A proposta de implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) no Brasil, por meio da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), representa um marco histórico no esforço de simplificação e racionalização do sistema tributário nacional. Entretanto, os impactos sobre o setor aéreo têm levantado sérias preocupações — não apenas de natureza econômica, mas também social, jurídica e estratégica.
Setor aéreo pode ser um dos maiores prejudicados pela nova alíquota
Atualmente, a aviação civil opera sob um regime tributário diferenciado, com alíquotas reduzidas ou isenção parcial de tributos como PIS e Cofins, resultando numa carga efetiva inferior a 10%. Com a adoção de uma alíquota-padrão estimada em 26,5%, os efeitos sobre o setor seriam profundos e imediatos:
- Aumento significativo no custo das passagens aéreas
- Redução da demanda estimada entre 20% e 30%, segundo estudos do setor
- Desestímulo à manutenção de rotas regionais, especialmente aquelas economicamente deficitárias, mas socialmente estratégicas
Esse cenário compromete a integração nacional e contraria princípios constitucionais como isonomia tributária, capacidade contributiva e função social dos serviços essenciais.
Cadeia curta e margem reduzida: características ignoradas pela reforma
A proposta do IVA brasileiro adota uma lógica de neutralidade e simplificação, mas ignora características estruturais de segmentos como a aviação e a educação. Ao aplicar uma alíquota única para todos os setores, penaliza atividades com cadeia de valor curta, baixa margem de lucro e alta exposição a custos fixos não creditáveis, como:
- Combustíveis (sem aproveitamento total de crédito tributário)
- Leasing internacional de aeronaves
- Taxas aeroportuárias e serviços logísticos internacionais
Enquanto setores industriais com longas cadeias produtivas podem gerar créditos substanciais e neutralizar o IVA, o setor aéreo não dispõe dessa estrutura de compensação, tornando-se desproporcionalmente onerado.
Teste seus Conhecimentos sobre a Reforma Tributária
O que fazem os países da OCDE?
A experiência internacional, especialmente de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aponta caminhos alternativos e tecnicamente viáveis para preservar a neutralidade tributária sem abrir mão da eficiência:
- Alíquotas reduzidas para transporte coletivo (incluindo transporte aéreo)
- Créditos presumidos sobre insumos estratégicos como querosene de aviação
- Regimes de transição escalonados, para permitir a adaptação do setor e do mercado
Essas medidas não são privilégios fiscais, mas sim instrumentos de calibragem técnica, utilizados para evitar distorções competitivas e rupturas operacionais.
Perspectiva jurídica: proporcionalidade e função social
Do ponto de vista constitucional, uma tributação que multiplica a carga do setor por três ou quatro vezes em um curto espaço de tempo pode ser questionada por ferir os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e livre iniciativa. O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões anteriores, já reconheceu que a tributação desproporcional de setores socialmente relevantes viola o pacto constitucional.
Ignorar o papel estratégico da aviação — especialmente num país com dimensões continentais e graves assimetrias de infraestrutura — é tratar um serviço essencial como mera atividade comercial, sujeito às mesmas regras de produtos supérfluos.
Mecanismos de reação e articulação institucional
O setor aéreo não está de braços cruzados. Entidades representativas já articulam estratégias de mitigação, como:
- Negociação direta com o Congresso Nacional
- Propostas técnicas ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal
- Ações judiciais, incluindo Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), caso se confirme a desproporcionalidade da carga
- Planejamento tributário e reestruturação de modelos de negócio
Além disso, acordos setoriais e regimes especiais podem ser discutidos para garantir a continuidade dos serviços essenciais, sem comprometer a arrecadação nem a proposta de simplificação do sistema.
Conclusão: risco de apagão aéreo tributário
A Reforma Tributária é necessária, mas não pode se concretizar às custas da viabilidade de setores estratégicos. A aviação civil brasileira desempenha papel fundamental na coesão territorial, no turismo, no transporte de cargas urgentes e no acesso à saúde em regiões remotas.
A elevação da carga tributária sem calibragem técnica, sem regime de transição adequado e sem compensações proporcionais é uma ameaça concreta ao funcionamento do setor. O país pode caminhar para um “apagão aéreo tributário”, com redução de rotas, elevação de preços e perda de competitividade logística — um cenário que seria socialmente desastroso e economicamente inaceitável.
O post Reforma Tributária e o Setor Aéreo: risco de apagão logístico e retrocesso estratégico apareceu primeiro em Jornal Contábil – Independência e compromisso.
Contabilidade em SBC é com a Dinelly. Fonte da matéria: Jornal Contábil