O abandono de emprego pode ocorrer em algumas circunstâncias. Um dos motivos é a vontade inequívoca do trabalhador não retornar ao seu posto de trabalho com a intenção de não voltar à prestar serviço para o seu empregador. Porém, a ausência prolongada na empresa nem sempre pode ser caracterizada como abandono de emprego, quando, por exemplo, o trabalhador não está em condições clínicas de retornar às suas atividades laborais.
Para se aplicar uma demissão por justa causa por abandono de emprego, o “sumiço” precisa estar ajustado com a lei para enquadrar a possibilidade de uma justa causa, independentemente da boa intenção do funcionário ou da camaradagem do patrão, e é por isso que muita gente ainda se surpreende após avisar sobre sua ausência, pelo whatsapp ou por ligação telefônica, com alguns descontos na remuneração, com o cômputo de faltas, o recebimento de advertência ou até mesmo a rescisão por justa causa pela repetição da prática.
O que caracteriza o abandono de emprego?
Segundo a Consolidação das leis trabalhistas (CLT), artigo 482, o abandono de emprego é suficiente para a rescisão por justa causa, mas a redação da CLT não explica o que seria o tal do abandono de emprego ou de que forma ele acontece.
Quando a lei se cala assim, o Poder Judiciário comumente recebe vários pedidos de manifestação para estabelecer critérios mais claros e resolver o assunto. Em casos difíceis, ou seja, em que não existam indícios muito óbvios de que o empregado não vai de fato retornar, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) considera a regra geral de 30 dias consecutivos de ausência, sem justificativa, para considerar o abandono de emprego:
Súmula 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”
Você deve estar se perguntando quais seriam os indícios de que alguém não volta mais para as funções, um exemplo que eu te dou é o do colaborador que assume novo emprego ou que deixa a cidade em que exercia antes suas funções, tornando incompatível um eventual retorno ao trabalho.
Quando esse cenário se manifesta, o empregador não precisa esperar os 30 dias para efetivar a rescisão por justa causa. A primeira providência do empregador, no entanto, é priorizar o contato imediato com o funcionário e, de preferência, notificá-lo extrajudicialmente, por correspondência com aviso de recebimento, tanto para formalizar sua tentativa de contato como para avisá-lo antecipadamente das consequências de um não retorno.
Com o aviso do funcionário em mãos, a boa-fé dele em não justificar o desaparecimento fica afastada.
O trabalhador que está doente pode não comparecer na empresa?
A situação mais recorrente é a do funcionário que enfrenta problemas de saúde, se afasta para tratamento e perícia do INSS, recebe o auxílio-doença, mas quando o benefício é cortado não retorna ao trabalho. Os motivos são vários, mas o principal é o do trabalhador que ainda não está apto para reassumir a atividade e que decide permanecer em casa até se curar.
Infelizmente, sem o respaldo de um atestado médico, de um pedido de prorrogação de benefício ou outra pendência burocrática que justifique uma situação de espera, a falta não é admitida e pode contar contra o empregado.
Algumas empresas aceitam a comunicação informal, como uma ligação telefônica ou um e-mail endereçado ao departamento de recursos humanos, mas essa prática não possui proteção jurídica segura. Por esse motivo, o empregado deve se resguardar e evitar ao máximo as combinações e promessas verbais, apresentando em tempo todos os seus prontuários médicos.
Nós publicamos um artigo recentemente sobre os efeitos da falta não justificada por atestado médico, basta acessar o conteúdo aqui.
Se o INSS cessar o auxílio-doença o trabalhador é obrigado a retornar ao trabalho?
Com o fim do benefício, o empregado deve retornar em até 30 dias ou justificar o não retorno, até porque com o fim do amparo previdenciário do INSS, o empregado se vê sem remuneração e também sem prestação social, em completa desassistência econômica.
Essa circunstância é conhecida no direito como “limbo previdenciário-trabalhista”, que gera diversas de ações na Justiça para responsabilizar os longos afastamentos da atividade sem remuneração, muitas vezes em decorrência de problemas de saúde adquiridos no próprio trabalho.
De acordo com a súmula número 15 do TST “a justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade (auxílio-doença) e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei”.
A ordem de preferência dos atestados médicos, segundo o autor do livro “limbo previdenciário trabalhista”, Marcos Mendanha, está descrita pela lei número 605 de 1949, no artigo 6º, parágrafo 2º, assim “deve ser obedecida primeiro a decisão do Perito Médico Federal do INSS, para, só depois, a decisão do Médico do Trabalho/Médico Examinador (da empresa)”.
Enquanto houver recurso pendente no INSS contra indeferimento de benefício ou, ainda, análise de pedido de prorrogação, o contrato de trabalho é considerado suspenso e o empregador não arca com a remuneração, mas também não pode contar esse período contra o trabalhador, muito menos como falta que possa caracterizar o abandono de emprego:
“AUXÍLIO-DOENÇA. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. NÃO OBRIGATORIEDADE. No período de tempo em que o trabalhador solicita reconsideração quanto ao pedido de auxílio-doença (recurso), o contrato de trabalho permanece suspenso, nessa toada, irrelevante o fato da empresa saber ou não da alta médica, vez que não poderá ser o trabalhador dispensado, também não há obrigatoriedade de pagamento do referido período. (Processo número RO/ 00436.2009.261.02.00-0)”.
