A análise da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/2019, que institui uma reforma no sistema de Previdência Social do país, foi aprovada em 1º turno na Câmara dos Deputados. O projeto do governo deve passar, no início de agosto, por uma votação em segundo turno no plenário da Câmara e, em seguida, seguirá para apreciação do Senado Federal. Depois da aprovação em dois turnos nas duas casas legislativas, as novas regras passarão a valer para os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e para os servidores públicos, incialmente apenas os federais.
Diversas foram as mudanças aprovadas e o texto ainda pode sofrer novas alterações. Enquanto os segurados aguardam pelo desfecho da reforma da Previdência, especialistas aconselham a focar no planejamento da aposentadoria; na busca de alternativas, como os planos de previdência privada. Recomendam também pensar bem antes de correr para se aposentar e a se preparar para buscar a Justiça como uma forma de garantir os seus direitos.
“Deve o segurado analisar em qual modelo de aposentadoria ele se enquadra hoje e quanto será sua aposentadoria respeitando as regras atuais. Depois, analisar, de acordo com o texto aprovado, como ficará sua situação e qual valor ele irá receber após a reforma”, aconselha Vitor Carrara, advogado especialista em Direito Previdenciário do escritório Stuchi Advogados.
Já conforme João Badari, também especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, é essa falta de avaliação sobre a necessidade da antecipação da aposentadoria que faz com que muitos segurados cometam o erro de “correr” para se aposentar na iminência de aprovação da reforma.
O receio não faz sentido, segundo ele, já que a lei protege os direitos já existentes. “Isso é um erro, pois quem já tem direito adquirido ao benefício não será prejudicado. Por exemplo, uma mulher que tem 52 anos de idade e 30 anos de tempo de contribuição já tem o seu direito consolidado e não será prejudicada”, exemplifica Badari.
Outra questão a ser observada nesse momento de planejamento da aposentadoria, segundo os especialistas, é que a reforma traz regras de transição para quem ainda não adquiriu o direito de se aposentar, mas está próximo de alcançar o benefício. Desse modo, o segurado tem uma alternativa às novas regras. “Vale a análise de cada caso. As pessoas devem ter cautela e avaliar sua condição atual e as regras de transição. Por isso não tem uma resposta certa e este texto que está aprovado e pode ser alterado ainda tanto pela Câmara, no segundo turno de votação, como pelo Senado”, pondera Flávia Polycarpo, advogada do escritório Polycarpo Advogados.
Para Jusivaldo Almeida, vice-presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) em São Paulo, é o momento ainda de o segurado buscar alternativas de acúmulo de reservas para o final da vida, já que a reforma da Previdência dificulta a obtenção do benefício pelo INSS e também diminui os valores. “Faz-se necessário garantir uma aposentadoria sustentável, começando a poupar no mínimo 10% da renda bruta anual, elevando este percentual gradualmente até chegar próximo aos 30% após completar 45 anos de idade”, aconselha.
De acordo com Almeida, as reservas podem ser investidas tanto no mercado financeiro como em produtos como a previdência privada, títulos públicos e privados de médio e longo prazo. “Os títulos com prazos mais longos pagam remunerações melhores. Mas antes de investir nestes prazos é recomendável que se faça uma reserva financeira para emergências e gastos de curto prazo”, orienta o educador.
Entretanto, Luana de Oliveira, advogada especializada em Previdência do escritório Luis Mesquita Advocacia, adverte que é preciso começar a poupar cedo. “A previdência privada pode ser uma ótima opção para o jovem contribuinte, tendo em vista que a expectativa é que este continue laborando durante muitos anos. Contudo, ela não é vista com bons olhos para o contribuinte com mais de 35 anos, por exemplo, pois este, uma vez que pego despreparado, ele não conseguirá laborar por tanto tempo para poupar uma quantia que supra todas as necessidades futuras”, prevê.
Mudanças na aposentadoria
Antes de tudo, conforme Vitor Carrara, é importante que o segurado conheça o que está sendo discutido e votado no Congresso Nacional. “Ele deverá conhecer e entender para poder se enquadrar nas regras especificas para o seu caso. Aconselho o segurado que não conhecer o sistema a procurar um profissional para realização do cálculo”, ele sugere.
O advogado previdenciário João Badari elenca, entre as principais alterações na Previdência, o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, com a criação de uma idade mínima, e a mudança na forma de cálculo dos benefícios, sejam aposentadorias, benefícios por incapacidade e pensões.
No regime dos trabalhadores do setor privado, atualmente, há três formas de aposentar. Homens se aposentam aos 65 anos e, mulheres, aos 60 anos, desde que tenham 15 anos de contribuição. A segunda alternativa é ter apenas 35 anos de contribuição (homens) ou 30 anos de contribuição (mulheres). A terceira opção é somar a idade com o tempo de contribuição (soma atualmente que deve ser de 96 pontos para homens e de 86 para mulheres).
