Nosso problema não é o direito material. Não está nas normas que nos garantem o que é nosso e impedem que outros nos lesem. É o direito processual. Estão aí, para quem quiser ver, as indenizações decorrentes de fatos terríveis, pendentes por anos, sem que as famílias recebam o incompleto consolo.
Em acidente aeronáutico ocorrido em São Paulo, sucumbiram pais de família, executivos embarcados às primeiras horas do dia. Suas famílias sofreram angústias inomináveis, filhos que frequentavam escolas privadas foram para as mal ajambradas públicas (não há no argumento nenhuma defesa de privilégios, a igualdade deveria preponderar). Não se nivela por baixo ou se generaliza o socialismo dos miseráveis.
O mesmo ocorre com os autores dos processos advindos da tragédia de Mariana. E muitas outras.
Justiça tardia é justiça que não existe, todos conhecem o dito de Ruy. E nada se resolve.
Os meses da Justiça brasileira têm dez dias, para qualquer ato. Como os atos processuais são muitos e sucessivos, e para algo muito simples o tempo é de um mês atalhado, multiplique-se e confira-se. Anos e anos a um processo, por mais prosaico que seja. Não à-toa se critica o STF, mas na crítica está embutido um forte sentimento de frustração ante a Justiça como um todo.
Explicamo-nos. Um novo Código de Processo Civil veio acompanhado de declarações de boas intenções (há um lugar cheio delas) para acelerar os processos. Embora algumas normas, nesse sentido, sejam adequadas e justas, o sistema não fecha. O Código é de 2016. Sob o anterior, os prazos eram corridos. É certo que só para os advogados. Contavam-se os fins de semana. Passaram a ser de dias úteis. Aos fins de semana a Justiça é inútil. O mês já foi reduzido a 22 dias. Afora isso, os relógios judiciários não são os nossos.
Os Cartórios, submissos aos juízes, não lhes mandam todos os processos pendentes de decisões. O Código está cheio de prazos para os juízes. Mais de 90% deles não os cumpre. Sabemos que trabalham muito. Mas não passou a hora de acabarmos com a demagogia, esse veneno letal em nosso país?
Contados os procedimentos burocráticos que entravam os andamentos, os prazos caem para os dez dias mensais. Inclusive nos denominados processos eletrônicos. Para quem tem alguma dúvida, considere-se que, na prática, nas justiças estaduais (mirando-se na paulista, a mais “célere” de todas), a partir de 15 de dezembro ninguém mais é de ferro. Efetivamente, só se volta nos últimos dias de janeiro ou nos primeiros de fevereiro nem critério objetivo há. Em outros estados, tudo volta só depois de Momo, mas ninguém é sincero. Por fim: os Tribunais Superiores (há razões para tratamentos privilegiados, diz-se) há férias generalizadas em julho e janeiro.
Nada mais é preciso dizer, mas o tema nos força a lembrar o exemplo da culta nação japonesa: férias anuais no máximo de 15 dias, para todas as atividades. No Canadá, que tem tantos recursos como nós, todos são examinados, até a última decisão, se cabível dos Tribunais Superiores, no prazo máximo de dois anos.
Trata-se de um problema, antes de tudo, filosófico. Contrariando a máxima de Kant, que trabalhou com lhaneza até em seu leito de morte, o homem não é um homem, é um objeto. Assim a Justiça encara as partes nos processos. Milhões que esperam, alguns mal informados que gritam, nada se resolve.
País sem justiça não é país digno, ninguém merece nascer em seu território.
Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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