O governo federal lançou recentemente a proposta da “Taxação BBB”, sigla que remete à ideia de tributar de forma mais intensa os Bilionários, os Bancos e as plataformas de Bets (apostas online). A narrativa é embalada sob o slogan de “justiça tributária”, em um contexto de necessidade crescente de arrecadação e perda de popularidade por um povo já cansado de tanto pagar imposto.
Em um país onde o sistema tributário é historicamente complexo, desigual e regressivo, a proposta ressoa bem entre parte da população. Afinal, quem não gostaria de ver os mais ricos contribuindo mais? O problema é que, por trás do slogan marqueteiro, há uma série de armadilhas técnicas, riscos econômicos e distorções estruturais que seguem intocadas.
E como em todo bom reality show, a pergunta é inevitável: quem vai para o paredão no fim das contas?
1. Uma narrativa que encanta, mas não transforma
A escolha do nome “Taxação BBB” é perspicaz: remete ao entretenimento popular e cria identificação com a ideia de punir “vilões” conhecidos. Mas é preciso olhar para além do apelo midiático.
A ideia de tributar Bilionários pode parecer justa e coerente, mas esbarra em desafios práticos:
- Grande parte do patrimônio está alocado em fundos exclusivos, holdings familiares e offshores, com forte blindagem jurídica.
- A falta de atualização cadastral e tecnológica da Receita, que limita a eficácia dessas medidas.
Além disso, a experiência internacional mostra que essa estratégia costuma fracassar — ou gerar efeitos colaterais graves. A França, por exemplo, implementou um imposto sobre grandes fortunas que levou à saída de cerca de 12 mil milionários do país em menos de uma década. O governo francês acabou abolindo o imposto em 2017 por considerá-lo ineficiente e contraproducente.
Já os Bancos são mestres em repassar custos.
Aumento de alíquotas sobre lucro ou operações financeiras significa, na prática:
- Elevação de tarifas,
- Encarecimento do crédito,
- Menor remuneração para aplicações populares. E o impacto recai, como sempre, sobre o correntista comum, o pequeno empreendedor, o consumidor de baixa renda.
Quanto às Bets (plataformas de apostas), trata-se de um setor novo e de difícil regulação. Mesmo sendo justificável que sejam tributadas, é ingênuo acreditar que as empresas absorverão o custo sem repassar.
- As odds ficam menos atrativas,
- As taxas aumentam,
- O jogador final — na sua grande maioria jovens e trabalhadores das classes C, D e E — paga a conta.
2. A regressividade estrutural permanece
Mesmo que a Taxação BBB arrecade alguns bilhões, ela não corrige o principal problema do sistema tributário brasileiro: sua regressividade extrema. O Brasil ainda tributa mais o consumo do que a renda e o patrimônio.
Enquanto se discute a justiça de tributar lucros milionários, continua sendo cobrado ICMS sobre as compras do supermercado, luz elétrica e transporte público. A classe média e os mais pobres seguem pagando pesadas cargas tributárias embutidas em bens essenciais — algo que não se altera com a atual proposta.
Além disso, benefícios fiscais a categorias privilegiadas do setor público, como verbas indenizatórias isentas para políticos, juízes e altos cargos, permanecem fora da pauta.
É como se o reality show tributário quisesse parecer justo, mas os privilégios continuam nos bastidores, intocados, com imunidade permanente.
3. Compensação fiscal: a conta sempre chega
A proposta da Taxação BBB surge como resposta à necessidade de compensar perdas de arrecadação, especialmente com a desoneração do IOF. Mas especialistas alertam:
- A tributação das bets, bancos e bilionários não garante fluxo suficiente e sustentável de receita pública.
- Caso a arrecadação não atinja a meta, o governo pode ser pressionado a aumentar tributos sobre setores mais fáceis de alcançar, como consumo, folha de pagamento ou pequenas empresas.
Em outras palavras: a conta chega — e geralmente para quem não tem como fugir dela.
É o clássico roteiro fiscal brasileiro, seguindo a linha do BBB:
- Promete-se justiça,
- Aponta-se para vilões visíveis com alta rejeição do público,
- Mas, na prática, quem vai para o paredão é o contribuinte comum, sem colar do anjo e sem estaleca.
4. A ausência de reforma verdadeira
A questão central é que o Brasil precisa urgentemente de uma reforma tributária estrutural e corajosa, e não de medidas pontuais e simbólicas.
Isso inclui:
- Redução da tributação sobre consumo e aumento sobre renda e patrimônio;
- Eliminação de isenções injustificadas para castas do setor público e político;
- Reorganização do pacto federativo com foco em eficiência e simplificação;
- E, sobretudo, combate efetivo à sonegação e evasão fiscal, que drenam bilhões todos os anos.
A Taxação BBB pode ter apelo popular, mas não substitui uma reforma de verdade. É uma medida paliativa, simbólica e — até certo ponto — populista, que oferece pouco resultado prático e mantém as distorções do sistema.
Justiça fiscal não se alcança com slogans
A Taxação BBB tenta transformar a arrecadação em espetáculo, colocando os “ricos e poderosos” no centro da narrativa. Mas, como no Big Brother Brasil, o que se vê nem sempre é o que acontece. Os verdadeiros privilégios dos políticos e de seus VIPs permanecem protegidos nos bastidores.
Enquanto isso, o brasileiro comum continua sendo o participante que trabalha o dia inteiro, paga todos os impostos embutidos no consumo, e ainda torce para não ser eliminado por falta de crédito ou de emprego.
No jogo tributário do Brasil, o Leão é o único que sempre ganha, e o povo é o eliminado recorrente. Justiça fiscal não se faz com bordões, mas com coragem técnica e política.
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Contabilidade em SBC é com a Dinelly. Fonte da matéria: Jornal Contábil