Impedir o retorno ao trabalho de funcionário que recebeu alta médica, aliás, configura dano moral e pode gerar indenização em favor do trabalhador, já que ele é submetido à imposição do ócio e também ao constrangimento de ser condenado inapto sem embasamento científico (Processo número RO 001064-87.2010.5.03.0098).
Se o benefício do INSS é interrompido sem chance de reativação administrativa e o funcionário não é readmitido no emprego, o Poder Judiciário certamente precisa ser acionado para a tutela previdenciária e trabalhista do cidadão inapto. O retorno à atividade só deve acontecer se o trabalhador se sentir capaz de fato para o trabalho que exerce, e, de preferência, com alta médica.
Se a perícia ainda estiver sob análise e o empregado quiser retornar ao emprego porque se sente apto, basta que comunique ao INSS o seu retorno por meio da central de número 135. Neste caso, será considerado desistente em relação ao benefício pendente, por isso é aconselhável que primeiro comunique seu retorno ao empregador.
Quais são os direitos para quem é demitido por abandono de emprego?
Existe uma gradação nas ações que pode ser observada contra as faltas injustificadas. Primeiro é possível advertir verbalmente e com a repetição da falta, a advertência pode ser por escrito; só depois o empregador deve cogitar a suspensão e em último caso a demissão por justa causa, lembrando que a comunicação com o empregado deve sempre ser valorizada.
Essa progressão de atitudes ajuda a fazer valer a certa medida entre gravidade da falta e a capacidade de resposta. A justa causa pode ser contestada judicialmente sempre que esta proporção não for guardada, quando a reação for muito pesada para a ação que ela combate ou se já ocorreu uma punição ou perdão antes.
A justa causa não pode ser utilizada como uma ameaça futura pelo empregador para manter o funcionário sempre em débito, por isso a punição deve ser o mais breve possível e caso a falta seja relevada, deve ser interpretada como perdão, não podendo vir a ser punida depois.
Por isso se o empregador nunca exigiu atestados médicos para abonar faltas e sempre adotou postura indulgente, não pode se portar com contradição e justificar suas punições com base em falhas que ele mesmo estimulou. A boa-fé é o principal elemento, tanto de defesa como de ataque nos processos judiciais por abandono de emprego.
Como anular uma despedida por abandono de emprego?
A demissão por justa causa em razão do abandono de emprego pode ser combatida em alguns casos, principalmente quando é possível apresentar:
- Prova de justificativa das faltas por atestado médico, relatório ou declaração de internação (imagine uma hospitalização repentina, por exemplo);
- Circunstâncias excepcionais que justifiquem a impossibilidade do aviso, como uma viagem de emergência ou um sério chamado familiar, por exemplo;
- Ausência de medidas disciplinares anteriores e/ou descontos salariais pelas faltas: lembrando que a justa causa deve ser a última opção e aplicada com coerência em relação às outras faltas;
- Se o funcionário avisa sobre o retorno pelos meios comuns de comunicação, atenção: nessa situação não se configura tecnicamente o abandono de emprego, que requer a vontade de rompimento definitivo. O prazo de 30 dias consecutivos é apenas presumido, mas a presunção nunca será absoluta.
É preciso esclarecer que um mau funcionário não significa possibilidade de uma demissão por justa causa. A demissão é sempre possível, mas para casos não graves ela deve ser realizada por acordo ou pela modalidade sem justa causa.
O outro lado da história também acontece bastante. Se o empregado desaparece por medo ou porque sofre no ambiente de trabalho ele tem direito a entrar na Justiça para o reconhecimento de uma rescisão indireta, se a vontade de rescindir ocorrer em razão do comportamento por parte do empregador.
Considerações finais
A rescisão por justa causa em razão de abandono de emprego deve seguir o padrão aplicado à justa causa de modo geral: sempre como a última medida dentro de um conjunto de ações anteriores, com aviso antecipado da falta pelo empregador e claro, após tentativas amigáveis de contato.
Ainda que as faltas gerem desconto de remuneração por não terem sido justificadas, elas não implicam rescisão automática por justa causa. Além disso, apesar do empregador não arcar por lei com mais de 15 dias de afastamento do funcionário por problemas de saúde, afastamentos maiores também não lhe dão o direito de rescindir com base no abandono de emprego, que requer ausência imotivada, quando não explícita, ao menos presumidamente configurada com respeito ao prazo de 30 dias consecutivos de falta.
Mesmo que a justa causa seja regular e legítima, o empregador é responsável por cumprir com algumas verbas rescisórias, como o saldo de salário e férias vencidas com acréscimo do terço constitucional.
Por ser medida punitiva, as verbas do acerto são muito prejudiciais e por isso o caso não deve ser ignorado se o trabalhador sente que não foi tratado com justiça. À vista disso, não deixe de procurar um advogado trabalhista se estiver enfrentando esse problema.
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Original de Saber a Lei
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Fonte: Jornal Contábil
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