É justíssimo o modelo de cálculo dos benefícios que leva em conta todo o percurso contributivo do segurado. Essa é a melhor expressão da proteção social que é, sobretudo, programa coletivo, no qual, o indivíduo cede passo ao todo.
Se cada qual teve perfil contributivo médio ao longo de toda a trajetória laborativa, é, e deve ser, essa a expressão do benefício que deverá receber.
Tudo o que diferir dessa mediana contributiva acabará por premiar de modo distinto os trabalhadores. Só serão mais bem aquinhoados com a prestação, aqueles cujas carreiras tenham compreendido uma ascensão constante, segundo certo modelo ideal que certas empresas cunham em suas escalas de carreira.
Ocorre que a imensa maioria dos trabalhadores passa por diversos períodos da vida laboral por momentos de estagnação e, até, de retrocesso, diante do brutal fenômeno do desemprego que convive, de modo dramático e desde sempre, com o mundo do trabalho.
O vetor do benefício médio é, assim, certo componente de equidade que, considerada toda a coorte de beneficiários, retrata não só a realidade contributiva, mas também o teor da previdência social que, em média, todos e cada qual perceberão a título de aposentadoria ou de pensão.
Aqui não se está a analisar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que está revestida das peculiaridades processuais geradas ao longo de processo pleno de problemas. Aqui só se trabalha com o conceito que, enquanto modelo ideal, deveria ser inscrito na legislação social. Mas, a verdadeira igualdade exige mais. Exige que esse modelo se aplique a todos os trabalhadores, independentemente do regime previdenciário a que se ache filiado.
Hoje em dia, a diversidade de regimes retrata verdadeiro oceano de desigualdades na proteção social e acaba por criar a seguinte situação paradoxal: quanto mais privilegiado o sujeito é, − que, pela lógica proteção social, menos deveria carecer da proteção comunitária −, mais bem aquinhoado será com a aposentadoria e com a pensão que venha a gerar.
As distorções, nesse modelo, chegam a ser tão violentas a ponto de criarem fictícias promoções nos cargos para que o trabalhador receba, na inatividade, provento que nunca percebeu na vida ativa. Quer dizer, a proteção social na inatividade, custeada por toda a coletividade, passa a ser mais vantajosa do que a remuneração que o sujeito percebia quando estava a serviço da comunidade. A qualquer pessoa do povo a quem se explicasse essa situação, esse privilégio, carregado de desigualdade, soaria como verdadeira afronta!
Por fim, o modelo de distorções − e refiro-me sobretudo ao instalado nos diversos regimes próprios − chega ao cúmulo de criar benefícios de valor ilimitado e que ultrapassam, em muito, o teto remuneratório do serviço público.
Ora, a redação original da Constituição, em 05 de outubro de 1988, estabeleceu, em Disposições Transitórias:
Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, nesse caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
Essa regra deveria ter o seguinte desdobramento lógico: redução de todo e qualquer provento cujo valor excedesse o teto de prestação constitucionalmente estabelecido.
No entanto, e pelo jeito, essa ordem constituinte não foi cumprida.
É o que se verifica com a edição, em dezembro de 2003 – vale dizer, 15 anos depois da promulgação da Constituição de 1988 –, de uma regra que manda aplicar o transcrito art. 17. É o que estabelece o art. 9º, da Emenda Constitucional n. 41, de 2003:
Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.
Interpretações casuísticas impediram, ao longo desses 35 anos, desde a promulgação da Constituição, que ela fosse cumprida e que ninguém percebesse benefício em valor superior ao teto constitucional, sob nenhum título, como ordena a parte final do art. 17.
Se os Tribunais de Contas auditassem o cumprimento dessa regra, verificariam as milhares de situações em que ela está sendo descumprida.
A construção de uma sociedade mais justa e igualitária passa, em primeiro lugar, pela estrita observância da Constituição, a maior e melhor garantia do Estado de Direito.
Por Wagner Baler, professor titular na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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Fonte: Jornal Contábil
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