No texto atual da reforma, homens necessitam ter ao menos 65 anos para se aposentar e, mulheres, 62 anos, com o tempo mínimo de contribuição de 20 e 15 anos, respectivamente. Há quatro regras de transição para trabalhadores da iniciativa privada que já estão no mercado e devem ser avaliadas, conforme os especialistas. Um exemplo é a fórmula 86/96, na qual homens podem somar a idade e o tempo de contribuição para atingir 96 pontos, enquanto as mulheres precisam alcançar 86 pontos.
Já em relação aos cálculos, muitos benefícios terão o recebimento do seu valor integral dificultado. É o caso da pensão por morte, hoje com valor correspondente a 100% do benefício que o segurado falecido recebia e que, com a reforma, será de apenas 50% com o acréscimo de cota de 10% para cada dependente. O valor de pelo menos um salário mínimo será garantido apenas a quem não tenha um trabalho formal ou no caso de a pensão ser a sua única fonte de renda.
A reforma ainda, no cálculo da aposentadoria, também passa a não desconsiderar mais 20% das menores remunerações do segurado, como ocorre atualmente.
Em razão disso, é preciso que o segurado, ao se planejar, tenha a certeza da sua situação atual e que possa comprovar a sua condição e os seus direitos. “O principal é buscar documentos no INSS e fazer a contagem do tempo de contribuição, verificar se os valores do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) estão corretos e preparar as eventuais retificações, como o tempo de trabalho anotado na carteira e não constante no cadastro do INSS. É importante também juntar provas que podem aumentar o tempo de contribuição no caso de trabalho em condições especiais ou no campo, por exemplo”, orienta Badari.
No caso do servidor público, conforme Leandro Madureira, advogado previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, o planejamento previdenciário deverá considerar, primordialmente, a sua data de ingresso no serviço público. “Mas se for empregado público, por exemplo, outros fatores influenciarão ainda mais na hora do planejamento”, afirma.
Segundo Madureira, é importante avaliar se é possível acrescentar algum tempo que não tenha sido contabilizado e verificar se há alguma disposição normativa que considere a atividade desse trabalhador de forma diferenciada. “É preciso ter a carteira de trabalho em dia, além dos extratos de contribuição, e o mapa de tempo de contribuição desse trabalhador”, orienta.
Judicialização e direitos
Leandro Madureira também alerta que, com a reforma, muitas regras da Previdência Social poderão ser alteradas no futuro por lei complementar. “As mudanças se referem aos critérios de elegibilidade aos benefícios previdenciários, como idade e tempo de contribuição, mas, também a aspectos estruturantes. Se o texto for aprovado, a Previdência Social brasileira passará a ser regida de forma infraconstitucional, o que torna o regramento muito mais vulnerável a futuras alterações. O brasileiro terá uma insegurança jurídica muito maior”, critica.
Apenas a idade mínima dos servidores públicos foi fixada na Constituição em 65 anos para o homem e 62 anos para a mulher. Lei complementar estabelecerá de forma definitiva as regras para quem entrar para o sistema após a reforma, com exceção do cálculo da aposentadoria, que dependerá de lei ordinária.
Uma lei complementar depende do voto favorável de 257 deputados e 51 senadores, enquanto a lei ordinária necessita de maioria simples, correspondente a 50% mais um dos votantes se presentes 257 deputados ou 51 senadores no plenário.
Para Erick Magalhães, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, esse contexto deve resultar no aumento da judicialização. “No ano de 2017, antes da aprovação da Reforma Trabalhista, houve grande acréscimo de distribuição de ações na Justiça do Trabalho. Agora, com a iminência de aprovação do texto que fará a reforma da Previdência, certamente também haverá aumento de processos tanto no âmbito administrativo, como também junto ao Poder Judiciário. Sendo indeferido o pedido administrativo (no INSS), a parte tentará se socorrer junto à Justiça, na busca de fazer prevalecer a legislação atual, mais benéfica”, analisa.
A advogada previdenciária Luana de Oliveira cita o exemplo dos segurados que trabalham hoje em condições nocivas à saúde e desejam contar com a aposentadoria especial. A reforma deve criar a necessidade de uma idade mínima para esse modelo, que hoje conta com a exigência apenas do tempo de contribuição. “Será iminente o aumento de ações para requerimento de benefício de auxílio-doença. Os trabalhadores considerados especiais terão uma idade mínima e ficarão expostos a agentes nocivos por muito mais tempo. A saúde dessas pessoas será prejudicada e estes trabalhadores só terão uma saída que é o benefício de auxílio-doença e, se comprovado a permanência da incapacidade, a aposentadoria por invalidez”, prevê.
Contudo, para a advogada Flávia Polycarpo, o aumento do número de ações na Justiça pode não ser tão imediato. “Haverá um período para se entender quais são as novas regras e como elas afetam os direitos. Com isso, podemos ver uma queda inicial. Passado esse período, pode haver um aumento”, analisa.
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Fonte: Jornal Contábil
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