Direito SP, Proteção de Dados pela FMP, Negociações Empresariais pela FGV Direito SP, e Compliance Trabalhista pela FGV Direito SP, entre outras formações.

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O post Planejamento sucessório e a judicialização da herança: o que está em jogo no STF? apareceu primeiro em Jornal Contábil – Independência e compromisso.

Contabilidade em SBC é com a Dinelly. Fonte da matéria: Jornal Contábil